Dezembro é o mês que representa a ação contra o HIV/Aids no Brasil
Anderson José Publicado em 12/12/2021, às 13h00
Diversos casos começaram a aparecer acometendo diferentes pessoas em diversos países ao mesmo tempo. Não havia tratamento, pois pouco se sabia da infecção. Era vírus? Bactéria? Pegava pelo ar? As respostas passaram a ser respondidas com o tempo, associadas ao desenvolvimento de pesquisas e tratamento aos pacientes. Infelizmente, muitos morreram em decorrência da doença.
Estamos falando de Covid-19? Não! Estamos falando de HIV/Aids. Dezembro é o mês temático de ação contra o HIV/Aids no Brasil e, apesar dos avanços no tratamento e na prevenção das pessoas, o vírus e a doença são ainda bastante estigmatizados. Se em 2021 – quase 2022 – as fake news e desinformação pipocam por aí, mesmo com um mundo de notícias na palma da mão, imagine na década de 80 ou 90.
Quando se fala de HIV/Aids, muitas pessoas já lembram de personalidades como Cazuza, Freddie Mercury, entre outros. No entanto, outras preferem não falar sobre a doença, já que é algo pessoal e um direito seu de manter a privacidade acerca de seu estado de saúde. Além disso, o estigma e desrespeito ainda paira sobre a doença e é justificável alguém preferir não revelar seu status sorológico ou abordar o tema publicamente.
Freddie Mercury e Renato Russo, ao contrário, o fizeram. pois a obra de ambos realizada em vida, por si só, já prova que ninguém pode ser resumido a um diagnóstico, dada a genialidade e o talento que tanto o vocalista da Banda Queen, como o do Legião Urbana tinham.
Diante do quadro dramático de perdas e preconceito, diferentes personalidades em diversos momentos da História, se empenharam em dedicar parte de suas vidas ao ativismo pelos direitos mais básicos de pessoas vivendo com HIV/Aids. Alguns outros artistas, por sua vez, cientes da posição de destaque que ocupavam, abordaram a Aids de forma humanizada, no sentido de diminuir a discriminação para com aqueles que já estavam debilitados em um tempo que nem tratamento eficaz existia ainda. Abaixo, listamos algumas das personalidades, que, de alguma forma, ecoaram publicamente suas ações pelo direito, respeito e acesso aos serviços de saúde das pessoas vivendo com HIV no mundo.
Além de suas performances, músicas e talento, a rainha do pop também é conhecida por suas posições firmes e ação em defesa dos direitos de mulheres e minorias. O álbum Like a Prayer, 1989, trazia um encarte com informações sobre a transmissão do HIV, mas além disso, uma reflexão sobre respeito e empatia para com as pessoas que viviam com HIV/Aids.
Em 1992, a cantora rodou o mundo com sua “Blond Ambition Tour”, ao mesmo tempo que a epidemia de Aids assolava, principalmente, a comunidade LGBTQIA+. Durante os shows, Madonna fazia várias intervenções e discursos acerca do HIV/Aids, que pejorativamente era tachado de “câncer-gay” à época. Keith Haring, um conhecido artista gráfico de Nova York, foi um dos vários amigos que Madonna perdeu para a Aids no início da década de 90. Haring, inclusive, foi quem levou Madonna às boates nova-iorquinas onde ela começou sua carreira. No álbum Erotica, a letra da canção “In this life” aborda o luto causado por perder uma pessoa em decorrência de algo novo que havia chegado, provavelmente, o vírus HIV e a cantora dedicou a canção a seus amigos.
“Sentada num banco do parque
Pensando em um amigo meu
Ele tinha só vinte e três anos
Se foi antes do momento certo
Isso veio sem avisar
Ele não queria seus amigos vendo-o chorar
Sabia que o dia estava amanhecendo
E eu não tive uma chance de dizer adeus...”
(“In this life”, Madonna, 1992.)
Recentemente, mesmo com toda informação e facilidade de acesso, o rapper DaBaby proferiu mentiras sobre o HIV/Aids e Madonna respondeu aos comentários do rapper em suas redes sociais:
Se você vai fazer comentários odiosos à comunidade LGBTQIA+ sobre HIV/Aids, conheça os fatos. Após décadas de pesquisas científicas duramente conquistadas, existem medicamentos que salvam vidas de crianças nascidas com HIV e de pessoas que contraem o HIV. Esses novos antirretrovirais podem manter uma pessoa saudável pelo resto de suas vidas. O HIV não é transmitido ao lado de alguém na multidão.”
A cantora Rita Lee talvez tenha sido a primeira artista brasileira a falar sobre o HIV em uma época em que se comentava pouco sobre e a desinformação e preconceito eram escancarados. Em 1985, Rita e seu marido Roberto Carvalho lançaram o álbum Rita e Roberto em que estava a canção “Vírus do amor”. Vale lembrar que, em 1985, receber o diagnóstico de Aids era quase que sentença de morte devido às escassas terapias e até ao pouco conhecimento sobre uma doença infecciosa que se alastrava e debilitava rapidamente os pacientes.
“...O vírus do amor Dentro da gente Beira o caos 42 graus de febre contente...”
(“Vírus do amor”, Rita Lee, 1985.)
Em entrevista para Sarah Oliveira, a cantora revelou que perdeu amigos que morreram em decorrência da Aids e que “Vírus do amor” foi composta com frases ditas e, inclusive, sensações que seus amigos revelavam ter com a doença instalada no organismo.
♫ Brasil, mostra a sua cara! ♪
Agenor de Miranda Araújo Neto, o Cazuza, travou uma batalha publicamente contra a Aids ao enfrentar a doença e falar sobre ela. Em uma época em que o tratamento antirretroviral não era universal como hoje no SUS, o cantor se dividia entre Boston e o Rio de Janeiro para tratar a doença. Foi entre essas idas e vindas que compôs a música “Ideologia” do álbum de mesmo nome em 1988.
“...O meu prazer Agora é risco de vida...”
(“Ideologia”, Cazuza, 1998.)
O AZT era a única droga que compunha a terapia antirretroviral até então. À época era capaz de dar alguma sobrevida ao paciente; no entanto, as reações adversas eram fortes, o que diminuía drasticamente a qualidade de vida daqueles que, ao menos, conseguiam tomar a medicação. Quando Cazuza compôs “Ideologia”, enfrentava além da Aids, efeitos colaterais, como a lipodistrofia. No entanto, o poeta carioca, apesar de seu quadro de saúde, conseguiu produzir músicas que ganharam diversos prêmios Brasil afora, dada a qualidade de seu trabalho, ou seja, seu estado de saúde não impedia sua capacidade intelectual.
Em 1989, a revista Veja convidou o cantor para estampar uma de suas capas. A mãe, Lucinha Araújo, conta que, quando foi convidado, Cazuza ficou animado com a possibilidade de falar sobre seu trabalho e também abordar causas, incluindo a Aids. Porém, a reportagem veiculada marca um triste capítulo da mídia impressa brasileira, já que resumiu Cazuza a um diagnóstico e sentenciava “A vítima da Aids agoniza em praça pública.”
Lucinha, em diferentes ocasiões, disse que o filho, quando viu aquela capa, passou mal e precisou ser hospitalizado. Após isso, ganhou o Prêmio Sharp, de 1989, com “Brasil”, considerada a música do ano. Cazuza, ao mostrar publicamente seus esforços pela vida, dizia que não poderia dizer ao Brasil para mostrar a cara, se ele não mostrasse a dele, enfrentando de frente o desafio de restabelecer sua saúde, enquanto cantava, escrevia e lotava shows pelo país.
Liz Taylor, como também é conhecida, foi uma atriz de grande renome que fez sucesso em diversas produções, incluindo a antológica Cleópatra, de 1963. Entre diversos prêmios, ganhou dois Oscar de melhor atriz e um Globo de Ouro.
Foi uma das primeiras celebridades a participar do ativismo em prol das pessoas vivendo com HIV/Aids, criando, em 1985, a Fundação Americana para Pesquisa da Aids (amFAR). A amFAR é uma organização sem fins lucrativos que apoia pesquisas sobre o HIV/Aids, além de desenvolver ações sobre a prevenção do HIV e expandir o acesso aos cuidados e tratamentos às pessoas, buscando garantir seus direitos básicos.
Quando soube que seu amigo Rock Hudson estava com Aids, Taylor organizou um evento para arrecadar fundos para pesquisas sobre a doença, sendo levantados mais de US$ 1,300,000. Contudo, considerou a quantia baixa e leiloou diversas jóias de sua coleção para incentivar pesquisa e tratamentos.
Em 1991, ela fundou a Elizabeth Taylor Aids Foundation (Etaf), novamente em um período de muito desconhecimento, preconceito e medo de uma doença silenciosa e altamente estigmatizante. Liz, sendo uma renomada atriz de Hollywood, fomentou o diálogo, despertou o interesse das pessoas e, sobretudo, humanizou as pessoas que viviam o HIV/Aids à época. Poderia não ter se preocupado ou dedicado parte de sua vida à ação pelos direitos civis das pessoas, mas ciente de seu papel, colocou o assunto “Aids e ativismo” em outro patamar.
Em 1991, Magic Johnson era um dos maiores destaques da NBA e acumulava campeonatos vestindo a camisa de seu time, o Lakers. Em novembro daquele ano, anunciou que havia contraído o vírus HIV surpreendendo a todos. Um ato de coragem, feito em uma época que pouco se falava da doença, a não ser através de estigmatização e preconceito ao atribuírem a Aids apenas a gays.
“Pensamos que só os gays podem contrair o vírus da Aids, que nunca vai acontecer com a gente. Pode acontecer com qualquer um. Aconteceu comigo.”
(Magic Johnson, 1991.)
Em 1992, o jogador recebeu o prêmio de jogador mais valioso do Jogo das Estrelas e trouxe para casa a medalha de ouro das Olimpíadas de Barcelona. Isso só demonstra que é possível ser saudável e ter uma vida normal, mesmo com um diagnóstico.
Johnson relata que diante de sua declaração, muitos jogadores tinham medo de encostar nele durante as partidas. Em um dos campeonatos, cortou o braço durante o jogo, o que causou pânico entre aqueles que estavam no ginásio assistindo ao pré-jogo da temporada de 1993 da NBA. Após esse evento, decidiu se afastar das quadras. Porém, retornou em 1996 como técnico do Lakers e tornou-se sócio do Los Angeles Dodgers, da Major League Baseball, e o Los Angeles Sparks, da WNBA, ambos times de basquete norte-americanos. Hoje Johnson é um dos atletas mais bem sucedidos do mundo. A Forbes, em 2015, o colocou na lista dos 50 mais poderosos do esporte da Califórnia.
Sandra Bréa foi uma atriz carioca que participou de diversas produções, incluindo novelas e filmes. Em 1997, sabendo de seu diagnóstico de HIV, fez uma participação na novela Zazá, da Rede Globo, falando sobre seus esforços contra a doença, mas, sobretudo, contra o preconceito.
Toda pessoa que já teve ou tem um contato próximo da morte, aprende a dar mais valor às pequenas coisas. Aprende a se doar a seus amigos, a seu povo. Brigar, lutar pela própria vida. O mais importante é que depois da Aids, meu nome Sandra não era só Sandra, mas sim Sandra Amor. E meu amor é minha briga e convoco a todos a essa briga: a briga contra o preconceito.” (Sandra Bréa, Novela Zazá, 1997.)
Se em 2021 ainda é um tabu falar sobre determinados assuntos em TV aberta, imagine em 1997... Sandra, ciente de seu papel enquanto artista e cidadã, foi ao horário nobre da maior emissora do país em uma época que não existia redes sociais e a televisão era uma das fontes de informação. Não foi falar de Aids, mas sim de amor, de respeito, de saúde e, sobretudo, de cidadania.
Lady Di, a princesa do povo, marcou a história no ativismo contra a Aids com um aperto de mão. Simples, mas impactante em um tempo que pessoas vivendo com HIV/Aids eram sinônimo de morte e medo. O ato de Diana, ao cumprimentar um paciente em tratamento contra a doença, humanizou aqueles que viviam sob o julgamento de terceiros, desinformados por ignorância e preconceito. Em 1991, Diana veio ao Brasil e, entre diversos eventos de agenda, visitou um orfanato para crianças com Aids, localizado na Febem, hoje Fundação Casa.
Apesar de sua trágica morte, em 1998, o legado da simplicidade, humildade e empatia de Diana persistem. O Diana Award, uma honraria humanitária concedida pelo governo britânico desde 1999, em homenagem à princesa, entre outras iniciativas, homenageia pessoas que dirigem esforços pelo fim do estigma que ainda está associado ao HIV.
O HIV não torna as pessoas perigosas. Então você pode lhe dar aperto de mãos e abraços. Deus sabe que eles precisam disso.”
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