Na semana passada, três atrizes pornô contraíram HIV após gravarem cenas sem camisinha
Pedro Campana* Publicado em 15/02/2022, às 14h26
Na última semana, foi publicada uma matéria na Folha de São Paulo com o seguinte título: “Casos de HIV positivo paralisam a indústria pornô do país, avessa a camisinha”. Tal título causou-me bastante estranhamento e abri a reportagem para ler.
Nela, há o relato de 3 casos de mulheres que contraíram HIV em São Paulo. Tais mulheres, atrizes pornô, tiveram cenas de gravações com diversos homens em cena de grupal sem o uso de preservativos. A reportagem segue dizendo que na maioria das produtoras o uso de camisinha é obrigatório e que os atores e atrizes realizam testes de HIV mensalmente. Porém, nas produtoras menores, nem sempre isso acontece. O teor da reportagem exalta um clima de pânico e tensão em muitos momentos, com uma linguagem bastante moralista sobre o tema.
Mas vamos lá: estamos em 2022, é realmente o não uso do preservativo que choca?
De acordo com um inquérito, realizado em 2015 pelo Ministério da Saúde, mais de 90% da população entende que o preservativo é o melhor método para prevenção de HIV e outras ISTs (infecções sexualmente transmissíveis). Entretanto, quando questionada a respeito do uso do preservativo nos últimos 6 meses, quase metade relata não tê-lo utilizado em pelo menos uma relação sexual.
Por isso, é importante, além de sempre estimular o uso de método, entender que nem todos usam e que essas pessoas também precisam de estratégias preventivas. Mais que isso, também precisamos entender que existem muitas pessoas em condições de vulnerabilidade, o que pode acarretar no não uso do preservativo.
Confira:
Desde 2017, o Ministério da Saúde adota estratégia de prevenção combinada do HIV. Seu objetivo é justamente combinar estratégias de prevenção, para que se obtenha o maior êxito no controle de infecções pelo vírus. Além dos preservativos externos e internos, várias outras medidas são adotadas, como podemos ver na mandala de prevenção combinada do Ministério da Saúde (imagem abaixo).
Várias estratégias podem ser adotadas na prevenção do HIV, desde testagens regulares até uso de medicações para prevenir a infecção. Além disso, tratar outras ISTs e oferecer vacina para doenças imunopreveníveis, como hepatite A, B e HPV, também são de extrema importância, já que infecções por outros agentes de ISTs podem facilitar a transmissão do HIV.
Diagnosticar e tratar pessoas vivendo com HIV também é fundamental. Sabe-se, com bastante evidência científica, que o tratamento correto com antirretrovirais torna a pessoa indetectável. Ou seja, não há vírus em quantidade o suficiente para transmissão por via sexual, garantindo a segurança do eventual parceiro em uma relação sem uso de preservativos.
A Profilaxia Pré-Exposição, ou PrEP, veio como uma estratégia bastante revolucionária nesse sentido. A ideia consiste em que pessoas que têm uso inconsistente do preservativo tomem um comprimido ao dia contendo 2 tipos de medicação contra o HIV. Dessa forma, ela está protegida de uma infecção caso a exposição ocorra.
Por fim, e não menos importante, temos a PEP, a última chance de prevenir-se do HIV em caso de exposição. Trata-se do uso de antirretrovirais por 28 dias, com início em até 72h da relação de risco.
Todas essas estratégias, quando bem gerenciadas, são de grande sucesso. A implementação do conceito de prevenção combinada já vem dando resultados bastante animadores em termos de redução de novos casos de HIV, tanto no Brasil, como no mundo. E isso precisa ser falado além da camisinha.
Aproveitei o tema para conversar um pouco com um ator pornô e entender essa realidade. O paulistano, conhecido como Blessedboy, é gay e utiliza mais plataformas amadoras para divulgar seu trabalho.
Quando questionado sobre o uso de preservativos, ele diz que “as pessoas não querem pagar para ver sexo pornô com camisinha”. Dessa forma, ele acredita que alguns atores e atrizes possam ter resistência ao uso do preservativo. E isso precisa ser levado em conta ao pensarmos sobre prevenção.
O ator conta que na indústria amadora não há contratos ou formas de exigência de testes de HIV periódicos. Por outro lado, ele diz que considera bom o conhecimento de seus colegas da mesma profissão sobre prevenção de HIV e outras ISTs, pois a maioria faz uso de PrEP, e os que vivem com HIV usam a medicação de maneira regular, sendo indetectáveis. Ele próprio diz: “Eu faço PrEP e nas consultas faço pesquisa de clamídia, sífilis, gonorreia, HPV, entre outros”.
É importante notar e entender que a cultura de PrEP e de prevenção combinada como um todo é muito mais difundida no mundo gay, dado o estigma e medo associado historicamente entre gays e HIV.
É gritante e importante notar a vulnerabilidade das atrizes pornô. Submetidas ao machismo, bem como humilhações sistemáticas, são invisibilizadas e podem muitas vezes servir apenas como objeto de desejo. Dessa maneira, políticas de prevenção de HIV e outras ISTs frequentemente não chegam até elas.
Precisamos, muito mais do que fazer alarde com vídeos pornô sem uso do preservativo (e isso não é uma apologia ao não uso dessa estratégia), explicar todas as modalidades de prevenção disponíveis atualmente. Precisamos empoderar as pessoas sobre seus corpos e com as melhores estratégias para cultivar sua saúde. Mais do que isso, identificar as pessoas sob maior vulnerabilidade de contrair HIV, orientá-las e inseri-las no sistema de saúde. E a indústria do pornô deve, urgentemente, assumir esse papel de co-responsabilidade sobre esses corpos.
*Pedro Campana é infectologista
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