José Roberto Miney e Jairo Bouer Publicado em 03/04/2021, às 12h00
O relacionamento “sugar” acontece entre “sugar babies” e “sugar daddies”. Elas geralmente se descrevem como “mulheres jovens, bonitas, inteligentes e independentes”. Eles são homens mais velhos, bem-sucedidos, não raro casados ou separados.
Elas buscam um benfeitor que possa lhes proporcionar conforto, entretenimento, apoio profissional ou acadêmico, mas não necessariamente remuneração em espécie. Eles querem, além dos atributos físicos, alguém que saiba conversar, se portar e, por isso, que possa aparecer em público em sua companhia, em restaurantes, espetáculos, viagens.
“Sugar babies” e “sugar daddies” costumam estabelecer regras claras entre si, sem promessas de compromisso, cobranças e prazo definido. Esses acordos, cuja característica principal é a de serem mutuamente benéficos, parecem ser um dos atrativos dessa forma de se relacionar.
Os termos “sugar baby” e “sugar daddy” foram cunhados durante as primeiras décadas do século XX nos Estados Unidos, segundo alguns pesquisadores. No entanto, começaram a se popularizar com o surgimento de sites de relacionamento dedicados ao público “sugar”.
Os termos são relativamente recentes, mas o fenômeno, nem tanto. Esse é o caso das cortesãs durante o período da Renascença europeia, e das gueixas do Japão do século XVIII. Mesmo no Brasil do século XIX, a situação foi retratada por José de Alencar, em seu romance “Lucíola”.
As cortesãs, como o próprio nome indica, frequentavam as cortes da aristocracia, geralmente se tornando a amante de um nobre importante, que as preferiam em lugar das esposas, já que os casamentos resultavam mais de acordos políticos e diplomáticos.
Ninon de Lenclos foi uma das mais famosas cortesãs da França e seu comportamento influenciou gerações do público feminino desse país. Além de ter estado ao lado de inúmeros nobres, era escritora, dispensava auxílio financeiro e assim se tornou símbolo de mulher culta, livre e independente.
Já as gueixas despontaram no Japão a partir do século XVIII e sua função principal era entreter homens ricos, servindo refeições e bebidas, tocando shamisen (literalmente “três cordas”) e cantando, geralmente sem relações sexuais.
Mineko Iwasaki é considerada a gueixa mais célebre do Japão e sua vida deu origem ao filme “Memórias de uma gueixa”, depois contestado pela própria Mineko, que escreveu “Minha vida como gueixa”.
No início, “sugar babies” e “sugar daddies” não era um assunto divulgado e conhecido por aqui. Mas começou a ganhar notoriedade com a novela “A dona do pedaço”, que trouxe esse tema à baila com o relacionamento entre o “sugar daddy” Otávio (José de Abreu) e a “sugar baby” Sabrina (Carol Garcia).
No rastro da popularização dos relacionamentos “sugar”, surgiram, assim como em outros lugares do mundo, também no Brasil, sites dedicados a esse público. Tais plataformas têm assistido a um expressivo aumento do número de usuários, sendo que um deles registrou cerca de dois milhões em um mês.
Muitas “sugar babies” já concederam entrevistas, participaram de programas de tevê e todas são unânimes em afirmar: “Não somos prostitutas, mas mulheres independentes, determinadas, em busca de um relacionamento com combinados claros e benefícios para ambos”.
JAIRO BOUER COMENTA
“Babies” não são necessariamente mulheres e as pessoas interessadas não são necessariamente homens. Com a popularização de relacionamentos “sugar” tem se percebido que o fenômeno não é exclusivo de gêneros ou orientação sexual. Todas as combinações são possíveis nesse universo, refletindo o que acontece no resto da sociedade.
Mulheres mais velhas e independentes financeiramente, as “mommies”, podem adotar homens mais novos, que buscam alguma forma de suporte ou patrocínio, bem como “daddies” podem estar em busca de rapazes, para viver uma relação “sugar” homossexual, por exemplo.
Assim como na "clássica" configuração, entre mulheres mais jovens buscando homens mais velhos e vice-versa, os demais relacionamentos “sugar” também enfrentam preconceitos sociais. Dessa forma, rapazes “sugar” também podem ser vistos de forma errônea, como garotos de programa.
Aparece aqui ainda uma questão adicional, que é um estigma importante em nossa sociedade, mesmo entre os “babies”, de serem vistos como profissionais do sexo.
Profissionais do sexo existem desde que o mundo é mundo e a aceitação e regulamentação da profissão, que já acontece em outros países, pode, além de reduzir preconceitos, aumentar a rede de proteção social e o acesso à saúde para essa parcela da população, que em geral já é vítima de uma série de exclusões e vulnerabilidades.
Independente de ser “baby”, “daddy”, “mommy” ou profissional do sexo, o importante a notar é que, a partir do momento em que as pessoas saem da sua invisibilidade, e a sociedade consegue reduzir preconceitos e estigmas, do ponto de vista da saúde e das vulnerabilidades, a vida de todos e todas tem a chance de melhorar muito.