Isolamento, monotonia e o estresse crônico impactaram nosso sentido de tempo e, literalmente, “embaçaram” nosso ano
Jairo Bouer Publicado em 16/12/2020, às 19h28
A promessa de um ano novo, feliz e produtivo, 2020, sonoro até na pronúncia, “vinte-vinte”, logo se desfez com os primeiros casos de coronavírus pipocando em uma China ainda tão distante! Dois meses depois a realidade nua e crua começava a se desenhar por aqui. Não bastasse a tragédia que se anunciava, ela vinha acompanhada no Brasil de toda a sorte de negacionismos e despautérios pseudocientíficos.
Nove meses depois, você (que, como eu) deve ter ficado em casa o máximo possível, restringido seus deslocamentos ao necessário, usado máscara na rua e evitado contatos sociais, pode estar com a incômoda sensação de que sua vida meio que parou. Isolamento, monotonia e o estresse crônico impactaram nosso sentido de tempo e, literalmente, “embaçaram” nosso ano, como bem lembrou o jornalista Alex Williams em artigo recente no New York Times. E isso não é nada agradável!
O ano que não acaba fez você dormir mal, se concentrar menos, procrastinar até dizer chega, não conseguir produzir tudo o que precisava, ficar com a sensação que o dia precisava ter mais algumas horas (para você continuar a não dar conta de tudo), não desgrudar os olhos das telas, e perder o foco para as coisas e as pessoas que realmente importam e que estavam perto de você.
Na seara da vida pessoal, quem estava solteiro, ou seguiu como celibatário e se sentiu muito sozinho (até a gente cansa da gente mesmo), ou se arriscou. Se você estava acompanhado, ou descobriu as maravilhas ocultas e esquecidas de seu relacionamento, ou teve que resolver muita “treta” em casa. Não foi à toa que mais uma onda, a do recorde de separações e divórcios, varreu todos os continentes, do oriente para o ocidente.
A rotina entre quatro paredes, a falta de grana, o medo de ficar doente ou de ver enfermo quem você gosta, o acúmulo de incertezas, a ausência de uma voz que orientassse ao invés de tensionar, a ansiedade generalizada de que tudo acabe logo, tudo isso fez com que a gente vivesse em um estado de suspensão, embaralhando os limites entre certo e errado, entre pode e não pode, entre trabalho e lazer, entre carinho e raiva, entre amor e ódio, entre estar bem e estar mal.
A ausência de contrastes no cotidiano também potencializou essa sensação de tempo perdido, suspenso. Segunda-feira ficou igual a sábado ou domingo. Tarefa ficou parecida com lazer, reality de confinamento ficou igual a vida real. É quase sempre a mesma coisa, uma rotina pandêmica difícil de ser quebrada, o que dá sensação de que tudo é sempre muito igual.
Quem não oscilou emocionalmente não entendeu esse ano. Claro que alguns oscilaram para fora dos limites do suportável e precisaram do apoio de redes e de profissionais de saúde mental. Crianças, adolescentes, mulheres, homens, todo mundo sofreu. Estudo atrás de estudo mostrou uma explosão de transtornos de ansiedade. Entre as mulheres, a ansiedade pode ter dobrado.
Se você sai de 2020 com a sensação de que este foi um ano bizarro, sofrido, em que parece que você não existiu, que você não consegue lembrar de suas realizações e conquistas, não se recordar de um momento inesquecível, acredita que foi improdutivo (apesar de ter remado como nunca antes), saiba que não está sozinho.
O ano acaba com a gente muito cansado, de tudo e de todos. Mais irritado, mais chateado, mais desencantado com a política e com as autoridades. Lá no horizonte já se desenha um 2021 um pouco melhor, com a expectativa e a esperança de uma vacina protetora. Mas calma lá! Vacina para todos ainda demora, e você vai ter que enfrentar ainda mais alguns meses muito parecidos com esses que vivemos, com essa sensação de que sua vida segue meio estagnada, fora de foco, ”embaçada” mesmo!
Respire fundo, tome mais uma megadose de resiliência, tente se imaginar em outros cenários, seja mais gentil com você mesmo e com o próximo e siga em frente. Vai passar!
(Texto extraído da Coluna do Jairo Bouer no UOL VivaBem)
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