Quem tem o problema não percebe por causa do fenômeno conhecido como fadiga olfativa
Cármen Guaresemin Publicado em 23/06/2021, às 14h00 - Atualizado às 17h00
Muita gente acredita que o mau hálito, ou halitose, seja uma doença. Não é, mas pode ser um sinal de que algo não vai bem no organismo. O problema é muito comum e afeta cerca de 40% da população, de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde).
Um agravante para as pessoas que têm mau hálito constante é que, por causa do um fenômeno conhecido como fadiga olfativa, elas se adaptam ao odor e deixam de senti-lo. Isso porque o bulbo olfativo deixa de detectá-lo. Pelo mesmo motivo, deixamos de sentir o aroma do perfume que usamos há um tempo (e a tendência é aumentar a borrifada, para a tristeza de quem está ao redor).
Segundo o cirurgião-dentista Mário Sérgio Giorgi, integrante da Câmara Técnica de Dentística do Conselho Regional de Odontologia de São Paulo (Crosp), um dos maiores mitos sobre o assunto é exatamente este: fazer um autoteste para perceber se está com halitose. Exemplos: colocar as mãos no rosto e dar uma baforada, ou lamber o dorso da mão para sentir o cheiro depois.
“Esses autotestes não são confiáveis, pois existe uma condição chamada fadiga olfativa, ou fadiga olfatória, que impede o portador da halitose de perceber que está com uma alteração no hálito. Portanto, esses testes são considerados mitos para a Odontologia”, afirma Giorgi.
Ele cita outra crença muito comum, a de que apenas escovar os dentes resolve o problema, o que não é verdade. As pessoas imaginam que escovar, enchendo a escova de creme dental, dará aquela sensação de limpeza e refrescância, eliminando o mau hálito, mas isso também não funciona. “Quem sofre de mau hálito tenta usar desses recursos para mascarar o problema, consumindo também balas ou gomas de mascar mais fortes, mas não existe essa possibilidade de resolver a questão do hálito somente com a escovação ou com esses artifícios”, diz o dentista.
Segundo Giorgi, 90% dos agentes etiológicos da halitose, ou seja, dos causadores do mau hálito, estão na cavidade oral. Então, dizer que o mau hálito é um problema de estômago ou das vias aéreas superiores, como costumam falar, não é bem uma verdade.
Ele explica que as pessoas, muitas vezes, isolam as suas escovações e os cuidados com a higiene bucal e, como a maior parte dos agentes etiológicos está ali, isso leva ao surgimento de problemas como gengivite, periodontite, foco de infecção ou uma cárie dentária, por exemplo, que podem produzir o mau hálito. Mas, o fator principal, ele ensina, é a saburra lingual, ou língua suja, aquela camada esbranquiçada onde se acumulam todos os resíduos e microbactérias presentes na boca.
Mas há outras causas, como o péssimo hábito de fumar: “Entre as coisas que podem interferir no hálito, não há dúvida que temos o cigarro; o fumo realmente altera o hálito por causa da nicotina. Além disso, alguns alimentos e condimentos, como cebola, temperos fortes e alho, por exemplo, também podem afetar o hálito, mas isso acontece se a pessoa fizer o uso contínuo ou em uma condição exagerada”.
O dentista comenta que tudo que é colocado na cavidade oral, como aparelhos móveis, os braquetes com fios metálicos dos aparelhos fixos e os piercings podem ser prejudiciais para o hálito. Pois são metais, estruturas sólidas que acumulam biofilme, a película presente na boca e que, normalmente, reveste nossos dentes.
“Se a pessoa não fizer uma higienização correta, esses elementos podem, sim, colaborar para o surgimento do mau hálito. Portanto, em se tratando de piercings orais, a higiene bucal é fundamental e deve ser feita pela escovação dos dentes e limpeza da língua”.
E por que, independentemente de termos piercing, limpar a língua é importante? Quando falamos da saburra lingual, a higienização adequada só é feita quando se limpa a língua. Isso pode ser feito por uma raspagem, com um limpador de língua, ou com a escova lingual. A escova dental não foi feita para a higienização da língua, não é ideal para isso e, apesar de ser comumente utilizada para limpar a ponta da língua, ela não alcança corretamente o terço médio e o dorso posterior, que são mais difíceis de acessar. “Então, é preciso usar um limpador ou raspador de língua e uma escova lingual, que tem o perfil mais baixo (não tão alta quanto às escovas dentais) e, por isso, não provoca ânsias facilitando esse processo de higienização da língua”, aconselha.
Já o enxaguante bucal, segundo Giorgi, tem de ser utilizado com parcimônia e pela indicação profissional: “O cirurgião-dentista é quem sabe a necessidade da utilização do enxaguante bucal diante de um procedimento realizado, em uma etapa pós-cirurgia ou durante tratamentos ortodônticos ou periodontais para que dê uma condição melhor de limpeza ao paciente aliada à escovação. Nesses casos, sim, há indicação”.
E o dentista enfatiza que há pessoas que imaginam que comprar um enxaguante oral de um ou dois litros, daqueles que vêm com copinhos para fazer bochecho vai resolver o problema: “Pelo contrário, alguns agentes, especialmente enxaguantes, têm o que chamamos de LSS (lauril sulfato de sódio), que tem a característica de ressecar a mucosa da boca. Ele dá a sensação de limpeza, mas seca a mucosa e, com isso, pode descamar e se alojar no dorso da língua, potencializando ainda mais a formação da saburra. Então, é um equívoco se utilizar o enxaguante sem uma indicação profissional”.
E agora, em plena pandemia, usar máscara de proteção, ajuda ou atrapalha nos casos de mau hálito? Segundo o dentista, o fato é que, hoje, a máscara é um anteparo no rosto que não vai permitir que você sinta o hálito do outro. Assim, o processo de identificação da halitose pode ser mais difícil.
Também é muito comum que aqueles que estão próximos fiquem constrangidos em informar a pessoa que ela está com mau hálito. Deste modo, o problema acaba gerando consequências de ordem social. Isso se transforma em um empecilho que pode criar restrições sociais, provocando alterações de comportamento, insegurança ao se aproximar das pessoas, tristeza profunda, dificuldade em estabelecer relações amorosas, esfriamento do relacionamento entre o casal, timidez, dificuldade para sorrir, ansiedade, baixo desempenho profissional quando o trabalho requer contato com outras pessoas, entre outros.
Se a pessoa perceber o mau hálito ou for avisada disso, deve procurar um consultório odontológico para fazer os testes, como o organoléptico (teste sensorial baseado na percepção do mau hálito de um indivíduo, por um examinador) e o teste de cromatografia (utiliza uma aparelhagem com uma chama fotométrica detectora, específica para detectar enxofre no hálito), para identificar os odores e odorivetores.
Importante: se você quiser avisar alguém que tenha este problema e não tem coragem, a Associação Brasileira de Halitose (ABHA) pode ajudar. Ela entrará em contato com o portador por e-mail, sem revelar quem fez a indicação, dentro de um prazo médio de 10 dias úteis. É só clicar aqui.
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