Festa branca, Tk, Key, poppers, MDMA, LSD, entre outras drogas, associadas a álcool compõem o cenário de encontros regados a sexo. O motivo? Gozar a vida sob o efeito de drogas. Literalmente. O termo “Chemsex” (do inglês chemical sex) significa sexo químico, cujo objetivo de seus praticantes é aumentar ou prolongar a experiência sexual, aguçando os sentidos e a libido. Em sua maioria, HSH (homens que fazem sexo com homens) e pessoas que se identificam com a população LGBTQIA+ são o público-alvo dessa prática que, a cada dia mais, ganha adeptos, mas que ignora os sérios riscos à saúde que ela traz.
David Stuart criou o termo para denominar o sexo químico, com o intuito de alertar a população sobre dos riscos que a prática envolve. Stuart, que vive com HIV e é ex-usuário de drogas, milita em prol da informação e da orientação aos praticantes de Chemsex no Reino Unido. Em seu site ele escreve:
“Eu tenho tentado conscientizar as pessoas sobre a epidemia de Chemsex, que é responsável por grande quantidade de prazer, mas também por experiências traumáticas, suicídios e overdose entre (principalmente) homens gays em todo o mundo [...] Quase todo homem gay no mundo conhece alguém que já usou ou foi afetado pelo Chemsex.”
As substâncias utilizadas nessa prática possuem efeitos psicotrópicos, agem diretamente no sistema nervoso central (SNC) e nos receptores químicos do organismo, podendo levar à dependência. Circulam no mercado clandestino, pois a comercialização desse tipo de substância é proibida no Brasil.
Veja a seguir as principais drogas, seus efeitos e os danos que podem causar no organismo de quem as utilizam.
Poppers: o nome provém de uma onomatopeia que faz alusão ao som que a tampa faz ao abrir o frasco que contém a substância, um líquido da família dos nitritos. É bastante utilizado para intensificar o prazer sexual e também por frequentadores de baladas e casas noturnas, pois aumentam a percepção de luz e som.. Pode causar taquicardia, sudorese excessiva e problemas respiratórios.
GHB (ácido gama-hidroxibutírico): foi sintetizado como análogo do ácido gama-aminobutírico GABA, é depressor do SNC e muito utilizado por causar sentimentos de paz, euforia e alívio da ansiedade. O consumo em excesso, associado ao álcool, pode causar diminuição da consciência, desmaio e até óbito. De acordo com um estudo holandês, em uma escala de 0 a 3, que mede quão viciante é a droga, o GHB possui 1,71 de dependência.
MDMA (ecstasy): os efeitos psicoestimulantes são observados a partir de 20 a 60 minutos após a ingestão de doses moderadas, e causam principalmente aumento da sensação de euforia e prazer. Em excesso, a “bala” (como também é chamada) causa lesões irreversíveis nas células nervosas.
Metanfetamina: como todas as demais, ela estimula o SNC ao potencializar ou deprimir funções orgânicas. Usuários relatam sensação de euforia, aumento do estado de alerta e também da libido, mas também diminuição do apetite, sono e da fadiga. Seu uso prolongado pode causar ansiedade excessiva, transtornos de personalidade, depressão grave e psicose. Na escala holandesa, possui grau de dependência de 2,24.
Cocaína: essa droga, altamente viciante (2,13), possui ação curta, que dura em média de 30 a 40 minutos, e seu mecanismo consiste em manter os níveis de dopamina elevados no cérebro No entanto, quando o efeito cessa, o cérebro cria a necessidade de mais desse efeito que se obteve com a droga, levando à dependência. Euforia, agitação intensa, sensação de agilidade mental, aumento do desejo sexual e percepção sensorial estão entre os efeitos listados por usuários da substância.
Conversamos com o médico Bernardo Porto Maia, que é infectologista pelo Instituto de Infectologia Emílio Ribas e mestre em Saúde pela Universidade Federal do Pará, sobre os efeitos da combinação de drogas e sexo.
Quais os principais riscos às pessoas que praticam o Chemsex?
Os riscos são inúmeros e variáveis. Não se trata de condenar a prática, mas sim de informar, que dependendo da frequência e da combinação de substâncias utilizadas, o efeito pode ser deletério e até mesmo fatal. O uso de GHB (ácido gama-hidroxibutírico), popularmente conhecido como Gina ou Gi, tem um limiar muito tênue entre o efeito psicoestimulante e o tóxico. Dependendo da quantidade e da associação ou não com outras drogas, como o álcool, o efeito pode ser inverso ao esperado, promovendo depressão do sistema nervoso, rebaixamento do nível de consciência, coma e óbito.
Há ainda riscos não relacionados necessariamente à frequência e quantidade do uso, como, por exemplo, o risco cardiovascular. Sabe-se que substâncias como cocaína, por exemplo, podem em uma única exposição, desencadear arritmias cardíacas, vasoespasmo e, inclusive, infarto agudo do miocárdio.
Ter ciência desses riscos é o primeiro passo para uma prática de conscientização e redução de danos. Outro risco frequente é o de infecções sexualmente transmissíveis. O Chemsex vulnerabiliza o indivíduo em função de práticas sexuais de maior risco para IST e é inclusive considerado hoje uma atividade de maior risco para a infecção pelo HIV, por exemplo.
Existe tratamento para um possível “desmame” no uso de drogas associadas à prática sexual? Se sim, qual?
Sim, existe. Porém, não há “fórmula mágica”. Primeiro, é preciso identificar o que motiva a prática. A cultura do “Party & Play” (como também é conhecido o Chemsex), muito comum na comunidade LGBTQIA+, mas não restrita a ela, geralmente decorre de fuga de uma realidade de sofrimento de qualquer espécie. A identificação desses gatilhos e o trabalho multiprofissional, visando dirimir os efeitos adversos da prática, deve partir da iniciativa de cada indivíduo para perceber os riscos e buscar ajuda.
Psicólogos, psiquiatras, psicoterapeutas, clínicos e infectologistas devem andar juntos, munindo o paciente de estratégias de enfrentamento, nunca pautadas no preconceito, mas sim na compreensão, acolhimento e redução de danos. Essas podem envolver desde estratégias de prevenção combinada a infecções sexualmente transmissíveis, orientação de melhor estilo de vida e hábitos saudáveis, até terapias medicamentosas.
O Grindr é um aplicativo norte-americano lançado em 2009 para o público LGBTQIA+, e se vale da geolocalização para promover encontros de usuários próximos. Segundo o fundador, Joel Simkhai, o objetivo do aplicativo é promover o encontro entre novas pessoas, com foco em paqueras e relacionamentos. Entende-se relacionamento no sentido mais amplo.
Não é difícil baixar o app na loja do celular, criar um perfil e começar a navegar entre as fotos de dezenas de homens disponíveis para bater papo. Entre um e outro usuário, há quem venda entorpecentes e também quem seja adepto do Chemsex. Esses se identificam através de emojis como raios ⚡ou fotos dos frascos de “poppers”, além da expressão “sexo aditivado” em seus perfis.
Um estudo brasileiro da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo de Ribeirão Preto - USP (“Vulnerability to HIV among older men who have sex with men users of dating apps in Brazil” – Vulnerabilidade para o HIV entre homens mais velhos que fazem sexo com outros homens usando aplicativos de relacionamento no Brasil), publicado em outubro de 2019, avaliou a vulnerabilidade de se contrair o HIV por usuários de apps de relacionamentos (incluindo o Grindr). Entre os fatores associados ao maior risco de contrair HIV, o Chemsex apresenta uma probabilidade elevada, como também apontado por Maia.
Vale ressaltar que não se trata de uma tentativa de criminalizar o aplicativo, tampouco constranger seus usuários, mas sim jogar luz sobre as diferentes formas de oferta de sexo e aditivos através da internet e, quiçá, fomentar o debate sobre novas formas de prevenção de IST e também sobre estratégias de comunicação efetiva com esse público.
Uma revisão sistemática é uma investigação científica para identificar, avaliar e interpretar todas as pesquisas disponíveis sobre determinado assunto, o que foi feito com o tema “Chemsex”. Uma revisão sistemática publicada em 2019, realizada pelo Departamento de Saúde Global e Desenvolvimento da London School of Hygiene and Tropical Medicine, trouxe resultados interessantes, correlacionando o “sexo químico” com infecções sexualmente transmissíveis.
Os pesquisadores analisaram 2.492 publicações com o tema e, na síntese final, compilaram os dados mais relevantes. As conclusões descritas na análise contaram que uma minoria de HSH se envolvem com Chemsex, no entanto, aqueles que praticam citaram como uma das razões os efeitos positivos e estimulantes nos encontros com outros homens.
Além disso, os pesquisadores disseram que há maior probabilidade de homens com sorologia positiva para o HIV serem mais propensos à prática em relação aos HIV negativos. Por fim, o estudo concluiu que participantes de Chemsex eram mais propensos a transar sem o uso de preservativo, o que aumenta a probabilidade de transmissão de IST.
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Anderson José
Estudante de medicina na Ufac (Universidade Federal do Acre), autor do podcast Farofa Médica e da página de Instagram @oiandersao