Os órgãos reprodutivos de machos e fêmeas; uma história de milhões de anos de conflito sexual
José Roberto Miney Publicado em 10/10/2021, às 16h50
Imagine a seguinte cena: uma mulher passeia despreocupadamente por uma reserva natural em Jerusalém, Israel, quando é abordada por um homem. Logo, o inesperado do encontro se transforma em uma dança de sedução.
Mas esse lirismo idílico inicial se interrompe abruptamente: a mulher então é agarrada brutalmente por trás pelo homem, que a morde impiedosamente e a prende em seus braços poderosos. Depois de virá-la de ponta-cabeça, saca seus genitais – e ele tem dois, afiados como lâminas! – e começa a perfurá-la com eles indistintamente no corpo quase todo: uma, duas, três... até sete estocadas, e a cada vez ele ejacula.
Mas o que é isso?!, você estará se perguntando. Uma ficção cientifica de terror, no melhor estilo Alien, mas com um extraterrestre selvagem sexual querendo inseminar as terráqueas?
Na verdade, isso se passa com um par de aranhas Harpactea sadistica (note o “sadistica” do nome), em que ocorre a chamada “inseminação traumática”: as células espermáticas nadam autonomamente pelo corpo da fêmea, encontrando e fertilizando seus óvulos, sem qualquer necessidade de cópula, vagina ou oviduto.
A chamada inseminação traumática desse tipo ocorre em outras partes do reino animal e é uma das formas pelas quais os órgãos sexuais respondem às forças evolutivas geradas pela seleção sexual.
Diferentes espécies desenvolveram adaptações surpreendentes para obter uma vantagem na competição reprodutiva. Alguns machos protegem suas parceiras após o sexo. Outros deixam para trás “plugues genitais” – verdadeiros “cintos de castidade” que bloqueiam os órgãos sexuais da fêmea para outros encontros. Há machos que levam isso ao extremo, morrendo espontaneamente durante a relação sexual e transformando seus corpos inteiros em um “plugue” contra outro acasalamento.
Charles Darwin, em sua obra A Origem do homem e a seleção sexual observou que as “fortes paixões” dos animais machos fazem com que eles “busquem ansiosamente as fêmeas”. Elas, por outro lado, são “tímidas” e “esforçadas”... para “escapar” dos machos.
Um cenário em que os machos tendem a competir pelo acesso aos óvulos das fêmeas, para que estas escolham seus pretendentes com “prudência” (um eufemismo para seleção reprodutiva). Daí os pavões espalhafatosos, certos pássaros com suas danças elaboradas ou cantos maviosos, ou uma espécie de baiacu do gênero Torquigener, capaz de criar esculturas magníficas na areia, tudo isso determinado, nesse caso, pela escolha feminina.
Pesquisadores concluíram que esse “embate” levariam os machos a procurarem mais acasalamentos e as fêmeas a se tornarem cada vez mais seletivas. Algumas criaram mecanismos de escolha sofisticados em seus aparelhos reprodutivos, para eliminar os espermatozoides indesejados. É bem provável que isso explique a inseminação traumática da Harpactea sadistica, para subverter a escolha da fêmea.
Outros machos investem na maciça produção de sêmen, mas tudo na Natureza tem sua contrapartida, e as fêmeas, sequiosas por nutrientes, se tornaram ávidas perseguidoras de seus parceiros.
Em alguns insetos, o pênis masculino ficou reduzido e a fêmea desenvolveu um órgão penetrante para acessar espermatóforos. Assim, quando o piolho das cavernas brasileiro Neotrogla acasala, a fêmea se senta em cima do macho, insere seu “pênis” parecido com uma maça, em sua região inferior, e o usa para sugar o pacote de esperma que custa tanto para o macho produzir.
Muitos enxergariam nessa narrativa “ecos” da guerra dos sexos da Natureza em nosso comportamento, como a psicologia evolucionista aponta para alguns deles.
Homens em busca de poder, fama e dinheiro, e mulheres se curvando aos ditames do “lookism” (a aparência acima de tudo), em nome do sucesso de um “pareamento”.
Mas seríamos mesmo movidos apenas por instintos, desses inscritos em nosso “hardware” pela história evolutiva de nossa espécie? Se fosse assim, faria sentido que nos destruíssemos uns aos outros, por guerras, conflitos sociais, assim como a Natureza, da qual dependemos para sobreviver?
Sim, a evolução agiu sobre nós e dela herdamos nosso bem mais precioso: nossas notáveis inteligência e criatividade; e, sobretudo, nossa capacidade de escolher e decidir.
E você, o que acha?
Fontes: The Scientist; National Geographic
Esta coluna não reflete, necessariamente, a opinião do Site Doutor Jairo.
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