Redação Publicado em 13/07/2022, às 13h00
No último dia 7 de julho, o psiquiatra Jairo Bouer recebeu o ginecologista e especialista em Reprodução Humana Rodrigo Rosa, diretor da Clínica Mater Prime, em São Paulo, para uma live. O tema principal da conversa foi a experiência pela qual Rosa passou nos últimos meses, ao ser o médico e o paciente ao mesmo tempo. Isso porque o especialista fez o tratamento de fertilização da própria esposa. E o resultado positivo não veio na primeira, mas na terceira tentativa. Rosa conta que, após tudo isso, entende ainda mais os pacientes que passam pela mesma situação.
Rosa conta que já havia atendido amigos e pessoas da família, como a irmã, e que tudo sempre deu certo de primeira. O médico já tem uma filha, de gravidez espontânea, nascida em 2018. Ele e a mulher estavam tentando ter um segundo filho, de forma natural, mas como a gravidez não vinha, fizeram exames para avaliações. E surgiu um quadro de adenomiose - caracterizada por uma invasão de endométrio (tecido que reveste internamente o útero) na musculatura do útero (miométrio).
“Já avaliamos o processo, levando em conta que minha mulher passaria por uma cirurgia, e pela idade dela, acima de 35 anos, resolvemos partir para a FIV (fertilização in vitro). Ela teve uma excelente resposta ao estimulo ovariano e embriões foram congelados. Após a cirurgia, fizemos a transferência de embriões. Eu faço isso todos os dias, tínhamos um excelente diagnóstico, tudo favorável. O primeiro exame Beta hCG (indicado em casos de suspeita de gravidez) deu positivo, mas no segundo os índices caíram. Aí me senti paciente, tomei o primeiro baque. Pois tudo estava muito positivo. Veio um misto de sentimentos. Tristeza, como pai, marido e médico”, admite.
Após a frustação ele se lembrou que havia mais embriões, e que acontece da primeira tentativa não dar certo. Assim, o casal resolveu ir para uma segunda. Mesmo resultado. “Daí mudou tudo. Ela sentiu o baque, e eu também, quando temos um negativo na clínica, tentamos trazer um conforto [à paciente]. Eu me perguntava: ‘Será que é Deus mandando uma mensagem que não tenho que ter outro filho? Será que vale a pena o sofrimento que ela e eu estamos passando?’ E é isso o que eu vivo com meus pacientes”, confessou Rosa.
Ele fala que, de sua experiência na clínica, sabe que um casal infértil tem um nível de ansiedade e prevalência de depressão maior; "É uma montanha russa de emoções. Altos e baixos, e isso mexe com a autoestima. Quando vamos para a FIV, a expectativa é alta. Ao invés de pensar na ciência pura, pensamos em outros fatores, e isso aconteceu comigo, me senti do outro lado, com medo de uma nova frustração. Sentia o que minhas pacientes sentem, eu me questionava como profissional. Será que deixo para um colega fazer o tratamento? Será que ela [sua esposa] gostaria de trocar de médico?"
Ele e a mulher conversaram e ela disse que era para irem em frente; os dois deram um intervalo de alguns meses, para o psicológico voltar mais fortalecido. E na terceira tentativa, foi realizada nova FIV. Desta vez conseguiram. “Deu certo, e agora estamos esperando o Rafael chegar. Basicamente, foi uma mistura de sentimentos, não é fácil, tudo me trouxe muita experiência, agora sei o que meus pacientes sentem quando pensam em desistir, o medo do fracasso, de piorar uma situação mal resolvida. O legal é que eu e minha mulher estávamos alinhados. Quando há um descompasso entre o casal, um quer mais o filho que o outro, passa a ter atrito e o casamento entra em crise”, afirma.
“Nós, como médicos, não estamos imunes a essas questões emocionais que todo mundo tem. Esta montanha russa em relação à expectativa versus frustração é comum quando se faz reprodução assistida. Como muitas vezes o casal não conversa adequadamente, fica com medo de falar algo e magoar o outro. E são procedimentos que têm investimento físico, emocional e financeiro”, lembrou Jairo Bouer.
O psiquiatra perguntou ao especialista se ele, agora, se via mais próximo dos pacientes. Rosa afirmou que sim, sem dúvida, a experiência transformou o modo como os vê. Que uma coisa é entender, do ponto de vista técnico a situação. E que agora passou a compreender melhor as mensagens que recebe das pacientes com grau de ansiedade maior. Ou o processo da pessoa falar que quer dar um tempo nas tentativas.
“Tento alinhar as expectativas do casal levando em conta o ponto de vista dos dois. Quando há doação de óvulos há discordância, o homem é mais racional, mas a mulher não está preparada para aceitar. Há conflitos inclusive na consulta. E há o inverso, da mulher aceitar a doação do sêmen e o parceiro não. Isso tudo que passei fez com que eu olhasse com outros olhos e mostrou que a FIV está longe de ser garantia de sucesso”, afirma Rosa.
Hoje, por outro lado, ele afirma que está vivendo um sonho, e que se tivesse desistido devido as primeiras frustrações, não teria conseguido. Como médico, ele conta que o que faz é maximizar as coisas para ter um resultado alcançado. “Meu ensinamento é não desistir com os primeiros obstáculos. Enquanto tiver aquele desejo no coração, falo para não desistir. Ou desistir, o que não é nenhum demérito, quando se tem fatores com os quais não consiga lidar, ou limitações financeiras, ou outros aspectos da vida. Desde que esteja consciente das consequências, pois o arrependimento pode ser grande lá na frente por não ter tentado na época que poderia”, aconselha.
Jairo pergunta se o CRM (Conselho Regional de Medicina) tem alguma objeção sobre um médico tratar a própria mulher. Rosa explica que não há restrição, e que é algo legal. Mas admite que o médico tem de ter o bom senso do quanto ele é afetado pelas emoções nas tomadas de decisão. Na primeira gestação da esposa, ele a acompanhou como obstetra até o sétimo mês, mas passado este período, optaram por um colega obstetra. E no dia do parto, Rosa conta que ficou extremamente emocionado e percebeu que talvez não poderia mesmo fazer o procedimento.
Já nesta segunda gestação, ele conta que não atuou como médico, ficando mesmo como pai, apenas acompanhando. “Hoje meu tempo é dedicado 99% aos tratamentos. Meu lado obstetra e ginecologista fui deixando mais de lado, e me sinto mais confortável quanto às minhas tomadas de decisão na área de reprodução assistida. Durante o tratamento eu me perguntava: se fosse outra paciente e não minha mulher, eu faria isso? Tentava tirar as questões emocionais das minhas decisões clínicas. Na hora da transferência eu fiquei mais tenso, porque via na tela o meu embrião. Era meu bebê que eu via! Mas eu me controlava e pensava: faço isso todos os dias”, encerra.
Nos próximos dias, publicaremos outras partes da conversa nas quais Rodrigo Rosa tira algumas dúvidas sobre infertilidade e tratamentos para engravidar.
Veja abaixo a primeira parte da live: