O pronto atendimento costuma ser um lugar bastante hostil e estressante para qualquer pessoa. Longos períodos de espera, dores, enjoos, ansiedade pela condição que te fez procurar o atendimento ou de algum familiar contribuem para que essa experiência seja bastante traumatizante no geral. Sendo LGBTQIA+, essa experiência pode se tornar ainda pior, motivo pelo qual muitas dessas pessoas hesitam em procurar atendimento quando realmente precisam.
Desrespeito ao nome social e aos pronomes logo no cadastro ou na triagem, brincadeiras, piadas e hostilização por profissionais ou por outras pessoas na fila de espera, presunção de heterocisgeneridade, estigmatização durante o atendimento com a solicitação de exames (sorologias para HIV e outras IST) ou especialidades (infectologistas) sem a real necessidade são alguns exemplos de violência que o paciente LGBTQIA+ pode sofrer no pronto atendimento.
Como podemos agir para tentar minimizar essas agressões, além de educar profissionais para que haja uma mudança na atitude frente a esse perfil de paciente?
O uso do nome social é obrigatório desde a regulamentação da Portaria Nacional de Saúde Integral LGBT em 2011 no Brasil. Mesmo que ainda não tenha sido feita a retificação dos nomes em cartório. Basta comunicar o profissional responsável pelo seu cadastro nos prontuários e documentos da instituição. Corrigir o profissional que não te chama pelo nome ou pronomes corretos (eu sei que ficar fazendo isso todo o tempo cansa…) também ajuda a educá-los. Caso esse desrespeito continue, denuncie. Normalmente há algum canal de atendimento ao paciente para que sejam feitas essas denúncias.
Muitas pessoas LGBTQIA+ podem vivenciar algum tipo de exposição desnecessária durante o atendimento. Muitas vezes um exame mais íntimo de partes do corpo que não estão relacionadas à queixa que te levou ao atendimento deve ser justificado pelo profissional e caso não se sinta confortável, negue ou questione tal atitude. Você não precisa aceitar qualquer conduta por ser um médico ou outro profissional de saúde. É um direito à privacidade e que não pode ser violado. Questione também a solicitação de exames que julgar improcedente, como sorologias para infecções sexualmente transmissíveis e HIV, sem a sua prévia autorização e com uma justificativa plausível para que tais exames sejam solicitados no pronto atendimento.
Assumir sua orientação sexual ou identidade de gênero durante uma consulta é sempre desejável, mas não obrigatório. Muitos médicos e outros profissionais costumam presumir a heterocisgenereidade e evitam tocar nesse assunto por considerá-los “sensíveis” ou “constrangedores”. A partir do momento que você deixa claro que você é casado ou namora, você deve exigir que chamem a pessoa que está com você de namorado(a) ou esposo(a), e não de “companheiro”, “amigo” ou “parceiro”. Se você estiver levando seu filho, é importante dizer que vocês são homoparentais, ou seja, dois papais ou duas mamães. Caso não seja do seu desejo que sua orientação sexual seja revelada, o profissional de saúde não está autorizado a fazer, por exemplo quando for dar uma notícia a algum familiar ou amigo sobre sua condição de saúde. Se isso ocorrer, também é passível de denúncia ou reclamação.
Mesmo com todos esses cuidados, as agressões vão continuar ocorrendo. As pessoas LGBTQIA+ vivem sob um constante receio de sofrerem algum tipo de discriminação, tendo em vista já terem vivenciado isso em outros atendimentos, na rua, no trabalho e em nossas casas. Esse receio acaba por afastar e retardar a procura pelo atendimento quando mais precisam, prejudicando ainda mais um agravo à sua saúde.
Profissionais também precisam deixar de lado esse discurso do não: “NÃO perguntar sobre sexualidade ou identidade”, “NÃO respeitar nomes e pronomes”, “paciente NÃO procurou atendimento porque NÃO quis”. Isso equivale a fechar os olhos para os reais problemas e para o universo em que essas pessoas vivem e contribui em muito para perpetuar o preconceito.
Quando procuramos um pronto atendimento já estamos suficientemente fragilizados e sofrer violência e LGBTfobia nesse momento deveria ser algo inadmissível. Não é obrigação do paciente educar, mas certas atitudes podem, sim, contribuir para que haja essa mudança no respeito e na empatia com os profissionais que trabalham nesses locais ao atender esse perfil de paciente.
Vinícius Lacerda (cirurgião do aparelho digestivo)
Médico cirurgião do aparelho digestivo. Instagram e Twitter: @drvinilacerda