Autor de "Apollo’s Arrow" prevê retorno à normalidade em 2024, com ciclo de alto consumo e busca por grandes eventos políticos e sociais
Guilherme Ravache Publicado em 10/01/2021, às 06h00
Se você tiver que ler um livro sobre a pandemia, minha sugestão é Apollo’s Arrow, de Nicholas Christakis. Sociólogo e médico, o autor realiza pesquisas nas áreas de redes sociais e ciências biossociais, além de ser co-diretor do Institute for Network Science, em Yale. No livro, Christakis contextualiza cientificamente a pandemia com uma clareza surpreendente e, principalmente, oferece perspectivas históricas de eventos similares. E acredite, pode parecer diferente, mas a humanidade já passou por pandemias diversas vezes.
O título da obra, Apollo’s Arrow (Flecha de Apolo), é uma alusão à praga que o deus desencadeia contra os aqueus pelo sequestro da filha de seu sacerdote Chryses no Livro Um da Ilíada de Homero. Ou seja, desde a Grécia Antiga há registros da humanidade convivendo com pragas. “Houve a praga de Atenas em 430 AC. A praga de Justiniano em 541. A Peste Negra em 1347. A gripe espanhola de 1918 ”, lembra Christakis.
O fato de Christakis realizar estudos na área de redes sociais é fundamental, uma vez que o autor, além de explicar a parte científica sobre o vírus, analisa de maneira reveladora o que significa viver durante uma pandemia. O livro é abrangente, cobrindo aspectos relevantes da epidemiologia, comportamento humano, redes sociais, tecnologia, imunologia e matemática aplicada.
Christakis deixa evidente que os EUA e o Brasil poderiam ter seguido um caminho diferente (e menos pior). “A trajetória ascendente à medida que a pandemia inicialmente se enraizava em cada nação foi terrivelmente semelhante”, observa ele. Enquanto países como Vietnã, Mongólia, Nova Zelândia e Japão rapidamente implementaram estratégias de teste e rastreamento, que evidenciavam o papel dos chamados eventos de "superespalhamento" na transmissão de Covid-19 e foram capazes de controlar a epidemia, outros países, incluindo os EUA, o Reino Unido, a Índia e o Brasil, não o fizeram, revelando os efeitos conjuntos de sistemas de saúde pública deficientes, subfinanciados e a falta de experiência em lidar com doenças que, como o Covid-19, requerem uma abordagem de sistemas complexos para controlá-la.
Segundo Christakis, já no começo da pandemia surgiram sinais preocupantes. “Aprendemos que na Índia, por razões pouco claras, pessoas mais jovens morreram em proporções maiores do que em outros países. Aquele país estava sendo tão atingido que recorreu ao uso de vagões para criar mais 8.000 leitos para pacientes do Covid-19 na capital. Ao mesmo tempo, o vírus ressurgiu na China e em outros países populosos, como a Coreia do Sul, que anteriormente o controlava com sucesso”.
“No Brasil, cujo presidente, Jair Bolsonaro, desprezou tanto o que chamou de “gripezinha” que um juiz federal teve de ordenar que ele usasse uma máscara, o vírus se espalhou. Na verdade, como Boris Johnson na Inglaterra antes dele, Bolsonaro também se infectou. Indícios muito preliminares também surgiram em laboratórios de genética de todo o mundo de que o vírus pode ter certas variantes que são piores para os humanos - mais mortais ou mais infecciosas, ou ambos. E, com o passar do tempo, começaram a se acumular informações sobre a morbidade de longo prazo associada ao vírus; alguns pacientes ficariam debilitados por meses após a recuperação.”
Além de Bolsonaro e Boris Johnson, o autor também não poupa os governos da China e dos Estados Unidos. A China, por tentar esconder a gravidade da pandemia no início; e os Estados Unidos, por ignorar os conselhos dos membros de órgãos científicos do próprio governo.
Mas Christakis também mostra que estes mesmos países no passado já foram referência no combate a epidemias. Então, o que mudou? Basicamente, as lideranças e o senso de “comunidade”, além do surgimento das redes sociais, que aceleraram a disseminação das fake news, aumentando a desconfiança pública em relação a medidas que do ponto de vista científico são senso comum.
A boa notícia é que como outras pandemias, esta também passará.
“Por alguns anos depois de alcançarmos a imunidade coletiva ou de termos uma vacina amplamente distribuída, as pessoas ainda estarão se recuperando do choque clínico, psicológico, social e econômico geral da pandemia e dos ajustes necessários, talvez até 2024. Chamo isso de período pandêmico intermediário. Então, gradualmente, as coisas voltarão ao “normal” - embora em um mundo com algumas mudanças persistentes. Por volta de 2024, o período pós-pandêmico provavelmente começará”.
O autor prevê que a resistência à globalização e à vida urbana não devem persistir após 2024, uma vez que os benefícios econômicos dessas tendências de longo prazo são muito atraentes. Mas haverá outros efeitos colaterais remanescentes do vírus e nossas respostas a ele. Se a história é um guia, parece provável que o consumo voltará com força. Os períodos de austeridade impulsionados pela peste são frequentemente seguidos por períodos de grandes gastos.
Agnolo di Tura, um sapateiro e coletor de impostos que fez a crônica da Peste Negra em 1348, observou: “E então, quando a pestilência diminuiu, todos os que sobreviveram se entregaram aos prazeres: monges, padres, freiras e leigos, todos se divertiram, e nenhum preocupado com gastos e jogos de azar. E todos se consideravam ricos porque escaparam e conquistaram o mundo”.
Se os "loucos anos 20" após a pandemia de 1918 servirem de guia, o aumento da religiosidade e abstinência dos períodos imediato e intermediário podem dar lugar a expressões crescentes para assumir riscos, intemperança e ‘joie de vivre’ (alegria de viver) no período pós-pandêmico. “As pessoas buscarão incansavelmente oportunidades para se misturar socialmente em maior escala, em eventos esportivos, concertos e comícios políticos”.
“Não podemos prever todas as maneiras pelas quais nossas vidas irão mudar e, em cinquenta anos, podemos nem mesmo lembrar quais mudanças a pandemia catalisou. Por exemplo, cuspidas em público eram comuns nos Estados Unidos até o início do século XX. Mas ambas foram abandonadas em parte por causa da pandemia de influenza de 1918, quando foram corretamente vistas como anti-higiênicas”.
“Para um exemplo mais recente, eu já estava na idade adulta quando ficou óbvio para o mundo que voar em um espaço fechado ou esperar em um hospital para um procedimento médico não eram momentos oportunos para acender um cigarro. Em retrospectiva, essas práticas incomuns parecem ridículas. Não entramos em restaurantes e nos perguntamos por que não há escarradeiras, e as placas de PROIBIDO FUMAR nos aviões parecem uma formalidade abstrata. Esquecemos como o mundo costumava ser”.
A pandemia passará, mas deixará lições. Nos EUA, por exemplo, a resposta chegou rapidamente para Trump nas eleições. Agora, é esperar que a memória do brasileiro não falhe e as lições sejam aprendidas. E mais, por pior que seja a Covid-19, temos sorte de não ser tão ruim quanto epidemias de peste bubônica, cólera e varíola. Este livro fará você refletir em diversos aspectos.
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