Se no ano passado já parecia difícil, 2021 começou com um desafio ainda maior, sobretudo para o estado do Acre e sua população estimada em 770 mil pessoas. A coexistência da Covid-19, que já ceifou a vida de 250 mil brasileiros, o crescimento de casos de dengue na região, as enchentes e uma crise migratória têm colocado as autoridades em alerta em meio a mortes, conflitos e a incidência de doenças ocasionadas por diferentes agentes.
Na segunda-feira, 22, o governo federal reconheceu estado de calamidade pública em dez das 22 cidades do Acre devido às cheias dos rios, ratificando o decreto do governador do estado Gladson Cameli. O decreto de calamidade é válido por 90 dias e ocorre face a uma situação de catástrofe ou desastre que tem como consequência grandes danos e prejuízos. Com isso, o governo estadual pode destinar mais recursos ao enfrentamento da crise, dispensar licitações e dispor de outras medidas na tentativa de restabelecer a ordem sendo, um exemplo disso, a compra de respiradores para leitos de UTI por conta da urgência causada pela Covid-19.
Até agora, 974 pessoas já perderam a vida em decorrência da Covid-19 e mais de 55.591 testaram positivo para a Sars-CoV-2 em todo o estado. Esse quantitativo desafia o sistema de saúde acreano que, em adição a ocorrência de outras doenças, coloca em xeque a capacidade de atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS) e da rede privada da região. A capital Rio Branco conta com 70 (setenta) leitos de UTI públicos e mais 20 privados para Covid-19, sendo que na rede privada já existe fila de espera para internação. Mesmo com a abertura de mais 100 leitos no maior hospital de campanha do estado, a taxa média de ocupação gira em torno de 90% e isso gera temor e preocupação, já que as taxas de vacinação nos estados brasileiros, incluindo o estado do Acre, ainda são tímidas e novas variantes do vírus circulam pelo país.
“Os meses de janeiro e fevereiro de 2021 foram os piores nas taxas de crescimento de casos confirmados e de ocupação de leitos de UTI”, afirma o médico Osvaldo Leal Junior, diretor técnico do hospital de campanha localizado na capital do estado e professor do curso de medicina da Universidade Federal do Acre. Diante do crescimento dos casos de Covid-19, o comitê estadual de enfrentamento manteve todo o estado na fase vermelha, o que significa que apenas serviços essenciais podem funcionar.
Se a Covid-19 por si só já causava transtornos demais, as crescentes taxas de notificação de dengue geram ainda mais problemas de saúde no sentido mais amplo: aos pacientes e a rede hospitalar.
A dengue é uma doença viral causada por um arbovírus e é transmitida pela picada do Aedes aegypti fêmea, cuja reprodução ocorre em águas paradas, sobretudo em épocas das chuvas de verão entre os meses de dezembro e março. No Brasil, em 2019, foram notificados 1.544.987 casos de dengue, de modo que a região norte apresentou 195,8 casos para cada 100 mil habitantes.
Só nos primeiros meses de 2021 foram confirmados 1.552 casos de dengue e os suspeitos somam outros 8.626 casos, e isso pressiona ainda mais o atendimento nos serviços de saúde do estado, sobretudo daqueles menores que não dispõem de grandes estruturas de atendimento.
Inicialmente, os sinais e sintomas tanto da dengue como da Covid-19 podem se assemelhar, sendo comum a ambas as infecções virais:
Os sintomas mais prevalentes na Covid-19 são:
Já na dengue, os principais sintomas além daqueles citados acima são:
Nesse momento de transmissão intensificada dessas duas infecções virais, a estrutura de saúde do Acre é desafiada diante do cenário.
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O excesso de chuvas provocou a cheia do Rio Acre que transbordou e já deixou 10 municípios acreanos debaixo d’água e mais de 110 mil pessoas desabrigadas. Em um momento que se preconiza o distanciamento social dada à crescente taxa de infecção pelo novo coronavírus, famílias se aglomeram ao se abrigar em casas de parentes ou abrigos montados em escolas, igrejas e equipamentos públicos. O contato com a água de cheias é um prato cheio para a contaminação e o desenvolvimento de doenças diarreicas, certos tipos de hepatites e também a leptospirose.
A leptospirose é uma doença infecciosa causada pela bactéria Leptospira encontrada na urina de ratos, cuja proliferação é favorecida pela ocorrência de inundações como as que ocorrem em diversos municípios do estado. A leptospirose apresenta sinais e sintomas característicos entre os quais estão febre, diarreia, tosse, dor de cabeça e dor na panturrilha (batata da perna). Caso não seja tratada de forma precoce, o quadro pode evoluir para disfunção hepática, insuficiência renal aguda, pneumonite hemorrágica, arritmias cardíacas e choque circulatório, o que configura a Síndrome de Weil.
Entretanto, os problemas com enchentes não são exclusivos das cidades do Acre, já que, em todos os verões, diversas cidades do Brasil são afetadas com inundações que destroem o que encontram pela frente, geram perdas materiais às famílias que têm suas casas invadidas pela água suja, além de favorecer o adoecimento daqueles que entram em contato com a água contaminada. As razões pelas quais isso ocorre são muitas e incluem desde o papelzinho da bala que você joga na rua até a desassistência do poder público em se antecipar diante desses eventos sazonais que geram tanto prejuízo em muitos aspectos.
O município de Assis Brasil tem população estimada de 7.534 pessoas e é palco da crise migratória que ocorre no estado. A cidade é fronteiriça e está localizada no lado brasileiro onde um grupo de mais de 300 imigrantes, em sua maioria haitianos, clamam às autoridades locais assistência médica, alojamento e alimentação para que consigam atravessar a fronteira para o Peru com o intuito de deixar o Brasil. Leal Junior também afirma que há casos de dengue e Covid-19 em alguns imigrantes que ocupam a fronteira entre os dois países e isso já vêm acarretando problemas na rede de saúde do município, já que a cidade não dispõe de estrutura capaz de atender aos munícipes e imigrantes diante do crescimento de casos de Covid-19, dengue e doenças relacionadas às inundações.
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Talvez você já tenha ouvido ou feito essa pergunta, com o objetivo claro de fazer piada com um pequeno estado localizado na região ocidental da Amazônia brasileira. Sim, o Acre existe e faz parte do território brasileiro há 58 anos. Não há dinossauro, tampouco extraterrestres lá, e neste momento há enormes desafios a serem enfrentados não apenas pelos gestores locais, mas também com o apoio da União e de até outros estados que possam auxiliar o povo acreano a vencer mais um obstáculo, ou melhor, mais alguns obstáculos impostos pela ocorrência de doenças, conflitos e desastres naturais.
Embora seja um dos estados do Brasil com o menor PIB, o Acre tem muita riqueza cultural, natural e possui filhos ilustres como o médico cardiologista Adib Jatene, a autora Glória Perez e muitos outros anônimos que, com muito esforço e luta, tentam, dia após dia, viver de forma digna mesmo em meio a tantos desafios e obstáculos. Pequeno geograficamente, mas gigante pela própria natureza, o estado que lutou para ser brasileiro sairá maior desse momento dada a garra de seu povo que levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima!
*Anderson José é de São Paulo, mas estuda medicina na Ufac (Universidade Federal do Acre). Por causa da pandemia, tem seguido o curso a distância
Anderson José
Estudante de medicina na Ufac (Universidade Federal do Acre), autor do podcast Farofa Médica e da página de Instagram @oiandersao