HIV/Aids: onde estamos e para onde queremos ir

Assista ao documentário “Indetectável, intransmissível: O futuro da Aids”

Tatiana Pronin Publicado em 14/12/2023, às 14h00

Dejair Gomes (dir), Jairo Bouer (esq) e a diretora Raquel Affonso, na gravação do documentário - Divulgação

Dezembro Vermelho é uma campanha realizada há anos com o objetivo de conscientizar as pessoas sobre a importância do diagnóstico e tratamento precoce do HIV, bem como de outras infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). Como parte disso, o Canal Futura lançou, este mês, o documentário “Indetectável, intransmissível: O futuro da Aids”, com apoio do Ministério da Saúde, que mostra o quanto o controle sobre a doença avançou nos últimos anos, mas ainda envolve uma série de desafios, ligados principalmente a estigma e  preconceito.

Apresentado pelo psiquiatra Jairo Bouer, o documentário conta a história de pessoas com diferentes perfis que têm convivido com o vírus, e traz a palavra de especialistas para explicar os principais recursos disponíveis para evitar a infecção e a transmissão do HIV, assim como a progressão para a Aids.

“Em 2015, produzimos um especial para o Canal Futura sobre jovens vivendo com HIV, então a ideia, com o atual documentário, foi saber como essas pessoas estão, e também contar novas histórias de pessoas que fazem parte dos grupos mais vulneráveis ao vírus”, conta Jairo.

População mais vulnerável

Jovens gays e bissexuais são, hoje, os mais expostos à infecção pelo HIV, bem como mulheres trans e travestis. O que não significa, é claro, que pessoas com outras identidades ou orientações sexuais não poassam se infectar. “Eu gosto de dizer que no quintal dos homens jovens gays e das travestis e mulheres trans está chovendo bastante. Essas pessoas precisam saber disso, que está chovendo mais no quintal delas, para que elas possam se proteger”, ilustra Rico Vasconcelos, médico infectologista da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).

Vida sexual ativa, afastamento das fases mais críticas da epidemia, em que a morte de celebridades chamava atenção para a doença, e desconhecimento sobre os novos métodos de prevenção é o que tornam essa população mais vulnerável. Além disso, o preconceito e a homofobia impedem uma conversa aberta sobre sexo, o que, por sua vez, também dificulta o acesso à testagem e tratamento.

Indetectável = intransmissível

As terapias antirretrovirais, hoje, têm muito menos efeitos colaterais do que antigamente, e permitem que os pacientes fiquem com a carga viral indetectável. O que isso significa? Elas não apenas afastam o risco de desenvolver a Aids e suas complicações, como deixam de transmitir o vírus.

Com base nesse novo cenário, o Unaids, programa da Organização das Nações Unidas para HIV/Aids, determinou as metas globais 95-95-95: se todo país tiver 95% de seus residentes com HIV diagnosticados, 95% dessas pessoas em tratamento e 95% delas com a carga viral controlada, será possível acabar com a Aids em 2030.

Este foi outro objetivo do documentário, segundo Jairo:  mostrar como está o Brasil em relação a essas metas. Segundo o Ministério da Saúde, o país possui, respectivamente, 90%, 81% e 95%, o que demonstra a necessidade de mais testagem e, principalmente, maior acesso das pessoas diagnosticadas com HIV ao tratamento, e de forma consistente. Vale destacar que, apesar dos avanços, 30 pessoas por dia morreram de Aids no país, no ano passado. 

HIV nas redes sociais

Uma das maiores mudanças identificadas pela equipe que produziu o documentário é que as redes sociais se tornaram um espaço importante para que muita gente com o vírus conte sua história e estimule outras pessoas a buscarem o tratamento. É o caso do estudante de enfermagem Dejair Gomes (@soudjair), do Sergipe, que recebeu o diagnóstico aos 18 anos, e tem incentivado muita gente com HIV a seguir o tratamento, graças a suas postagens. 

Outro exemplo é o do Allan Bruno (@oallanbruno), que tem mais de 170 mil seguidores e todos os dias recebe mensagens de pessoas que acabaram de receber o diagnóstico, como ele próprio, há quatro anos. “Eu sempre fui uma pessoa extremamente sorofóbica, e o HIV sempre foi uma coisa muito distante, para mim, (...) porque sempre estive em relacionamentos estáveis”, relata o influenciador.

Os entrevistados mostram o quanto é essencial ressignificar o diagnóstico do HIV, e para algumas pessoas, isso acontece ao ajudar quem acabou de receber um teste positivo. Como Allan, Dejair e a influenciadora Sabrina Luz (@sabrinaluz_pessoa), que tem sido uma referência para muitas outras mulheres trans que não têm condições de assumir o vírus publicamente, pois já sofrem preconceito demais.

Informação é o caminho

Também há quem tenha ressignificado o diagnóstico com ajuda da arte, como aconteceu para o músico Gabriel Estrela, o Gaê, que esteve no especial de 2015 e voltou para contar como está. Outro entrevistado artista, Leandro Buenno (@lbuenno), lançou um álbum sobre o tema, o “Mundo Positivo +”, e ensina, em uma de suas canções, que “Ignorância mata muito mais do que veneno”.

Infelizmente, até pelo receio em se discutir o HIV, muita gente não conhece as novas formas de prevenção ao vírus. Além do uso da camisinha, que é algo que muito pouca gente faz de forma consistente, o país disponibiliza de forma gratuita a PEP (Profilaxia Pós-Exposição ao HIV), tratamento por um mês que evita que a pessoa se infecte com o vírus após uma relação desprotegida, e também a PrEP (Profilaxia Pré-Exposição), uma pílula de uso diário que diminui em mais de 95% o risco de se infectar com o HIV.

Segundo Rico Vasconcelos, existem mais de 100 mil pessoas fazendo uso da PrEP no Brasil, o que é muito positivo. O jornalista Thiago Tode, que participou do especial em 2015 e também do documentário atual, começou a PrEP quando o tratamento ainda estava em pesquisa, no país, e ainda o mantinha quando voltou a ser entrevistado. 

“Hoje já temos todos os insumos necessários, no Brasil, para fazer com que as pessoas não se infectem, e que as pessoas infectadas possam viver bem, não evoluir nunca para Aids, e não transmitir o vírus”, comemora Jairo Bouer.

Isso inclui até ter filhos sem HIV, como mostra Thaís Renovatto. Em 2014, com pouco mais de 30 anos de idade, ele soube que o namorado, já no leito de morte, estava com Aids, e recebeu o diagnóstico positivo logo em seguida. Ela hoje está casada e tem dois filhos, que, assim como o marido, não têm o vírus. “Eu sempre brinco, quando alguém não quer dividir o copo comigo, eu digo, gente, eu gerei um bebê na minha barriga [que não tem o vírus]”, comenta.

Questão social avançou pouco

Jairo também entrevista, pela segunda vez, Lili Nascimento, homem trans de 33 anos que foi infectado por transmissão vertical (da mãe para o bebê). Ele avalia que, apesar de todos os avanços em termos de medicamentos, do ponto de vista social a gente ainda esbarra em estigma e na discriminação. “Não adianta a gente pensar nas metas e nas estratégias só no âmbito da saúde”, observa.

Políticas públicas que levem em conta essas questões sociais têm um papel preponderante na prevenção do HIV, e a enfermeira Aline Pilon é um exemplo de que alguns passos têm sido dados. Ela foi a primeira travesti a trabalhar na Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo, mas conta que a população trans ainda tem muita dificuldade de chegar e se manter nos serviços de saúde, em função do preconceito que sofrem nesses ambientes.

Existe, sim, uma jornada para que a gente chegue em 2030 com menos estigma e preconceito, mais acesso aos tratamentos e métodos de prevenção para todos, e um caminho para que o HIV/Aids deixe de ser um problema de saúde pública”, conclui Jairo Bouer. 
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