A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) acaba de aprovar um novo tratamento que irá beneficiar pacientes adultos com linfoma, um câncer do sistema linfático (que inclui os gânglios linfáticos, baço, glândula timo e medula óssea).
O axicabtageno ciloleucel (Yescarta) irá ajudar quem sofre de linfoma não Hodgkin de grandes células B (LGCB), incluindo linfoma difuso de grandes células B (LDGCB), linfoma primário do mediastino de grandes células B, linfoma de células B de alto grau, LDGCB surgindo de linfoma folicular e linfoma folicular (LF) recidivado ou refratário após dois ou mais tratamentos.
Existem muitos tipos diferentes de linfoma, sendo os principais subtipos o linfoma de Hodgkin (anteriormente chamado de doença de Hodgkin) e o linfoma não Hodgkin. Ambos acometem o sistema linfático dos pacientes, porém, no linfoma de Hodgkin, a doença geralmente se espalha de forma ordenada de um grupo de linfonodos (glândulas) para outro grupo, enquanto o linfoma não Hodgkin se espalha de maneira não ordenada, e pode começar em qualquer lugar do corpo.
O tipo mais comum de linfoma não Hodgkin é o linfoma difuso de grandes células B, responsável por 35% dos casos diagnosticados. O tratamento depende do tipo e gravidade da doença, e pode envolver quimioterapia, medicamentos imunoterápicos, radioterapia, transplante de medula óssea ou uma combinação dessas terapias.
No Brasil, segundo o Inca (Instituto Nacional do Câncer), são estimados que haja mais de 12 mil casos de linfoma não-Hodgkin por ano. O linfoma difuso de grandes células B (LDGCB) e o linfoma folicular (LF) são as formas mais comuns de linfoma não Hodgkin, representando cerca de 30% e 22% de todos os casos, respectivamente. O prognóstico para ambos os tipos é ruim, sendo que pacientes com LDGCB que não respondem ao tratamento (refratários), ou inicialmente respondem e depois falham (recidivados), apresentam uma mediana de sobrevida global de apenas seis meses. No caso de linfoma folicular, apenas 20% dos pacientes estão vivos em cinco anos após a segunda recidiva.
Os casos de linfoma têm aumentado no mundo. “Embora seja considerada uma doença rara, quando comparada aos tipos de cânceres mais comuns, como mama, próstata e pele, o Inca estima que serão diagnosticados 6.580 em homens e 5.450 em mulheres novos casos de linfoma não Hodgkin. Vale lembrar que o crescimento do número de casos pode representar o aumento no número de diagnósticos realizados, uma vez que é necessário acesso a profissionais e instituições de referência para que o diagnóstico aconteça”, explica o médico Jayr Schmidt Filho, líder do Centro de Referência de Neoplasias Hematológicas do A.C Camargo Cancer Center.
Além da melhora do acesso ao diagnóstico, é possível que o aumento de casos esteja ligado ao crescimento da população de imunodeprimidos e da expectativa de vida. "As causas, na maioria dos casos, são desconhecidas, mas acreditamos que algumas exposições ocupacionais e a agentes infecciosos, entre eles o vírus Epstein-Barr, possa ter alguma relação em algumas pessoas. Outros fatores de risco incluem doenças autoimunes ou que afetam o sistema imunológico, pacientes imunodeprimidos e, em uma minoria dos casos, hereditariedade", aponta.
Ele explica que como os linfomas são um grupo bem heterogêneo de doenças, o tratamento é direcionado para cada subtipo. Atualmente, para o linfoma difuso de grandes células B, o tratamento padrão geralmente é o protocolo de quimioterapia R-CHOP (ciclofosfamida, doxorrubicina, vincristina e prednisona), mais o anticorpo monoclonal rituximabe, em geral administrado em ciclos com intervalos de três semanas. Em alguns casos selecionados e mais agressivos, pode se utilizar ainda o R-DA-EPOCH (etoposídeo, prednisona, vincristina, ciclofosfamida, doxorrubicina e rituximabe).
A novidade, o axicabtageno ciloleucel, é um tipo de terapia celular na qual as células T (do sistema imunológico) de uma pessoa são extraídas e geneticamente modificadas para reconhecerem alvos de células tumorais (neste caso, a presença do antígeno CD19 na superfície de células B do linfoma). A nova terapia provou induzir uma resposta completa (sem câncer detectável) em pacientes com LGCB e LF recidivado/refratário, considerados formas difíceis de tratar de linfoma não-Hodgkin (LNH), particularmente na forma refratária.
“Essa tecnologia envolve a reprogramação de células de defesa (T) do próprio paciente para que estas passem a reconhecer alvos de células tumorais. Nos linfomas não Hodgkin (LNHs) – especificamente no linfoma difuso de grandes células B (LDGCB) – o direcionamento contra células B malignas CD19+ provou ser altamente eficaz no cenário de doença refratária/recaída, em que existem poucas opções de tratamento para o paciente”, aponta Schmidt Filho.
Ele completa: “Vale ressaltar que alguns estudos de CAR-T (terapia celular na qual as células de defesa da pessoa são extraídas e geneticamente modificadas para reconhecerem alvos de células tumorais) em linfoma difuso de grandes células B recaído (quando inicialmente os pacientes respondem ao tratamento e depois falham) ou refratário (quando não respondem ao tratamento) apresentaram cerca de 40% de sobrevida após cinco anos, algo inédito até então”.
Douglas Vivona, diretor médico associado da Kite, farmacêutica responsável pela nova terapia, acrescenta: "O tratamento é customizado para cada paciente e é necessária apenas uma infusão".
Atualmente, as chances de cura, no caso do tratamento de primeira linha, geralmente podem ocorrer em cerca de 60%-65% dos casos. Entretanto, na segunda linha as chances de cura são impactadas se o paciente pode fazer uma nova linha de quimioterapia mais intensificada, seguida de transplante autólogo de medula óssea, algo que ocorre em cerca de 50% dos casos. “Para os que vão para o transplante autólogo de medula óssea, ainda verificamos que a cura ainda acontece em cerca de 50% dos casos. O tratamento de terceira linha envolve o uso das células CAR-T”, diz Schmidt Filho.
Ele acredita que os pacientes podem ficar animados, pois o novo tratamento chega para atender a necessidade médica por novas terapias com potencial curativo para pacientes com prognóstico ruim e que, atualmente, possuem poucas opções de tratamento disponíveis, inclusive em estágios avançados.
“A classe médica está otimista com a novidade e os estudos mostram resultados muito promissores”, conta Schmidt Filho.
“As terapias genéticas são reconhecidas como um dos maiores avanços no tratamento do câncer desde a introdução da quimioterapia há mais de 60 anos e estão mudando os paradigmas para alguns tipos de câncer. O potencial desse tipo de terapia é imensurável”, acrescenta Vivona.
Porém, como se trata de um tratamento de alto custo, essa novidade chegará a todos os pacientes que dela necessitam? O médico explica que terapias com CAR-T, assim como outras disponíveis no mercado, são realizadas de forma personalizada, para o paciente certo e na quantidade correta. “Acredito que sim, no futuro, os pacientes elegíveis terão acesso à terapia, pois há muitos profissionais e instituições trabalhando para que isso seja uma realidade. Entretanto, por se tratar de tratamentos de alto custo, precisamos trabalhar em modelos de financiamento alternativos e que garantam a sustentabilidade para todos os envolvidos”, diz Schmidt Filho.
O médico lembra que, assim como aconteceu com outras terapias consideradas inovadoras, ela também será disponibilizada no SUS (Sistema Único de Saúde). “Há centros, como a USP de Ribeirão Preto, que estão desenvolvendo e testando terapias com CAR-T e já obtiveram resultados positivos. Ainda há muitas pesquisas em andamento no Brasil e no mundo. E, no futuro, esse tratamento será uma realidade para os pacientes que dele precisam”.
Cármen Guaresemin
Filha da PUC de SP. Há anos faz matérias sobre saúde, beleza, bem-estar e alimentação. Adora música, cinema e a natureza. Tem o blog Se Meu Pet Falasse, no qual escreve sobre animais, outra grande paixão. @Carmen_Gua