Redação Publicado em 08/12/2022, às 14h59
Como os homens podem lidar melhor com as próprias emoções e, assim, evitar a violência contra a mulher? E como os garotos, desde cedo, podem ser orientados dessa forma? Esses foram os assuntos discutidos numa live, esta semana, promovida pelo projeto Justiceiras, que oferece suporte e orientação a mulheres que sofrem violência doméstica.
O Brasil já foi considerado o quinto país do mundo com maior número de feminicídios, e o cenário só se agravou durante a pandemia de Covid, com as medidas de isolamento social. Cerca de 80% das mortes por feminicídio são devido a homens que não aceitam a separação. Nesse contexto, a advogada Clicie Carvalho, gestora do Justiceiras, e a psiquiatra Ana Paula Bonnano, que também atua no projeto, convidaram o psiquiatra Jairo Bouer para conversar sobre o que acontece com os homens, e o que pode ser feito para evitar a violência contra as mulheres. O convite surgiu após um artigo que Jairo escreveu para o UOL sobre o tema.
“Ainda hoje, em 2022, é difícil para os homens buscar ajuda quando estão com algum problema”, comenta Jairo. Essa resistência existe até mesmo quando há problemas de saúde, e desde cedo. Dados da Sociedade Brasileira de Urologia mostram que os garotos são 20 vezes menos propensos a buscar o médico na adolescência, em comparação com as garotas, que frequentam o ginecologista desde a puberdade.
Esse fenômeno têm relação com os conceitos de masculinidade tradicional que são, muitas vezes, aprendidos em casa. Por causa deles, é difícil para os homens lidarem com medos ou questões emocionais, e se abrir com outras pessoas. “Quando está frustrado ou chateado, muitas vezes o homem usa a violência para lidar com a dificuldade de expressar essas emoções”, explica Jairo, lembrando que, segundo a ONU, mais de 50% dos casos de feminicídio acontecem em casa e são praticados por companheiros ou ex.
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“A gente tem que educar os homens para serem diferentes, e isso precisa começar em casa, e também na escola, onde ocorre a socialização”, diz Jairo. É na juventude, para tentar fazer parte do grupo, que os garotos incorporam e replicam esses preceitos de masculinidade tradicional, com comportamentos que vão desde piadas sexistas a agressões.
A psiquiatra Ana Paula Bonnano lembra que muitos homens reproduzem comportamentos que viram dos pais: “A criança que era abusada muitas vezes vira abusadora”. E o bullying muitas vezes acaba resultando em suicídio, por isso é preciso esclarecer limites, desde a infância, do que é brincadeira e o que é agressão, e ressaltar que bullying é crime.
Para Clicie, as campanhas de combate à violência contra a mulher existem, mas precisam ser mais discutidas com o jovem. “Todos nós somos machistas e a gente vai se desconstruindo, vai tentando, mas todo dia a gente age de forma machista...é preciso levar esse olhar para os meninos, é preciso muito diálogo e insistência”, opina a advogada.
Jairo observa que muitas situações de bullying e agressões ocorrem porque existe uma plateia. Por isso é importante, em intervenções nas escolas, que essas situações sejam discutidas, para que a própria "plateia" saiba identificar e agir contra uma agressão.
Em relação à violência doméstica, Clicie também cita projetos interessantes de orientação a homens que cometem agressões, mas coloca que seria importante que essas intervenções ocorressem muito antes, a fim de prevenir tragédias como o feminicídio, em que o homem mata a mulher que ameaça deixá-lo por entender que ela é sua propriedade. É claro que a violência começa muito antes disso, mas nem sempre as mulheres têm coragem de denunciar ou abandonar o parceiro.
Muitas vezes, essa dificuldade de aceitar o fim de uma relação também vem, no fundo, da crença de que o homem precisa ser infalível, que não pode falhar, não pode ser deixado pela mulher. “Se a gente conseguisse educar o homem para lidar com a sua saúde mental, emocional e seus afetos de maneira mais aberta, mais tranquila, haveria um grande impacto nessa questão da violência", diz Jairo. E se eles tivessem como expressar e discutir seus sentimentos, desconstruir todo esse molde da masculinidade tradicional, seria mais fácil também para eles: "Porque é muito difícil ser homem desse jeito, com toda essas cobranças", finaliza.