Giulia Poltronieri Publicado em 13/07/2021, às 14h00
Esta poderia ser mais uma matéria genérica, com um cunho emotivo, falando sobre como é possível viver “o amor na cadeira de rodas”, mas Ana Clara Moniz, de 21 anos, deixou muito claro que não era isso que queria passar com sua imagem. A estudante de jornalismo e criadora de conteúdo viu um de seus vídeos ser viralizado no último dia 28 de junho, após registrar a reação dos pais ao contar que é bissexual e já está em um relacionamento sério com uma mulher.
Na legenda, ela escreveu que sentiu muito medo de assumir sua sexualidade e acrescentou: “A verdade é que não esperam que eu tenha uma sexualidade, apenas uma deficiência. Mesmo que sejam coisas completamente diferentes, não me veem como uma pessoa que pode amar. Muito menos que pode amar quem quiser”.
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Agora, em entrevista exclusiva ao site do Dr Jairo Bouer, Ana fala mais sobre sua sexualidade, sua vida como cadeirante e as reações que recebeu após se assumir como bissexual.
Ana tem quase 45 mil seguidores no Instagram, logo, a ideia de falar sobre sua sexualidade para um público tão grande obviamente a assustou. Mas, para entender como ela chegou a essa decisão, é preciso primeiro entender como ela aceitou a própria sexualidade.
“Me entender como uma mulher bissexual foi um processo. Não existiu exatamente uma idade específica em que isso aconteceu”, explica. “Eu cresci em uma cidade no interior do Rio de Janeiro, passei 14 anos da minha vida lá, e era uma cidade onde todo mundo me conhecia e eu conhecia todo mundo. Eu vivi lá com o mesmo grupo de amigos e as mesmas pessoas, e acho que eu tinha um pouco mais de insegurança sobre como as pessoas iam lidar com isso e reagir”.
Confira:
Ana lembra que beijou uma mulher pela primeira vez aos 15 anos, mas depois acabou entrando em uma fase de negação. Eu pensava “ah, eu só beijei uma mulher, isso não significa nada, mas na verdade significava”, ela brinca. “Foi só quando eu mudei pra São Paulo, porque vim fazer faculdade, com 18 anos, que eu saí de uma realidade de uma cidade do interior. Foi aí que me senti mais segura comigo mesma, fui me entendendo e aos poucos fui me assumindo para as pessoas ao meu redor, então passei a não ter tanto problema em ficar com mulheres. Passei a viver isso de forma devagar, de forma confortável, para que eu pudesse entender exatamente o que eu estava vivendo”.
Tanto o pai quanto a mãe de Ana foram extremamente gentis ao receber a informação de que a filha é bissexual e já está em um relacionamento. O vídeo, inclusive, emocionou muita gente e pode ser considerado um exemplo de como os pais deveriam lidar com a sexualidade dos filhos.
Mas é claro que o momento de revelar a notícia foi um pouco assustador. Ana diz que nunca foi muito aberta sobre sua vida amorosa, então houve um certo nervosismo em falar sobre isso com eles.
“Eu não estava com medo dos meus pais, porque eles sempre foram muito abertos em relação a todos os assuntos. Eles sempre me deixaram muito livre para que eu fosse o que eu quisesse ser, sempre me apoiaram em tudo”, aponta a criadora de conteúdo. “Mas acredito que o medo era porque eu nunca falei sobre minha vida amorosa. Eu sempre fui uma pessoa muito fechada em relação a isso, nunca fui aquela que conversa com os pais sobre ou que sai falando pra todo mundo, nem mesmo com homens. Então eu acho que o medo era muito disso, de eu falar sobre meu primeiro relacionamento sério. Não tinha medo de eles não me aceitarem, mas a simples possibilidade de alguém que eu amo tanto não me aceitar como eu sou, porque eu sou diferente deles ou porque fico com pessoas do mesmo gênero… isso é muito assustador”.
Além disso, Ana também cria conteúdo para internet, então essa era uma preocupação a mais. “Foi muito assustador me expor dessa forma e de correr o risco de as pessoas falarem coisas ou me julgarem. Foi uma das coisas mais difíceis que já fiz”.
Como disse em seu texto, “ser uma pessoa com deficiência e bissexual não é bem o que a sociedade espera”. Ana vive com uma doença neuromuscular chamada atrofia muscular espinhal (AME). Por conta dela, a estudante de jornalismo não tem força nos músculos do corpo, e isso acaba tornando algumas tarefas mais complexas, como andar, ficar de joelhos, levantar um copo de água muito cheio ou levantar os braços acima da cabeça. “Tudo o que envolve força eu tenho dificuldade para fazer porque é como se eu fosse muito fraquinha”, ela explica.
Por isso, seu vídeo — e a legenda que o acompanha — são tão importantes. Ana chama atenção, de forma natural, para um fato que muitos esquecem: pessoas com deficiência também amam, têm sexualidade e podem fazer parte de outras minorias.
Portanto, ao assumir a bissexualidade e o relacionamento com outra mulher publicamente, Ana acabou abordando um assunto importante e, de quebra, ainda se libertou de amarras que nem ela mesma sabia que existiam.
“Eu nunca tive uma sensação de tanta liberdade. Foi muito doido, porque era uma parte de mim que eu sabia que escondia, mas acabei descobrindo que estava escondendo até mais do que pensava”, conta ela. “Eu tenho me sentido muito bem por ter sido acolhida pelas pessoas. Eu sei que essa não é a realidade de muita gente que passa por isso, mas eu queria muito que fosse, porque é uma sensação indescritível. Tem sido muito acolhedor”.
Ela ainda acrescenta sobre a necessidade de falar mais sobre o tema: “Acho que quando a gente tem uma deficiência, a gente meio que tem que se assumir o tempo todo. Tem que se declarar o tempo todo como uma pessoa com deficiência, porque as pessoas ainda têm muito preconceito, elas ainda acham que a gente pode esconder a deficiência, tentar não falar sobre ou tentar ser o menos deficiente possível. Por eu ser ativista e criadora de conteúdo, eu tenho aprendido cada vez mais a importância de falar sobre, de me declarar deficiente. Não é uma coisa ruim eu ter deficiência. Eu sou uma mulher com deficiência e ponto. Eu tenho muitas outras características, mas ter uma deficiência também é uma delas”.
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Mas Ana deixa claro que, apesar de ela mesmo ter sentido dúvidas sobre as chances de encontrar um amor, não gostaria que as pessoas achassem que ela está se vitimizando. Muito pelo contrário!
“Eu fui criada, não pelos meus pais, mas pelas pessoas ao meu redor e pela sociedade, com a ideia de que pessoas com deficiência não merecem o amor, não podem ser amadas, não vão encontrar o amor, como se isso fosse muito distante, não fosse acessível. Como se o amor estivesse em um prédio cheio de escadas e pensamentos capacitistas”, comenta. “Eu acho que tanto por eu fazer parte da comunidade LGBTQIA+, tanto por ser uma pessoa com deficiência, eu consigo entender agora que não existe só uma forma de amar. A gente está acostumado a colocar um padrão nas coisas, a ver filmes de comédia romântica em que tudo é muito padrão, em que todo mundo vive amores muito parecidos. Cresci com essa ideia de que eu não acharia o amor pela minha deficiência, de que meu corpo não era bonito o suficiente pra ser desejado por alguém, de que eu não seria interessante o suficiente ou de que seria muita responsabilidade estar comigo ou se relacionar comigo. Eu vivi situações muito difíceis nas quais as pessoas deixaram de ficar comigo exatamente por eu ter uma deficiência e foi muito difícil crescer com isso”.
Porém, Ana afirma que foi entendendo as coisas com o passar do tempo. “Acho que foi um processo muito meu mesmo, eu fui entendendo o quanto isso estava errado e o quanto eu poderia viver o amor, o quanto o amor era pra mim e o quanto era acessível. E agora namorando eu encontrei uma pessoa incrível, que me lembra disso todos os dias, que respeita as minhas inseguranças, por mais que ela não viva isso e não passe por isso da mesma forma que eu. A gente tem uma relação muito bonita de respeito, de se entender, de se apoiar. Tem sido muito gostoso entender que o amor também é pra mim e que eu posso falar sobre isso, finalmente”.
E, para terminar, ela não poderia deixar de falar sobre a falta de representatividade das pessoas com deficiência no amor. Por isso, Ana dá um exemplo recente, que é tão naturalizado que passa batido por muitos: as campanhas publicitárias. Já reparou que raramente aparece alguma com pessoas com deficiência? Ana já.
“Agora em junho ocorreram as campanhas em prol da comunidade LGBTQIA+, mas quantas marcas chamaram e falaram sobre a sexualidade de pessoas com deficiência? É muito difícil você ter voz quando as pessoas não te deixam falar”, argumenta ela.
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Para a estudante de jornalismo, o que falta na sociedade é deixar que pessoas com deficiência sejam vistas e possam se expressar. “O capacitismo é o grande vilão que a gente tem. As nossas pautas sempre são menos importantes, as mais esquecidas. O necessário é não falar sobre isso como coitadismo ou nos tratar como super-heróis. Todos nós temos histórias difíceis, mas a gente precisa de voz”, finaliza ela.
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