No surto atual, a infecção encontrou um nicho de pessoas com múltiplos parceiros sexuais
Dr. Vinícius Lacerda Publicado em 08/07/2022, às 13h00
A infecção pelo monkeypox, também conhecida como varíola símia ou varíola dos macacos, já é uma realidade no Brasil. Dados dessa semana do Ministério da Saúde revelam 106 casos, sendo 75 somente no estado de São Paulo.
Já ocorre também a transmissão autóctone, ou seja, pessoas que foram contaminadas no Brasil, e não apenas os casos importados do exterior, o que dificulta ainda mais o controle da doença. Esse número pode ser ainda maior, tendo em vista o número de 73 casos suspeitos, bem como o período longo de incubação, ou seja, o tempo entre a contaminação e a manifestação dos sintomas, no qual já pode ocorrer a transmissão do vírus. No caso da monkeypox a incubação pode chegar em até 2 semanas.
Os principais sintomas são febre, dores no corpo, cansaço e presença de lesões bolhosas que evoluem para feridas muito dolorosas. A transmissão ocorre principalmente pelo contato e a via sexual se tornou a principal forma de transmissão do vírus. Porém é descrita também a transmissão pela via respiratória por meio de gotículas de saliva. O diagnóstico é feito principalmente por meio da coleta de material das feridas e realizado um teste de PCR, semelhante ao realizado para o Covid-19.
Não existe tratamento específico para o vírus, portanto pessoas com o diagnóstico devem receber suporte com medicamentos para dor e cuidados com os ferimentos. A prevenção ocorre pelo isolamento dos casos suspeitos e confirmados, uso de máscaras e a vacina para varíola comum, que ainda não está disponível atualmente no Brasil em larga escala.
Um estudo britânico realizado após o início do surto revelou que 151 dos 152 casos eram entre homens que fazem sexo com homens, sendo que esse último paciente se recusou a responder sobre sua orientação sexual. Muitos desses pacientes reportaram mais de 10 parceiros nos últimos 3 meses ou a participação de sessões de sexo em grupo.
No Brasil, a imensa maioria dos casos também ocorre em pessoas do sexo masculino, porém ainda não temos dados para concluir sobre a orientação sexual dos casos confirmados. Mas a experiência de nós médicos brasileiros têm demonstrado também uma maior prevalência entre homens gays e bissexuais.
A monkeypox era uma doença endêmica na África, ou seja, haviam casos isolados e localizados, e muitos dos casos eram provenientes do contato do ser humano com os reservatórios animais: principalmente símios. Portanto a via sexual não era predominante.
No surto atual, a infecção encontrou um nicho de pessoas com múltiplos parceiros sexuais - seja individuais, ou seja em grupos - que também possuem um potencial também de ter múltiplos parceiros. E como o período de incubação é longo, muitos infectados podem transmitir o vírus por um período mesmo sem ou com sintomas frustros, como febre e gânglios aumentados. Todos esses fatores contribuem para manter a infecção presente e sustentada nesse grupo até o momento.
Pessoas heterossexuais ou do sexo feminino podem pegar a doença também? Óbvio que sim, mas esse não tem sido o padrão. Pode ser que no futuro a monkeypox seja mais uma infecção sexualmente transmissível e que possa afetar qualquer indivíduo, independente do gênero e da orientação sexual. Mas no atual surto, a população mais afetada é a de homens que fazem sexo com homens. Portanto o foco de conscientização e de imunização, caso a já escassa vacina fique disponível, deve ser nesse grupo. Ignorar esse fato com o discurso de que “qualquer um pode pegar” não contribui para o controle da doença e ignora dados que são fundamentais para o entendimento e controle de uma epidemia.
*Vinícius Lacerda Ribeiro é médico e cirurgião do aparelho digestivo
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