A humanidade passou por doenças devastadoras. Que lições tiraremos quando a Covid-19 for controlada?
Anderson José Publicado em 10/04/2021, às 17h00
Estima-se que, só em Nova York, 130.000 crianças perderam pai ou mãe, ou ambos. Grande parte da população teve que enfrentar e lidar com perdas e isso implica inúmeros desafios à estabilidade emocional e saúde mental.
O sentimento de luto pairou sobre a humanidade e, além disso, para os profissionais de saúde sobreviventes essa experiência deixou sentimentos de culpa, raiva, confusão e abandono, aliado a quadros de depressão graves por se sentirem frustrados por não conseguirem salvar mais vidas, transformando as suas em um emaranhado de tristeza e medo.
O trecho acima se refere à pandemia de Covid-19? Não.
Trata-se de um dado relativo a novembro de 1918, na ocorrência da gripe espanhola, uma das mais mortais pandemias até então.
A frase acima já foi repetida inúmeras vezes por um mundo de pessoas que, de fato, estão cansadas de tantas perdas. O Brasil perde vidas, dia após dia, em uma escalada triste, e até agora ninguém conseguiu frear esse trem desgovernado que anda ceifando tantos sonhos acompanhado de perda de emprego, renda e de saúde, no sentido mais amplo.
Tristeza, ansiedade, depressão, transtornos e desesperança pairam sobre todos. Isso tudo vai passar. É fato, mas quando? E, além disso, quando passar, como ficaremos? Essas questões ainda não têm respostas, mas também são repetidas diuturnamente e ecoam na cabeça das pessoas.
A história do mundo é pendular, ou seja, coisas que aconteceram no passado, vira-e-mexe voltam para nossa atualidade e se transformam na realidade à qual todos estamos submetidos. Uns mais, outros menos, mas todos estamos. Certamente, você já ouviu falar nas grandes pandemias que já assolaram o mundo e, quiçá, ouviu falar em “gripe espanhola”, certo?
Pois bem, apesar de todo o sofrimento e perdas que essas doenças seculares causam na humanidade, elas também devem servir para ensinar algo. E o que podemos aprender com os efeitos causados pela grande gripe de 1918 no que tange à saúde mental? É essa a resposta tentaremos esmiuçar agora.
A gripe espanhola durou de 1918 a 1919 e, apesar do pouco tempo, matou entre 25 milhõs e 50 milhões de pessoas (alguns dizem 100 milhões) ao redor do mundo incluindo, inclusive, o presidente do Brasil à época.
Como a maior parte das pandemias, foi causada por um vírus que, no caso, era o influenza, causador de uma grande gripe como a história mostrou, bem como o futuro mostrará que o SARS-Cov-2 não provocou uma gripezinha, mas sim uma tragédia social e sanitária em um país que, até agora, não dispõe de uma política efetiva de enfrentamento, sequer de compra de vacinas, que é são o único recurso efetivo contra a Covid-19 disponível até o momento.
A encefalite letárgica acompanhou a gripe espanhola e atingiu milhares de pessoas. Não se sabe ao certo qual o mecanismo fisiopatológico da doença, porém dois estudiosos, Hoffman e Vilensky, a caracterizaram em duas fases:
Fase aguda: sonolência excessiva, distúrbios de motilidade ocular e do movimento corpóreo, em alguns casos febre, embora qualquer outro sinal neurológico não fosse apresentado.
Fase crônica: meses e até anos após a fase aguda e com muitos sinais parkinsonianos.
Ao todo, 1 milhão de pessoas em todo o mundo foram afetadas pela encefalite letárgica entre seu surto em 1916 até o início dos anos 1930. Embora muitos médicos tenham presumido uma associação entre a encefalite e a gripe espanhola, não há evidências conclusivas sobre a causalidade, porém, o assunto é interessante, e vale ressaltar que foi incluído aqui não como uma espécie de “profecia premonitória”, mas sim como uma curiosidade para despertar e aguçar a reflexão de todos para além da ciência.
Quando a gente dorme, muitas vezes, temos belos sonhos e quando não sonhamos com nada, simplesmente, não lembramos do que fizemos durante as horas dormidas. Assim, será que este sono profundo surgiu como uma forma de fuga da realidade dura pós grande gripe espanhola? A título de informação, anos depois do fim da crise sanitária, começou uma crise econômica conhecida como “Crise de 29”.
A síndrome de burnout é uma condição que resulta do estresse crônico no local de trabalho, que não foi gerenciado com sucesso. Está incluída na CID-11 e é altamente incapacitante. A doença, portanto, é caracterizada por:
Um estudo realizado em 2020 com 3.613 participantes mostrou que 78% dos profissionais de saúde tiveram sinais de síndrome de burnout no período da pandemia de Covid-19. A prevalência foi de 79% entre médicos, 74% entre enfermeiros e 64% entre técnicos de enfermagem.
Após o fim da pandemia, como as equipes se estruturarão em um sistema de saúde subfinanciado, mas que, mesmo assim, demostrou a sua importância no curso da pandemia? Serão mais bem remunerados e reconhecidos? E quanto à população, serão ofertados serviços de saúde com mais qualidade, leitos, enfermarias, medicamentos? A saber.
Como já disseram os Titãs, “é preciso saber viver”, mas, com a permissão literária, adaptamos: é preciso saber esperar! Isso não significa ficar letárgico diante de tudo o que acontece, mas sim garantir a autopreservação. Um cuidado com seus sonhos, alimentando-os mesmo sendo a realidade dura, um cuidado com o corpo, se exercitando, mesmo com o desconforto da máscara, um cuidado consigo próprio, mesmo tendo vontade de abraçar.
Geralmente, grandes tragédias, como visto, deixam marcas na humanidade, mesmo após o fim delas. Porém, já sabendo disso, podemos tentar nos antecipar para nos prepararmos. Para compensar tantos desafios, perdas e tristezas, o pós pandemia bem que poderia ser regado de alegrias, amor, risos espontâneos e qualidade de vida, não é mesmo?
Que todos acordemos do pesadelo desse sono profundo e letárgico que nos impede de sair por aí, distribuindo abraços e tentando ser feliz. Não se trata de futurologia, tampouco misticismo, mas sim de alimentar um sentimento genuíno e bom de dias melhores, vidas melhores, ares melhores.
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