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Os relacionamentos amorosos e o HIV

Alguns preferem contar logo, outros, esperar, mas ninguém é obrigado a revelar seu status sorológico - iStock
Alguns preferem contar logo, outros, esperar, mas ninguém é obrigado a revelar seu status sorológico - iStock

Bruno Branquinho* Publicado em 10/05/2022, às 13h00

Quando falamos da epidemia de HIV/Aids, que começou na década de 80, precisamos sempre pensar de que momento nós estamos falando. Lá atrás, no começo da epidemia, a percepção que a sociedade, a medicina e os próprios pacientes tinham era de uma sentença de morte iminente, com tratamentos difíceis, cheios de efeitos colaterais e pouca eficácia. Hoje, o cenário mudou.

Uma pessoa que vive com HIV necessita de acompanhamento médico contínuo e tratamento a longo prazo, no entanto sua expectativa de vida é a mesma do restante da população, os tratamentos, se feitos de forma adequada, são bastante efetivos em controlar a carga viral do indivíduo e as medicações produzem poucos ou nenhum efeito colateral.

No entanto, apesar dos avanços médicos conquistados, ainda há muito o que melhorar em termos de preconceito e estigma relacionados às pessoas que vivem com HIV. Existe muita culpa e medo ligados a essa condição, principalmente pelo julgamento que a sociedade ainda faz quando se trata de uma pessoa que vive com HIV: “é uma pessoa promíscua”; “se tivesse se cuidado, isso não teria acontecido”; entre outros pensamentos moralistas e infelizes. E isso tem um impacto muito negativo na saúde mental desses indivíduos.

Esse preconceito também se faz presente no tocante às relações amorosas do indivíduo. Como e quando contar da sua condição? Será que a outra pessoa irá me julgar? Será que vai terminar comigo? E como fazer depois? Usamos camisinha? Eu posso passar o vírus para minha parceria?

Essas são dúvidas frequentes e no texto de hoje vamos falar sobre casais sorodiferentes, ou seja, casais formados por uma pessoa que vive com HIV e outra pessoa que não vive com HIV.

Como e quando contar da sua condição?

Não existe um momento certo para se contar sobre seu status sorológico. Há pessoas que preferem esperar que se construa uma relação mais íntima com a pessoa para falar sobre isso (e diminuir a chance de julgamento e violência antes de conhecer melhor a parceria) e há pessoas que preferem revelar logo no começo para avaliar a resposta da parceria e deixar tudo às claras. É importante que seja de uma forma que você se sinta confortável e seguro, deixando claro que você só deve contar se quiser. Ninguém é obrigado a revelar seu status sorológico para ninguém.

Contei. E agora? Será que minha parceria vai continuar comigo? Ou me julgar?

Após você revelar seu status sorológico, sabemos que haverá pessoas mais bem informadas que conseguirão lidar melhor com a questão e haverá outras que não estarão preparadas pra isso por diversos motivos: falta de informação, medo e/ou preconceito/moralismo. De qualquer forma, é importante entender que você não tem culpa de nada. Se por um acaso houver uma recusa em continuar o relacionamento, você não fez nada de errado. Se houver agressões, sejam físicas ou verbais, e também se houver ameaça de exposição do seu status sorológico, você pode inclusive registrar queixa na polícia contra a pessoa, pois sorofobia (preconceito contra as pessoas que vivem com HIV) é crime, de acordo com a lei nº 12.984, de 2 de junho de 2014.

Decidimos continuar juntos. Eu posso passar o vírus para minha parceria?

Muito se tem falado ultimamente que indetectável é igual a intransmissível (I = I). O que isso quer dizer? Hoje já há vários estudos mostrando que, se uma pessoa que vive com HIV fizer o tratamento corretamente e tiver exame de carga viral (exame que mostra quantidade de vírus encontrada no sangue da pessoa que vive com HIV) indetectável no sangue há pelo menos 6 meses, ela não transmite o vírus por via sexual. Se esse exame não for indetectável e/ou a pessoa não fizer o tratamento corretamente, há a chance de se transmitir o HIV via sexual.

Devemos usar camisinha? E a PrEP?

Como forma de proteção ao HIV, é importante de novo reforçar que ( I=I ) já é o suficiente para proteger a parceria que não vive com HIV. Inclusive, esse é um dos motivos pelo qual a pessoa que vive com HIV não tem necessidade, caso não queira, de expor seu status sorológico às suas parcerias.

A camisinha e a PrEP (Profilaxia Pré Exposição ao HIV) são dois métodos de prevenção ao HIV com alta taxa de eficácia. A camisinha ainda previne outras formas de IST (infecções sexualmente transmissíveis). Os dois métodos podem trazer mais conforto e menos medo à pessoa que não vive com HIV, mas ao mesmo tempo podem trazer outras questões à tona. Há pessoas que não gostam ou não conseguem usar camisinha na relação sexual, por exemplo. Há pessoas que não têm acesso à PrEP em suas cidades, que não querem tomar uma medicação diariamente ou que não querem correr o risco de terem algum efeito colateral.

Além disso, um aspecto psicológico deve ser levado em conta. Em alguns casos, a discussão sobre o uso de métodos de prevenção pode abalar a confiança do casal. “Se eu estou me tratando direitinho e não transmito o vírus, por que precisamos disso? Você não confia em mim?”.

A decisão de usar ou não essas formas de prevenção e qual método usar deve ser tomada por cada casal de forma individual, após discussão cuidadosa a respeito e após todas as informações serem fornecidas a esse casal, de preferência por um profissional de saúde capacitado e sem julgamentos.

Relações sorodiferentes

As relações sorodiferentes são relações que exigem cuidado, respeito e esforço, como todas as outras. Não há motivo algum para achar que esse tipo de relação não possa ser séria, feliz, duradoura ou que não possa gerar uma família. Os cuidados que a pessoa que vive com HIV tem consigo mesma é também um cuidado com a parceria.

Confiança, respeito e informação ajudam a quebrar o preconceito e a fazer com que o casal viva sua vida de forma tranquila e feliz. Está na hora de avançarmos também sobre o estigma que ronda o HIV, pois só assim conseguiremos um cuidado em saúde integral às pessoas que vivem com HIV.

* Bruno Branquinho é psiquiatra