Cármen Guaresemin Publicado em 10/02/2022, às 10h00
Verão, calor, férias, praia, piscina... Uma ótima época para ficar mais tempo descalço. Sim, há quem ame e quem odeie. Mas tirar os sapatos traz mais benefícios que problemas? O médico ortopedista Bruno Takasaki Lee, especialista em pés, explica por que ficar descalço pode ser saudável, mas, como tudo o mais, também precisa de alguns cuidados. Confira:
A área de representação dos pés no cérebro é semelhante à das mãos. Por isso ele recebe, tanto quanto o tato das mãos, os estímulos sensoriais e motores. É uma parte importante de exploração e reconhecimento, que melhora sempre a capacidade de desenvolver e aperfeiçoar a força e a coordenação.
Pés descalços são sinônimo de ganho de força e movimento. E isso explica por que alguns problemas comuns, como pé chato ou fascite plantar, podem ser prevenidos ao andar de pé no chão, que é quando aumenta a capacidade de mobilidade e força das articulações e musculatura dos pés. Assim como todo o corpo, os pés têm diversos músculos na sola que são os responsáveis por manter o arco plantar, a estrutura que distribui a pressão entre as diferentes áreas, controlando o impacto nos pés e também nas articulações subjacentes.
É um processo inflamatório decorrente da sobrecarga da fáscia plantar, ou seja, da “capa” da musculatura plantar do pé, e que causa dor. A causa principal do surgimento do problema, por incrível que pareça, é o encurtamento da musculatura da panturrilha, que, por meio da chamada cadeia posterior da perna, gera excesso de tensão na planta do pé durante a caminhada. Daí o processo inflamatório se instala. Andar sem sapatos não causa o problema, aliás, é um estímulo para os músculos do pé e um auxílio no tratamento da fascite plantar.
Quando os pés ficam tempo demais presos nos sapatos, acabam se enfraquecendo e enrijecendo a musculatura. Isso afeta o mecanismo natural de absorção de impacto e do amortecimento. Eles precisam ser estimulados a fazer diferentes movimentos sempre dentro e fora dos sapatos.
O contato direto com o chão, mesmo dentro de casa, favorece uma boa troca de energia, que reequilibra o organismo e pode ajudar a prevenir o estresse. Tudo isso porque, ao tocar o solo, os pés recebem em suas terminações nervosas informações sobre o solo, que chegam direto no cérebro e estimulam o equilíbrio. Com isso, a postura é corrigida e a tensão reduzida, inclusive aliviando o estresse graças à menor produção de cortisol.
O principal fator preocupante em caminhar descalço são as lesões perfurantes ou perfurocortantes causadas por objetos ocultos no solo. Desde que não existam fatores que possam predispor a lesões, como deformidades, por exemplo, não há contraindicação em se caminhar descalço. Para pacientes com deformidades ou outros fatores que possam ser agravados pela caminhada descalço, recomenda-se o uso de calçados de solado não flexível, por oferecerem maior proteção e melhor distribuição de carga no pé.
Na academia, o fator de risco são os pisos não aderentes. A prática de exercícios descalço oferece maior chance de ocorrerem acidentes por quedas ou escorregões, principalmente na presença de sudorese, quando comparado aos solados emborrachados. Andar descalço, em relação à higiene, nem sempre é uma boa opção, dependendo do local em que se está. Banheiros de academia, chão de clube, areia da praia, entre outros, podem, sim, trazer riscos de doenças de pele, fungos, micoses, etc. Por isso, é sempre melhor, nesses locais, usar um calçado além de, claro, se proteger do risco de escorregar quando se anda sem calçado em superfície lisas e molhadas.
As doenças de pele, como, por exemplo, micoses e tinea (Tinea corporis, também conhecida como dermatofitose, tinha, tinea corporal ou micose superficial, é uma infecção na pele causada por fungos) podem ser transmitidas mais facilmente quando praticamos exercícios descalços. Tomando-se os cuidados usuais, como a manutenção de uma boa higiene e a manutenção dos pés livres de umidade constante, os riscos de contrair esses problemas são reduzidos significativamente.
O uso constante de tênis e sapatos acaba por não permitir que a pele se queratinize (engrosse) em excesso. Já a prática de andar descalço, em contraposição, gera o aumento da espessura da pele plantar (revestimento externo que cobre as solas dos pés de humanos e outros primatas). Esse aumento demanda uma maior atenção aos cuidados com a pele, evitando-se assim outras complicações, como, por exemplo, rachaduras dolorosas.
Como tudo na vida, qualquer nova prática exige moderação. Caso o indivíduo possua interesse na prática de exercícios sem calçados, a transição deve ser feita de maneira progressiva, justamente para que haja a adaptação da pele plantar e das estruturas biomecânicas à nova condição. E, acima de tudo, em caso de dúvidas, procure um médico.
Fonte: Bruno Takasaki Lee é ortopedista, médico formado e especializado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. É especialista em pé e tornozelo.
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