Cidades vivem surto de hepatite A; saiba como se proteger

Município de São Paulo liberou vacina para homens que fazem sexo com homens

Tatiana Pronin Publicado em 02/11/2023, às 09h00

Hepatite A pode ser transmitida pelo sexo oro-anal - iStock

Pelo menos três cidades têm registrado aumento importante nos casos de hepatite A, doença viral transmitida por meio de atividade sexual desprotegida, em especial pelo sexo oro-anal (contato entre boca e região anal), ou por água e alimentos contaminados por fezes. São Paulo, Porto Alegre e Florianópolis divulgaram alertas sobre a doença nos últimos meses.

Homens que fazem sexo com homens

No município de São Paulo, o surto fez com que a prefeitura passasse a oferecer a vacina de graça para homens que fazem sexo com homens (HSH), população que inclui gays e homossexuais. Eles podem receber a vacina nas unidades municipais SAEs (Serviços de Assistências Especializada). Até o fim de setembro, foram notificados 225 casos na cidade, contra 145 no mesmo período do ano anterior, o que reflete uma alta de 55%.

Em Florianópolis, a Secretaria Municipal de Saúde relatou um total de 113 casos nos primeiros nove meses do ano, contra apenas 11 no mesmo período de 2022. Em Porto Alegre, até julho deste ano, foram notificados 117 casos de hepatite A, contra 23 no primeiro semestre de 2022. Essas localidades não anunciaram a disponibilização da vacina para a população HSH. 

País tem meta de eliminar a doença

Procurado, o Ministério da Saúde informou que tem monitorado de forma permanente a incidência de casos de hepatite A no país. Comentou, ainda, que em abril deste ano, a pasta instituiu o Comitê Interministerial para a Eliminação da Tuberculose e de Outras Doenças Determinadas Socialmente (CIEDDS), o que inclui a hepatite A.

Apesar da meta de eliminar ou controlar a doença até 2030, a pasta só disponibiliza a vacina contra hepatite A gratuitamente para crianças pequenas e adultos com algumas condições de saúde. A imunização foi incluída no Programa Nacional de Imunizações (PNI) em 2014, o que significa que as novas gerações estão mais protegidas. Mas ainda há muitos adultos que não tomaram as duas doses da vacina, por que têm de pagar para isso.

Se a vacinação para a população HSH for provisória/temporária, certamente teremos novos surtos no futuro quando ela for interrompida”,

alerta o médico infectologista Rico Vasconcelos, pesquisador da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).

O médico conta que São Paulo já teve um surto parecido em 2017 e 2018, que também foi controlado com vacinação da população HSH. O problema é que, com baixa nos estoques, o município acabou interrompendo a iniciativa para essa categoria, e a retomou somente no mês passado, com aumento dos casos.

O Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde mostra que os números de casos de hepatite A no país têm caído progressivamente desde 2010. Os dados mais recentes são relativos ao ano passado, quando o país teve confirmados 756 casos da doença. Apesar de ser menos grave do que outras hepatites virais, há risco de complicações, como a hepatite fulminante, que pode levar a morte. De 2000 a 2021, o Ministério da Saúde registrou 922 mortes por hepatite A.

Sinais e sintomas da hepatite A

Quando presentes, podem incluir fadiga, mal-estar, febre e dores musculares. Esses sintomas iniciais podem ser seguidos de sintomas gastrointestinais como: enjoo, vômitos, dor abdominal, constipação ou diarreia.  A presença de urina escura ocorre antes do início da fase onde a pessoa pode ficar com a pele e os olhos amarelados (icterícia). Os sintomas costumam aparecer de 15 a 50 dias após a infecção e duram menos de dois meses.

O diagnóstico da infecção atual ou recente é realizado por exame de sangue, no qual se pesquisa a presença de anticorpos anti-HAV IgM (infecção inicial), que podem permanecer detectáveis por cerca de seis meses. É possível também fazer a pesquisa do anticorpo IgG para verificar infecção passada ou então a resposta vacinal de imunidade. Após a evolução para a cura, os anticorpos produzidos impedem nova infecção, produzindo uma imunidade duradoura.

Tratamento

Não há nenhum tratamento específico para hepatite A. O mais importante é evitar a automedicação, uma vez que certos medicamentos tóxicos ao fígado podem piorar o quadro. O médico pode prescrever o tratamento mais adequado para dar alívio e garantir o balanço nutricional adequado, incluindo a reposição de fluidos perdidos pelos vômitos e diarreia. A hospitalização está indicada apenas nos casos de insuficiência hepática aguda, que podem ser fatais.

Prevenção

Vacina

A vacina contra a hepatite A é altamente eficaz e segura e é a principal medida de prevenção contra a hepatite A.Atualmente, faz parte do calendário infantil, no esquema de 1 dose aos 15 meses de idade (podendo ser utilizada a partir dos 12 meses até 5 anos incompletos – 4 anos, 11 meses e 29 dias). É importante que os pais, cuidadores e profissionais de saúde estejam atentos para garantir a vacinação de todas as crianças. 

Além disso, a vacina está disponível nos Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais (CRIE), no esquema de 2 doses – com intervalo mínimo de 6 meses – para pessoas acima de 1 ano de idade com as seguintes condições:

Hepatites virais no Brasil

No período de 2000 a 2022, foram diagnosticados, no Brasil, 750.651 casos de hepatites virais, segundo dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). Destes:

Entre 2000 e 2021, ocorreram 85.486 óbitos por hepatites virais. Veja, a seguir, mais informações sobre as hepatites B, C, D e E:

Hepatite B

Na maioria dos casos não apresenta sintomas e muitas vezes é diagnosticada décadas após a infecção, com sinais relacionados a outras doenças do fígado, como cansaço, tontura, enjoo/vômitos, febre, dor abdominal, pele e olhos amarelados. A principal forma de prevenção é por meio da vacinação, disponível na rede pública e privada.

Outras formas de prevenção devem ser observadas, como usar camisinha em todas as relações sexuais e não compartilhar objetos de uso pessoal, como lâminas de barbear e depilar, escovas de dente, material de manicure e pedicure, equipamentos para uso de drogas, confecção de tatuagem e colocação de piercings. 

A hepatite B pode ser transmitida da mãe para o filho durante a gestação ou durante o parto (transmissão vertical). Caso não seja evitada, pode implicar em uma evolução desfavorável para o bebê, que apresenta maior chance de desenvolver a hepatite B crônica. A investigação para a doença deve ser feita em todas as gestantes no pré-natal.

A hepatite B não tem cura. Entretanto, o tratamento disponibilizado no SUS objetiva reduzir o risco de progressão da doença e suas complicações, especificamente cirrose, câncer hepático e morte. Os medicamentos disponíveis para controle da hepatite B são a alfapeginterferona, o tenofovir desoproxila (TDF), o entecavir e o tenofovir alafenamida (TAF).

Hepatite C

É um processo infeccioso e inflamatório causado pelo vírus C da hepatite e que pode se manifestar na forma aguda ou crônica, sendo esta segunda a forma mais comum. A hepatite crônica pelo HCV é uma doença de caráter silencioso que evolui sorrateiramente e se caracteriza por um processo inflamatório persistente no fígado.

O surgimento de sintomas em pessoas com hepatite C é muito raro, sendo que cerca de 80% das pessoas não apresentam qualquer manifestação. Por isso, a testagem espontânea da população prioritária é tão importante no combate a este agravo. Aproximadamente 60% a 85% dos casos se tronam crônicos e, em média, 20% evoluem para cirrose ao longo do tempo. Uma vez estabelecido o diagnóstico de cirrose hepática, o risco anual para o surgimento de câncer de fígado é de 1% a 5%.

A transmissão do HCV pode acontecer por:

Se o teste de anti-HCV for positivo, é necessário realizar um exame de carga viral (HCV-RNA) para confirmar a infecção ativa pelo vírus. Após esses exames o paciente poderá ser encaminhado para o tratamento, ofertado gratuitamente pelo SUS, com medicamentos capazes de curar a infecção e impedir a progressão da doença.

Não existe vacina contra a hepatite C. Para evitar a infecção é importante:

Hepatite D

Também chamada de Delta, está associada com a presença do vírus do B da hepatite para causar a infecção e inflamação das células do fígado. Existem duas formas de infecção pelo HDV: coinfecção simultânea com o HBV e superinfecção do HDV em um indivíduo com infecção crônica pelo HBV. A hepatite D crônica é considerada a forma mais grave de hepatite viral crônica, com progressão mais rápida para cirrose e um risco aumentado para descompensação, câncer e morte. 

As formas de transmissão são idênticas as da hepatite B, e incluem relações sexuais sem preservativo com pessoa infectada; transmissão da mãe para o filho na gestação ou parto; compartilhamento de seringas, agulhas lâminas de barbear e depilar, alicates de unha etc; tatuagem, piercings e outros procedimentos cirúrgicos ou odontológicos que não cumprem normas de biossegurança; contato com cortes e feridas; e transfusões de sangue no período anterior a 1993. 

Da mesma forma que as outras hepatites, a do tipo D pode não apresentar sintomas ou sinais da doença. Quando presentes, os mais frequentes são: cansaço, tontura, enjoo e/ou vômitos, febre, dor abdominal, observação de pele e olhos amarelados, urina escura e fezes claras. O diagnóstico sorológico da hepatite D é baseado na detecção de anticorpos anti-HDV. 

Os medicamentos não curam a hepatite D. O objetivo principal do tratamento é o controle do dano hepático. Todos os pacientes portadores de hepatite Delta são candidatos às terapias disponibilizadas pelo SUS, atualmente compostas por alfapeguinterferona 2a e/ou um análogo de núcleostídeo. Além do tratamento medicamentoso orienta-se que não se consuma bebidas alcoólicas. 

A imunização para hepatite B é a principal forma de prevenção da doença, sendo universal no Brasil desde 2016. Outras medidas envolvem: uso de preservativo em todas as relações sexuais, não compartilhar de objetos de uso pessoal - como lâminas de barbear e depilar, escovas de dente, material de manicure e pedicure, equipamentos para uso de drogas, confecção de tatuagem e colocação de piercings. Além disso, toda mulher grávida precisa fazer o pré-natal e os exames para detectar a hepatites. 

Hepatite E

É uma infecção causada pelo vírus E (HEV), que causa hepatite aguda de curta duração e autolimitada. Na maioria dos casos é uma doença de caráter benigno, mas pode ser grave na gestante e raramente causa infecções crônicas em pessoas que tenham algum tipo de imunodeficiência.

O vírus HEV é transmitido principalmente pela via fecal-oral, pelo consumo de água contaminada e em locais com infraestrutura sanitária frágil. Outras formas de transmissão incluem: ingestão de carne mal cozida ou produtos derivados de animais infectados (por exemplo, fígado de porco); transfusão de produtos sanguíneos infectados; e transmissão vertical de uma mulher grávida para seu bebê.

Geralmente, o vírus causa hepatite aguda de curta duração e autolimitada (2 – 6 semanas) em adultos jovens e é clinicamente indistinguível de outras causas de hepatite viral aguda. Embora a infecção ocorra também em crianças, elas geralmente não apresentam sintomas ou apenas uma doença leve sem icterícia que não é diagnosticada.

Os sinais e sintomas, quando presentes, incluem inicialmente fadiga, mal-estar, febre, dores musculares. Esses sintomas iniciais podem ser seguidos de enjoo, vômitos, dor abdominal, constipação ou diarreia, presença de urina escura e pele e os olhos amarelados (icterícia). A hepatite fulminante ocorre com mais frequência quando a hepatite E ocorre durante a gravidez, e pode levar a perda fetal, insuficiência hepática aguda e morte.

O teste para a pesquisa de anticorpos IgM anti-HEV pode ser usado para o diagnóstico da infecção recente pelo HEV. Anticorpos IgG anti-HEV são encontrados desde o início da infecção, com pico entre 30 e 40 dias após a fase aguda da doença, e podem persistir por até 14 anos. A detecção da viremia em amostras de fezes, por RT-PCR, auxilia no diagnóstico dos casos agudos de hepatite E. 

Da mesma forma que a hepatite A, a hepatite E não tem um tratamento específico. O mais importante evitar a automedicação para alívio dos sintomas, já que o uso de medicamentos desnecessários ou que são tóxicos ao fígado podem piorar o quadro. O médico pode prescrever o tratamento mais adequado para trazer conforto ao paciente e garantir o balanço nutricional adequado, incluindo a reposição de fluidos perdidos pelos vômitos e diarreia.

É desaconselhado o consumo de bebidas alcoólicas. A internação só é indicada em pacientes com quadro clínico mais grave, principalmente mulheres grávidas. Em pacientes imunossuprimidos, como transplantados de órgãos sólidos, com Aids e em terapia com imunobiológicos (como rituximab) há o risco de infecção crônica pelo vírus da hepatite E (HEV) e necessidade de tratamento com antivirais.

A melhor forma de evitar a doença é melhorando as condições de saneamento básico e de higiene, como lavar as mãos; lavar alimentos com água tratada, clorada ou fervida; cozinhar bem os alimentos; usar instalações sanitárias; desinfetar objetos, bancadas e chãos de creches, escolas, lanchonetes, restaurantes e instituições fechadas; não tomar banho perto de valões, riachos, chafarizes, enchentes ou próximo de onde haja esgoto; evitar a construção de fossas próximas a poços e nascentes de rios.

Fontes: Ministério da Saúde; Secretaria da Saúde do Estado de S.Paulo

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