Jairo Bouer Publicado em 17/10/2019, às 17h05 - Atualizado em 22/10/2019, às 13h33
No último domingo a atriz e cantora Cleo Pires deu um depoimento corajoso ao Fantástico contando sobre os ataques que vem recebendo nas redes sociais por ter engordado. Cleo vem enfrentando um transtorno alimentar e ganhou cerca de 20 quilos.
Ela não está só. De um lado, milhões de brasileiros têm transtornos alimentares (anorexia, bulimia e compulsão alimentar) e sofrem com o controle de peso. De outro, cada vez mais gente tem sido vítima de ataques na internet pelas mais diversas razões, sendo as características físicas uma das principais delas.
Sofrer ataques contra a aparência que podem levar a pessoa sentir vergonha do próprio corpo tem sido chamado por especialistas de Body Shaming (ou vergonha do próprio corpo). Em casos mais graves, ela pode evitar se olhar no espelho, sair de casa e acabar se isolando.
Ora, a atriz deixou de ser bonita ou talentosa porque ganhou peso? Lógico que não! Então, que maldito critério de valor é esse que condena qualquer mudança de imagem corporal que foge de um suposto padrão idealizado de beleza, como se isso fosse um demérito, uma falha, uma fraqueza, um vexame?
Respondo aqui: quem pensa e age assim, além de causar mal ao outro (o que já deveria ser mais do que motivo para não agredir ninguém), se implica em uma armadilha de exigências consigo mesmo, que vai cobrar uma fatura cara um pouco mais à frente. Afinal, é bom lembrar, na melhor das hipóteses, todos envelhecemos, e a idade muda metabolismos, hormônios, colágeno, formas e corpos.
Quem ataca deveria parar para se fazer ao menos algumas perguntas. Se assim o fizesse, talvez não agredisse:
1-Quem pediu a sua opinião?
2-Baseado em que critério, régua ou medida, você se julga apto e capaz de avaliar se alguém está melhor ou pior?
3-Com que direito você acha que pode falar o que dá na telha sem se preocupar minimamente com o impacto que o ataque causa na vítima?
4-Onde foi parar sua empatia? O que de positivo ou construtivo esse comentário acrescenta na vida do outro e na sua?
5-Por que, atrás das fronteiras de uma tela, você acha que tirou visto para a selvageria digital?
6-Qual seu ganho nesse processo? Seria uma tentativa vazia de se provar melhor que o outro ou de lidar com alguma frustração ou agressão que você mesmo já sofreu? Nesse caso, um ataque parece sinalizar que é o agressor que, de fato, precisa de ajuda, de suporte.
Quem está mais exposto nas mídias (tanto TV como digitais) acaba tendo um telhado de vidro muito maior (quanto maior a exposição, maior a cobrança e as tentativas de controles ou interferências por parte da audiência). Mas não são apenas os famosos que sofrem com esse cyberbullying.
Cleo não é mais uma menina, é uma mulher com tarimba de anos de profissão e de exposição. E nem por isso ficou imune aos ataques, já que eles intencionalmente buscam ferir, caçoar, fazer a pessoa se sentir mal. Se isso acontece com quem é mais experiente, já imaginou o furacão que pode passar na cabeça de uma menina adolescente quando ela dá de cara com agressões em seus posts e redes?
Mais um ponto importante: vocês percebem que as vítimas preferenciais do body shaming são mulheres? De alguma forma, em pleno século 21, as mulheres continuam a ser desproporcionalmente cobradas por questões de aparência e conduta. E pior, os ataques são muitas vezes praticados por outras mulheres. Sem tirar do peso dessa equação a cultura machista e a posição de muitos homens, por que será que mulheres caem na armadilha de criticar e atacar outras? Competição, necessidade de autoafirmação, inseguranças, dificuldade em lidar com as próprias dificuldades e, daí, a projeção dessas insatisfações na vítima da vez? Será que redes de apoio e defesa dos pares não seria uma estratégia muito mais bacana e inteligente de desmanche desse padrão impositivo e cruel de imagem corporal, que faz tantas e tantos sofrerem mais?
Na última semana, fui convidado pelo @quebrandootabu para gravar algumas entrevistas com importantes influenciadores digitais que tinham como missão tentar mudar a minha opinião sobre como a internet tem deixado as pessoas deprimidas, para o programa mudeminhaideinognt. Gostei da experiência e sintetizo aqui as sugestões: basicamente a estratégia é usar as tecnologias (sobretudo as redes sociais) para agregar, para reunir, para formar redes de trocas de experiências e apoio. Para combater body shaming e cyberbullying em geral, uma pitada de empatia, uma boa dose de bom senso e um comportamento de cidadania digital. Só esse coquetel básico já ajudaria bastante. Vamos tentar? E, se você ainda acha que, mesmo assim, atacar o outro é divertido e engraçado e a gente tá aqui só de mimimi, cuidado, quem pode estar doente é você!