Redação Publicado em 11/08/2021, às 14h00
Uma dúvida que sempre esteve na cabeça dos cientistas: “Será que os professores de matemática e os gênios da aritmética de hoje nasceram com uma vantagem biológica?”. Um novo estudo começou a descobrir se a habilidade matemática de um indivíduo está associada a concentrações de dois neurotransmissores essenciais envolvidos na aprendizagem.
Os pesquisadores, liderados por Roi Cohen Kadosh, professor de neurociência cognitiva, e George Zacharopoulos da Universidade de Oxford, no Reino Unido, analisaram os níveis de Gaba e de glutamato no cérebro para ver se esses neurotransmissores poderiam prever a habilidade matemática para o futuro. Gaba (ácido gama-aminobutírico) e glutamato são aminoácidos de ocorrência natural que têm funções complementares: o primeiro inibe ou reduz a atividade dos neurônios ou células nervosas no cérebro, enquanto o último os torna mais ativos. Seus níveis variam ao longo da vida.
Os cientistas se concentraram nesses aminoácidos, porque sabem que esses neurotransmissores são atores-chave na neuroplasticidade, aprendizagem e cognição. Escolheram a matemática, pois é uma habilidade cognitiva complexa, que leva anos (se é que leva) para obter conhecimento real. Para eles, essa combinação tornou o experimento realmente interessante, pois puderam ver como Gaba e glutamato estão envolvidos em uma habilidade cognitiva complexa que leva anos para amadurecer.
Kadosh e seus colegas não apenas encontraram uma ligação, mas também descobriram que os níveis desses neurotransmissores mudavam à medida que as crianças se transformavam em adultos. A pesquisa foi publicada na revista PLOS Biology.
Como parte do estudo, os pesquisadores submeteram 255 participantes, com idades entre 6 anos e nível universitário, a dois testes de desempenho em matemática, com intervalo de 1,5 ano, e analisaram seus desempenhos. Eles, então, correlacionaram os resultados do teste com os níveis de Gaba e glutamato em seus cérebros. As crianças que tinham níveis mais altos de Gaba em uma região do cérebro chamada sulco intraparietal esquerdo (IPS) pontuaram mais alto em testes de matemática. Por outro lado, aquelas com glutamato alto no IPS tiveram pontuações mais baixas nos testes.
No entanto, para os adultos, os cientistas notaram exatamente o oposto. Aqueles com altos níveis de glutamato em seus cérebros tiveram melhores pontuações nos testes de matemática e aqueles com altas concentrações de Gaba tiveram pontuações mais baixas. Depois de testar os participantes duas vezes, e com 1,5 ano de intervalo, os pesquisadores descobriram que adultos com menor Gaba obtiveram notas altas no primeiro teste de matemática e se saíram bem no segundo também.
Essa abordagem longitudinal que os cientistas buscaram os ajudou a prever a habilidade matemática para o futuro. As descobertas também mostram que os níveis de Gaba e glutamato no cérebro mudam mais tarde, na puberdade. Isso sugere que o papel que esses neurotransmissores desempenham difere durante o desenvolvimento de uma pessoa.
O resultado que mais nos surpreendeu foi que a ligação entre Gaba e glutamato e a habilidade matemática foi trocada da infância para a idade adulta. Isso nos diz que a relação entre Gaba e glutamato e a aquisição de destreza/habilidade não é semelhante em todos os estágios de desenvolvimento e depende de nossa idade”, afirmou Kadosh
Especialistas comentaram que é sabido que, durante o desenvolvimento do cérebro, as coisas mudam e a sensibilidade de uma região do cérebro a um determinado neurotransmissor pode ser afetada à medida que o cérebro se desenvolve e amadurece. Portanto, embora seja o mesmo transmissor, como Gaba ou glutamato, os efeitos podem ser diferentes no início e mais tarde no desenvolvimento de como eles podem funcionar ou afetar o cérebro. A mudança, em uma idade precoce, também pode ser um marcador indicando que certas pessoas são mais propensas a melhorar as habilidades matemáticas.
Os autores do estudo dizem que essa mudança nos níveis de neurotransmissores durante o desenvolvimento também destaca um “princípio desconhecido de plasticidade”. A plasticidade cerebral, também chamada de neuroplasticidade, é a capacidade do sistema nervoso de mudar e reconectar suas conexões e estrutura em resposta a estímulos, como aprendizado e experiência.
A ligação que os cientistas encontraram entre plasticidade e excitação do cérebro (via glutamato) e inibição (via Gaba) em diferentes estágios de desenvolvimento, sugere que essa ligação não é fixa e pode mudar com o tempo, dando-nos uma visão mais aprofundada do processo de desenvolvimento do cérebro.
Uma deficiência do estudo é o grupo limitado de participantes, o que significa que os resultados podem não ser generalizáveis a outros grupos raciais ou étnicos. A equipe admitiu que seria preciso examinar esse ponto. Eles, no entanto, acreditam que a resposta será positiva, embora a região exata do cérebro possa ser diferente, pois a forma como se ensina matemática pode variar de uma cultura para outra.
Para outros pesquisadores, este estudo, por si só, não propõe uma forma de manipular esses neurotransmissores ou como usar essas informações para tomar uma decisão sobre a melhor forma de ensinar as pessoas. Embora existam drogas que podem afetar os níveis desses transmissores, como os antidepressivos, a verdadeira questão é determinar se eles ajudariam mais cedo, mais tarde ou em estados de doença específicos conhecidos.
Com isso, também vem o desafio de não afetar outras funções do cérebro. Como esses mesmos neurotransmissores estão envolvidos em uma rede complexa de funções, uma mudança em qualquer um deles pode ter resultados indesejados se o equilíbrio for interrompido. Isso porque não se pode mudar o equilíbrio dos neurotransmissores e esperar que apenas as realizações matemáticas melhorem sem potencialmente causar um efeito negativo em outras questões, como ansiedade, depressão, humor, etc. Isso é algo que precisa ser mais estudado no futuro.
Kadosh disse que é melhor ter cuidado ao interpretar esses dados em aplicações da vida real. No entanto, o estudo abriu uma área de grande potencial. Para ele, como a pesquisa se concentrava apenas em crianças, adolescentes e adultos saudáveis, é muito prematuro falar sobre as implicações clínicas nesta fase.
Para ele, seria interessante no futuro ver como esses resultados apareceriam em pessoas com dificuldades de aprendizagem, e se a manipulação de Gaba e/ou glutamato poderia melhorar a aprendizagem e a educação. Entretanto, saber que existe uma dependência da idade pode afetar a forma como ensinamos ou melhoramos as habilidades matemáticas de crianças pequenas e mais velhas.
As implicações clínicas [deste estudo] é que a forma como nos propomos a usar esse conhecimento para melhorar, por exemplo, o desempenho matemático, vai variar dependendo da idade que você deseja tentar prever uma intervenção que gostaria”, afirmou.
Os próximos passos da pesquisa podem ser chegar a melhores estratégias para ensinar e ajudar os alunos a aprender matemática e explorar a possibilidade de fazer intervenções de aprendizagem para melhorar a cognição. Kadosh disse que espera examinar o desenvolvimento de programas de intervenção baseados no cérebro no futuro.
“Estamos trabalhando em métodos de neuroestimulação para melhorar o aprendizado e a cognição. Examinamos a aplicação em populações clínicas (crianças e adultos) e não clínicas (apenas adultos). Estudos anteriores sugeriram que esses métodos podem alterar o Gaba e/ou o glutamato. Esperamos que isso abra caminhos para melhorar o aprendizado e a cognição daqueles que precisam disso”, finaliza.
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