Como o uso problemático de álcool pode afetar as pessoas após os 60 anos? Em mais uma entrevista da série Dose de Responsabilidade sobre álcool, gênero e idade, o psiquiatra Jairo Bouer conversa sobre o tema com o geriatra Milton Crenitte, coordenador do laboratório de sexualidade da área de geriatria do Hospital das Clínicas da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).
Crenitte explica que, com o processo de envelhecimento, podem vir diversas mudanças socioculturais, como perda de entes queridos, desemprego, aposentadoria, depressão e outros. E existe uma relação comprovada entre problemas de saúde mental e perda de suporte social precário e o consumo excessivo de álcool.
Para o geriatra, a prevenção do problema envolve diversos esforços de diferentes setores da sociedade. É preciso proteger a saúde mental da pessoa idosa com acolhimento, é preciso que haja centros de convivência, ações e atividades para além da aposentadoria, e melhorar a empregabilidade dessas pessoas. Tudo isso pode ajudar.
Questionado se existe mudança de padrão em relação a homens e mulheres, o entrevistado afirma que eles ainda têm uma tendência maior ao uso pesado de álcool. Um dos motivos para isso é que ainda é mais aceito socialmente que o homem beba. No entanto, ele lembra que existe uma feminilização da velhice, porque os homens costumam morrer mais cedo.
O etarismo, ou sofrer preconceito por ser mais velho, também é algo que se relaciona com a questão do uso problemático do álcool:
Muitas pessoas idosas, quando estão passando por um problema com o uso de álcool, muitas vezes não vão falar com o profissional de saúde, porque têm medo, pelo estigma de ser um 'dependente'."
Para pessoas idosas LGBTQIA+, existem ainda mais fatores que aumentam o risco para uso abusivo de álcool. "Muitas dessas pessoas tiveram que romper com sua família biológica por causa do preconceito. E pode acontecer de não terem filhos e não terem com quem contar", diz Crenitte. E, de novo, a ausência do suporte social é algo que pode levar ao abuso da bebida.
Sem contar que o chamado estresse de minorias, enfrentado ao longo da vida, também impacta a saúde mental e o risco de abuso de substâncias.
Confira:
Para quem consumiu álcool em excesso ao longo da vida, os impactos à saúde física e mental são visíveis na terceira idade. Doenças do fígado, do coração, piora da pressão alta, problemas de saúde mental...tudo isso pode ser observado.
O álcool também pode ser um fator de risco para perdas cognitivas, quadros de demência e vários tipos de câncer, como no trato digestivo, laringe, boca etc. Esse risco é ainda maior se a pessoa também usou tabaco.
O ideal seria trabalhar na prevenção lá atrás, mas quando isso não é possível, é bom saber que dá, sim, para minimizar os impactos.
Reduzir o consumo de álcool pode evitar com que uma doença seja descompensada e se agrave. Até porque, como explica o médico, a forma como o álcool é metabolizado muda conforme envelhecemos. A possibilidade de ter um efeito tóxico com a bebida fica maior, inclusive porque há maior chance de um idoso utilizar medicamentos de uso crônico que interagem com a substância.
É o que eu sempre digo para os meus pacientes: nunca é tarde para parar, e nunca é tarde para ter uma mudança no estilo de vida”.
Para saber mais sobre álcool, saúde e comportamento, confira o site DrinqIQ.
Veja a entrevista completa:
Tatiana Pronin
Jornalista e editora do site Doutor Jairo, cobre ciência e saúde há mais de 20 anos, com forte interesse em saúde mental e ciências do comportamento. Vive em NY e é membro da Association of Health Care Journalists. Twitter: @tatianapronin