Deseje ser você mesmo, um pouco mais, que seja

Medo e a vergonha são os principais sentimentos que nos levam a esconder nossa essência

Marcelo Magalhães* Publicado em 06/02/2022, às 14h00

Vencer padrões impostos, reconhecer nossa individualidade e valor próprio são batalhas árduas, mas gratificantes - iStock

Tudo bem que é fevereiro e muita coisa já aconteceu, mas como estamos retomando nossos textos neste ano de 2022, resolvi ainda abordar o tema “Resoluções de Ano Novo”. Se você chegou a fazer aquela velha lista de objetivos neste início de ano, posso imaginar que tenha incluído desejos como comprar um carro novo, fazer a viagem dos sonhos, talvez perder peso ou arranjar um companheiro de vida, certo?

Alcançar objetivos como estes sem dúvida é significante, pois podem nos trazer uma grande satisfação pessoal. No entanto, antes mesmo destas resoluções, faço a sugestão de incluir a seguinte meta: “Desejo ser eu mesmo, um pouco mais, que seja”.

Agora vou explicar o porquê.

Sair do armário é uma forma de ser mais eu mesmo? 

Cada vez mais podemos ver celebridades saindo do armário, assumindo ser homo ou bissexuais, trans ou travestis – não importa tanto a identidade ou orientação sexual, mas ser quem é. O ator Marco Pigossi, que recentemente assumiu o romance com um cineasta italiano, disse em entrevista: “Eu sofria por não ser 100% verdadeiro.”

O medo e a vergonha são os principais sentimentos que nos levam a esconder nossa essência. Infelizmente somos criados por uma sociedade que abomina todo tipo de diversidade: racial, sexual, cultural ou religiosa. Compreender e vencer os padrões que são impostos a nós, reconhecer nossa individualidade e valor próprio são batalhas árduas, mas gratificantes. O ator finaliza seu relato dizendo: “Hoje eu me sinto invencível”.

Outro exemplo muito atual é a participação da travesti Linn da Quebrada no BBB22. Poderíamos dizer que ela saiu do armário para o país, mostrando um pouco da realidade que pessoas trans e travestis vivem, devendo ser respeitadas por quem são. Você poderia dizer que não há essa necessidade de tanta exposição e diversidade em um programa com este alcance, mas esta é na verdade uma grande oportunidade de se educar minimamente o país que mais mata pessoas LGBQTIAP+.

Na verdade, os exemplos estão cada vez tornando-se mais comuns. E como isso é bom! Somos jornalistas, atletas, políticos, médicos, pessoas públicas, outras nem tanto. Veja ao teu redor: pessoas comuns em nossas famílias, no trabalho e nas ruas estão fora do armário e vivem a liberdade de serem elas mesmas.

Além do empoderamento que isto pode representar em suas vidas pessoais, serve para nossa comunidade como exemplos de pessoas que lutam, choram, brigam e ainda assim são felizes por serem mais autênticas.

Autenticidade: por que é tão importante

Nascer LGBTQIAP+ e crescer em uma sociedade heteronormativa é uma receita em potencial para o sofrimento. Aprendemos desde cedo que para sermos aceitos precisamos seguir padrões. Não seguir tais padrões pode significar a falta de amor da família, poucos ou nenhum amigo, menos oportunidade de educação e trabalho, pra não dizer o simples direito de existir sem sofrer todo tipo de violência. Ser autêntico tem um preço, especialmente se tivermos poucas oportunidades na vida.

A consequência disto é uma busca contínua em se evitar a vergonha que possa erroneamente parecer o fato de ser gay, por exemplo. Com isto, nosso eu verdadeiro não se desenvolve e fica escondido ao fundo. O que verdadeiramente somos e sonhamos permanece mascarado por esta busca em evitar o estigma e nos encaixar naquilo que esperam de nós. Obtemos assim uma falsa sensação de realização. Falsa pois passamos a ser reconhecidos pelo que não somos.

Conforme o tempo passa, fica nebuloso o que queremos e esperamos da vida, assim como o que nos satisfaz de forma plena. Isto se aplica em muitas áreas da vida – desde a profissão que escolhemos, parceiros com quem vivemos ou identidades e orientações sexuais que não abraçamos. A falta de autenticidade pode nos custar viver com a depressão, relacionamentos infelizes, crises de ansiedade ou abuso de substâncias.

Não estamos sozinhos, temos uns aos outros

Nunca gostei da expressão “sair do armário”. Não entenda este texto como um apelo para sair do armário ou que todos os teus problemas se resolveriam se assim o fizesse. Faço um apelo aqui para que você seja um pouco mais você. Reconheça a pessoa que você é, teus verdadeiros sonhos e desejos, por mais estranhos que pareçam.

Comece este exercício com aquela que é a pessoa mais importante em teu mundo: você. Comece dizendo a si que “sim, sou gay, e daí?”. Você pode dizer também “não estou feliz com meu casamento, não sou valorizada”. Assim como “não, não quero ter filhos” ou, ainda, “não me encaixo nesta empresa, vou procurar algo melhor pra mim”. Tudo isto é sair do armário.

Fazendo isto, a força que nos move deixa de ser o medo e a vergonha. Podemos nos tornar amantes melhores, filhos mais carinhosos, amigos verdadeiros e profissionais mais realizados. É preciso coragem e travar batalhas em defesa disto, neste mundo onde o diferente não é aceito, mas posso dizer que é gratificante. Se ainda assim tiver receios, saiba que você não está sozinho, temos uns aos outros.

Portanto, neste ano pense em ser um pouco mais você mesmo. Claro que é preciso oportunidades, mas o restante de nossos objetivos vem naturalmente. Um feliz 2022 para nós.

 

*Marcelo Magalhães é médico urologista

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