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“Tiktorização” do mundo; tudo em um vídeo de poucos segundos

Plataforma não tem dez anos, mas já virou febre
Plataforma não tem dez anos, mas já virou febre

Antes de mais nada já quero deixar claro uma coisa: nada contra as coreografias com trechos de música, nem as frases voando no mesmo ritmo da batida enquanto você as aponta. Se te faz bem e não prejudica ninguém, tudo bem! Mas nem todo conteúdo fica bom enquanto você se remexe muito ao som de um axé.

Muitos de nós vivemos a época dos depoimentos no Orkut, lembra? E quem nunca chamou atenção no MSN? Os mais antigos usavam o ICQ com seus números imensos. Depois veio o Facebook... Bum! Tudo mudou! Grupos, textões e até cutucadas (inclusive, saudades). Mas como o mundo muda rapidamente, novas redes sociais surgiram, entre elas o Instagram e, mais recentemente, o Tik Tok... Bum! Tudo mudou! De novo.

Para de ser cringe!

As pessoas têm pressa! Fazer textão no Facebook é cringe demais. Ninguém mais lê. Assistir aulas gravadas? Só na velocidade 2´. Vídeos longos explicando algum assunto? Isso é passado, tá passada? Você que se esforce para explicar algo em 15 segundos e não é uma explicação qualquer não, viu? Tem que ter alegria, gingado, cores vivas, cabelos esvoaçantes e filtros. Rapidez e alegria são os pré-requisitos porque postar vídeo de desabafo e tristeza é queimação de filme total, né?

Em época de pandemia, aula on-line tem virado live. EAD? Não! LAD (Live à Distância). Há algumas semanas, uma professora disse para os alunos que se quisessem ter uma aula de radiografia abdominal, assistissem a live dela em seu Instagram, onde, entre posts de recebidos e dancinhas bregas, ela ensina raio-X. Massa demais, maninha! Alunos? Não! Seguidores!

Confira:

Qual método pedagógico embasa que um aluno aprende muito mais apontando estruturas anatômicas ao som de um axé do que sentando o bumbum na cadeira e estudando, de fato?

Algumas faculdades já, já incorporam ao plano pedagógico de seus respectivos cursos a disciplina Fundamentos das Dancinhas I. Porque, cá entre nós, dá um trabalhão gravar um vídeo de 15 s perfeito. É a mão que tem que apontar para o balão certo, o texto que não pode ser longo demais, a batida da música que deve ornar com o dedinho apontando, a carinha de sexy sem ser vulgar olhando fixamente para a câmera tentando transparecer naturalidade e por aí vai.

Nada contra as coreô, até tenho amigos que fazem

Por que coreografar uma música inteira se você pode remexer os braços durante um trecho de segundos? É rápido, prático e simples. Dá mais views, engajamento e vai que até rola uma publi se você viralizar. Se Ragatanga fosse lançada hoje, certamente, não teríamos sido agraciados com os movimentos do Ase-Re-Je inventados pelo coreógrafo da banda, já que o refrão não cabe em um story, por exemplo.

Ok, agora que você chegou até aqui parece que eu sou antidancinha em rede social... Eu não sou contrário, não. Nem saudosista dos textos de Facebook e depoimentos no Orkut. Os meios de consumo e modo de vida das pessoas têm mudado e é natural que novas tecnologias e formas de usá-las acompanhem essas alterações.

Não se trata de “conservadorismo tecnológico”, mas sim um ponto de vista sobre o excesso do uso de determinadas formas de entretenimento. Eu me divirto com muitos vídeos e até aprendo com uns ou outros, mas isso não pode ser incorporado como únicas formas aceitáveis de produzir conteúdo seja lá qual for ele.

Mas há que se reconhecer todo o esforço e trabalho envolvido na elaboração dos movimentos friamente calculados dos coreógrafos das redes sociais. Aliás, o sindicato dos coreógrafos deveria fazer uma manifestação pela valorização da profissão.

*Esta coluna não reflete, necessariamente, a opinião do Site Doutor Jairo.

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Anderson José

Anderson José

Estudante de medicina na Ufac (Universidade Federal do Acre), autor do podcast Farofa Médica e da página de Instagram @oiandersao