Estudo mostra que crianças de hoje se controlam por mais tempo diante de um doce; educação pode explicar o resultado
Jairo Bouer Publicado em 14/10/2019, às 16h54 - Atualizado às 23h53
Vivemos em uma época de recompensas instantâneas, como informações em tempo real, videogames, likes nas redes sociais. Ninguém mais suporta ficar em algum lugar parado, sem usar o smartphone, e muita gente fica irritada quando alguém demora para responder seu e-mail ou mensagem de texto. Essa mudança radical de comportamento dos últimos anos causa preocupação, e não faltam especialistas para alertar sobre as consequências graves que isso pode trazer para as crianças no futuro.
Um estudo realizado por psicólogos da Universidade de Stanford nos anos de 1960 foi uma das pedras fundamentais da teoria de que saber esperar por uma recompensa é uma virtude que aumenta as chances de uma criança ser bem-sucedida no futuro. O chamado “teste do marshmallow” era muito simples: crianças norte-americanas de 3 a 5 anos eram expostas a um marshmallow e ouviam que, se vencessem a tentação de comer o doce na hora e esperassem dez minutos, poderiam ter dois marshmallows em vez de apenas um.
Os pesquisadores, na época, associaram a capacidade de adiar uma gratificação na infância a resultados positivos na adolescência e mais tarde, como melhor desempenho acadêmico, peso mais saudável, habilidade de lidar com estresse e frustração, responsabilidade social e bom relacionamento com pares. Isso foi confirmado nos estudos de acompanhamento realizados anos depois. Faz todo sentido: quem consegue vencer o impulso de comer a guloseima preferida pode ter mais força de vontade para seguir uma dieta, ou até economizar mais dinheiro para o futuro.
Mas dois estudos recentes trazem novos dados que podem colocar em xeque muitas das crenças geradas pelo “teste do marshmallow”. Um deles foi divulgado esta semana pela Associação Americana de Psicologia e traz uma informação bombástica: as crianças de hoje podem ter mais autocontrole do que as de gerações anteriores.
Pesquisadores das universidades de Minnessota e de Washington compararam os resultados do “teste do marshmallow” original e as réplicas realizadas nos anos de 1980 e no início do ano 2000. Contrariando todas as expectativas, as crianças do experimento mais recente conseguiram esperar dois minutos a mais que as do primeiro.
Para os pesquisadores, o fato de os norte-americanos entrarem na escola muito mais cedo hoje em dia pode estar por trás dos resultados. A mesma equipe realizou uma pesquisa online com 358 adultos e 72% achavam que as crianças de hoje esperariam muito menos. Como os autores ressaltam, é preciso tomar cuidado com conclusões precipitadas que não têm embasamento científico.
Outra pesquisa, publicada no início do mês por uma equipe das universidades de Nova York e da Califórnia, foi uma versão mais ampla do estudo antigo do marshmallow e contou com 900 crianças de diferentes realidades socioeconômicas. O trabalho original, da Universidade de Stanford, tinha menos de 50, e as crianças eram parentes dos funcionários da faculdade, ou seja, não era uma população variada.
A nova versão do teste, publicada no periódico Psychological Science, mostrou que adiar a gratificação trouxe benefício, mas ele não foi tão grande assim. E mais: o efeito diminuiu quando os jovens atingiram 15 anos. Nesse ponto, o que pareceu ter mais importância foi o nível de educação das mães dos participantes. Quando a mãe tinha pouco estudo, o filho não se saía melhor se tivesse esperado mais na infância.
Segundo especialistas ouvidos pelo jornal The Atlantic, isso sugere que algumas crianças podem não conseguir esperar por um doce maior porque vêm de um contexto com menos recursos. Para eles, condições socioeconômicas mais favoráveis podem interferir no autocontrole. E esses mesmos fatores podem ter mais relação com o sucesso futuro do que a capacidade de esperar por uma recompensa maior.