Redação Publicado em 02/07/2021, às 17h08
Embora pessoas autistas sejam menos propensas a usar drogas, aquelas que o fazem têm chances maiores de se automedicar para sintomas de saúde mental, incluindo os associados ao autismo. Essa é a principal descoberta de uma nova pesquisa da Universidade de Cambridge (Reino Unido), publicada no The Lancet Psychiatry.
1.183 adultos e adolescentes com autismo e 1.203 sem o transtorno – todos com idade entre 16 e 90 anos – forneceram informações sobre a frequência do uso de substâncias por meio de um questionário online anônimo. Desse grupo, 919 pessoas também cederam respostas mais aprofundadas sobre suas experiências.
De acordo com os achados, os adultos autistas eram menos propensos do que os seus pares sem o transtorno a usar drogas. Apenas 16% – em comparação com 22% dos não autistas – relataram beber, em média, três ou mais dias por semana.
Da mesma forma, apenas 4% daqueles com autismo fizeram referência à “bebedeira” em comparação aos 8% registrados dos não autistas.
Houve também algumas diferenças de gênero nos padrões de consumo: os homens com autismo tinham menos chances do que os seus pares de relatar terem fumado ou usado drogas. Em contrapartida, a equipe não encontrou diferenças nos padrões de frequência de tabagismo ou consumo de drogas entre mulheres autistas e não autistas.
No entanto, apesar das menores taxas de uso de substâncias em geral, as descobertas do estudo fornecem um quadro diferente: os adultos autistas eram quase nove vezes mais propensos do que os pares não autistas a relatar o uso de drogas recreativas (como maconha, cocaína e anfetaminas) para gerenciar sintomas indesejados, incluindo os relacionados ao autismo.
As drogas foram usadas para reduzir a sobrecarga sensorial, ajudar com o foco mental, fornecer rotina, entre outros motivos. Diversos entrevistados autistas contaram também que recorriam indiretamente ao uso de substâncias para mascarar o transtorno.
Pesquisas anteriores mostraram que essa gestão comportamental – também conhecida como "camuflagem" ou "compensação" – tem sido associada à exaustão emocional, pior saúde mental e, até mesmo, ao aumento do risco de suicídio entre autistas.
Além disso, os adolescentes e adultos diagnosticados com o transtorno também tiveram três vezes mais chances do que os outros de revelar terem usado substâncias para gerenciar sintomas de saúde mental, incluindo ansiedade, depressão e pensamentos suicidas. Muitos deles, inclusive, observaram especificamente que fizeram uso para automedicação.
Vale pontuar que essa automedicação nem sempre foi vista como negativa pelos participantes, sendo que vários disseram que o uso de medicamentos recreativos permitiu-lhes reduzir as doses de medicamentos prescritos para condições de saúde mental, o que foi uma mudança bem-vinda devido aos efeitos colaterais, muitas vezes, significativos de seus medicamentos prescritos.
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Outro ponto preocupante encontrado pela pesquisa foi a forte associação entre vulnerabilidade e o uso de substâncias entre o grupo estudado. Pesquisas anteriores já sugeriram que adultos autistas podem ter muito mais chances de ter experiências adversas de vida e estar em maior risco de suicídio do que outros.
Os achados do novo estudo indicam que os indivíduos autistas têm quatro vezes mais chances de relatar vulnerabilidade associada ao uso de substâncias em comparação com seus pares não autistas, incluindo dependência/vício, uso de drogas para lidar com traumas do passado e consumo associado ao suicídio.
A pesquisa identificou ainda duas novas áreas de vulnerabilidade não relatadas anteriormente: ser forçado, enganado ou consumir drogas acidentalmente; e uso de substâncias na infância (na idade de 12 anos ou menos).
Para os pesquisadores, ninguém deve sentir que precisa se automedicar para questões relacionadas à saúde mental sem orientação de um profissional. Identificar novas formas de apoio efetivo é urgente considerando as associações complexas entre uso de substâncias, saúde mental e gerenciamento de comportamento – particularmente porque comportamentos “camuflantes” e “compensadores” estão associados ao risco de suicídio entre os indivíduos autistas.
Os autores explicam também que, embora alguns dos resultados sugiram menor probabilidade de uso de substâncias em geral, os médicos não devem assumir que seus pacientes autistas não estão usando drogas.
O consumo de substâncias pode ser prejudicial e, por isso, os profissionais de saúde devem ter como objetivo estabelecer relações de confiança com pacientes autistas – e não autistas também – para promover conversas francas e honestas sobre o uso de drogas.
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