"Vício em álcool", "alcoolismo" e "alcoólatra" são palavras que costumam ser usadas ao se referir a quem bebe muito e com muita frequência. Mas com o conhecimento que hoje existe em relação ao tema, muitos especialistas têm alertado que essa terminologia só aumenta o estigma e afasta quem tem problemas com álcool de um diagnóstico e tratamento eficazes. E o uso indevido dessa substância é bem mais comum do que muita gente imagina, como você vai descobrir neste texto.
Admitir que se tem um vício é difícil até para nós mesmos. Imagine admitir isso para a sua família, para um médico ou para toda a sociedade? Por isso, a recomendação, hoje em dia, é mostrar que muita gente pode ter problemas com o álcool, uma vez que se trata de uma substância legal, presente na vida de todo mundo e que, também por isso, tem potencial alto de provocar dependência.
Num seminário recente para jornalistas, George Koob, diretor do Instituto Nacional para Abuso de Álcool e Alcoolismo, dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA (NIAAA/NIH), diz que é preferível falar em “transtorno do uso de álcool”. Esse quadro clínico é caracterizado essencialmente pela dificuldade em parar ou controlar o uso de álcool, apesar das consequências sociais, ocupacionais ou de saúde resultantes desse consumo. Pode ser leve, moderado ou grave.
Com que frequência você consome álcool (em média)?
- Nunca consumo álcool
- Menos de 1 vez por mês
- De 1 a 3 vezes por mês
- De 1 a 2 vezes por semana
- De 3 a 5 vezes por semana
- Todo dia (ou quase todo dia)
O uso indevido do álcool, conforme explica Koob, produz alterações permanentes no cérebro que perpetuam o transtorno e tornam as pessoas vulneráveis a recaídas. Mas ele não surge do dia para a noite – o risco aumenta com o passar do tempo de consumo abusivo ou intenso de álcool. Por “abusivo”, entenda-se o consumo de 5 ou mais doses (para homens) ou 4 ou mais doses (mulheres) em cerca de 2 horas. E por “intenso”, a ingestão de mais de 4 doses (para homens) ou 3 doses (para mulheres) em um dia.
Quantidade, porém, é só uma parte da equação. A tendência a desenvolver um transtorno do uso de álcool também depende da frequência e até da rapidez com que uma pessoa consome a substância. Veja outros fatores que interferem no risco de ter o transtorno:
- Beber em idade precoce. Uma pesquisa norte-americana descobriu que, na faixa etária de 26 anos ou mais, as pessoas que começaram a beber antes dos 15 anos tinham uma probabilidade mais de cinco vezes maior de relatar o transtorno do que aquelas que esperaram até os 21 anos ou mais para começar a beber. O risco para as garotas é maior do que para os garotos, já que as mulheres são mais sensíveis aos efeitos do álcool.
- Genética e histórico familiar de problemas com álcool. A genética desempenha um papel, assim como ter pai ou mãe com o transtorno (hereditariedade). No entanto, assim como para outros quadros clínicos crônicos, o risco é influenciado pela interação entre os genes de uma pessoa e seu ambiente. Ou seja: ter pai ou mãe que usa álcool indevidamente não é garantia de que o(a) filho(a) vai desenvolver o transtorno um dia, mas constitui uma influência tanto genética quanto ambiental.
- Problemas de saúde mental e histórico de trauma.Depressão, transtorno de estresse pós-traumático , ansiedade e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, entre outros quadros, estão associados a um risco maior do transtorno do uso de álcool. Pessoas com histórico de trauma na infância também são mais vulneráveis. Vale lembrar que todos esses transtornos são extremamente comuns na população mundial. E o Brasil está entre os países com maior número de pessoas com ansiedade e depressão, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde).
Confira:
Segundo os critérios da 5ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, os sintomas que indicam a existência ou a gravidade do transtorno são os seguintes:
Levando em consideração os últimos 12 meses da sua vida:
Qualquer um dos sintomas acima pode ser um motivo de preocupação. Mas ter respondido “sim” a 2 ou 3 perguntas já configura um transtorno leve de uso de álcool. Se você se identificou com 4 a 5 critérios, você tem um transtorno moderado do uso de álcool. Se foram 6 ou mais critérios, você tem um transtorno grave.
A boa notícia é que, mesmo para casos mais graves, o tratamento baseado em evidências permite alcançar e manter a recuperação. Isso inclui terapias comportamentais, grupos de apoio mútuo e/ou uso de medicamentos. Segundo o NIH, ainda que a abstinência seja o maior objetivo do tratamento, não é o único caminho existente para controlar o transtorno, de acordo com estudos recentes.
Vale reforçar que não existe uma fórmula única, ou seja, uma abordagem de tratamento que funcione para todo mundo. Por isso é tão importante buscar um profissional especializado. Antes disso, porém, é preciso reconhecer que existe um problema, e que não há razão nenhuma para ter vergonha de admiti-lo para outras pessoas.
Assista também:
Tatiana Pronin
Jornalista e editora do site Doutor Jairo, cobre ciência e saúde há mais de 20 anos, com forte interesse em saúde mental e ciências do comportamento. Vive em NY. Twitter: @tatianapronin