Bruno Branquinho* Publicado em 16/08/2021, às 12h42
Não foi uma, nem duas, nem três vezes em que eu ouvi das minhas amigas mulheres cis heterossexuais a seguinte frase: “estou cansada, todos os homens inteligentes, ricos e bonitos são gays”.
Isso obviamente não é verdade, mas, brincadeiras à parte, esse estereótipo parece surgir a partir de uma parcela grande dos homens cis gays que destinam uma quantidade considerável de energia em parecerem o mais perfeitos que puderem: gastam muito tempo na academia e com estética, no trabalho se esforçam para serem muito bem-sucedidos, na escola tinham as melhores notas.
É claro que não há nenhum gene presente no homem cis gay que faz com que ele seja mais bonito/rico/bem sucedido que outras pessoas. No entanto, há uma hipótese que foi nomeada The Best Little Boy in Town (O melhor garotinho da cidade, traduzindo do inglês), que propõe que muitas vezes homens cis gays tendem a ser “overachievers” - palavra que em inglês quer dizer algo como “pessoas que conquistam mais coisas que o habitual”, “que superam as expectativas” - por algumas razões ligadas à sexualidade desses homens.
A primeira explicação possível seria a de que esses homens, que crescem e se desenvolvem numa sociedade homofóbica, internalizariam a ideia de que ser gay é algo negativo - errado, inferior, anormal, pecado, etc.
Por isso, para compensar ou para desviar a atenção dessa sua “falha”, eles tentariam ser muito bons em áreas valorizadas pela sociedade - estudos, esportes, aparência, entre outras - mostrando, dessa forma, seu valor para as outras pessoas.
Um paciente meu me disse certa vez que, quando pequeno, ele se esforçava muito para ter as melhores notas da classe, porque achava que isso seria algo de que os pais teriam orgulho (“eu sou gay, mas pelo menos sou um bom aluno”).
Além disso, enquanto os garotos heterossexuais estão gastando seu tempo em encontros ou em flertes com as garotas, os meninos gays não o fazem por vergonha ou medo de retaliações/bullying. Dessa forma, tem muito mais tempo e energia livres para destinar a outras áreas de interesse, como estudos, cultura e hobbies, o que a longo prazo também poderia explicar seu sucesso.
Confira:
É claro que isso não deve ser encarado como algo positivo, como se homofobia fosse algo bom porque produz melhores alunos e pessoas mais bem-sucedidas. Os garotos gays têm um sofrimento psíquico muito importante relacionado à homofobia experienciada, o que pode levá-los inclusive a maiores chances de desenvolverem transtornos psiquiátricos, como depressão, transtornos de ansiedade, abuso de drogas, e a cometerem suicídio.
A questão aqui não é ser ou não um bom aluno e sim depender internamente de uma excelência em diversas áreas para poder justificar sua existência como algo possível. Se há essa dependência, também há um sofrimento muito maior quando essa excelência não é alcançada em alguma área, o que pode causar consequências desastrosas. Afinal, se a minha existência é justificada pelo meu sucesso, o que acontece quando não tenho o sucesso que eu esperava?
A discussão sobre gênero e sexualidade, que vem avançando nas últimas décadas, apesar das tentativas no sentido contrário dos grupos conservadores, contribui para que sexualidades não normativas sejam cada vez mais bem aceitas e que o preconceito contra essas existências diminua.
A partir da diminuição do preconceito na sociedade, meninos gays poderão crescer de forma menos dolorosa, vivendo sua sexualidade de forma mais livre e saudável, e se desenvolvendo como adultos mais felizes e menos culpados, passíveis de falhas e de insucessos como todos. Não precisa ser o mais bonito, o melhor aluno, o melhor funcionário. Querido homem gay, você pode apenas ser.
*Bruno Branquinho é médico psiquiatra