Um novo filme biográfico sobre a cantora Amy Winehouse, "Back to Black", estreia no cinema este mês, e traz de novo à tona o motivo de sua morte precoce – o consumo excessivo de álcool. Desde 2011, ano em que o mundo perdeu essa artista inesquecível, especialistas têm chamado atenção para os riscos do uso pesado de bebida alcoólica, também conhecido como “binge drinking”, especialmente para as mulheres.
Em um artigo publicado no The Conversation, a neurocientista Nikki Crowley, professora assistente de biologia da Universidade Penn State, nos EUA, conta que quase 13 anos depois da morte de Winehouse, o uso pesado de álcool continua sendo uma crise de saúde pública em muitos países. [Entende-se por uso pesado mais quatro doses de bebida em cerca duas horas para as mulheres; ou maios de cinco doses, para os homens, sendo que cada dose equivale a uma lata de cerveja, uma taça de vinho ou um shot de destilado.]
Nikki conta que os dias de "bebedeira pesada" aumentaram 41% para as mulheres norte-americanas durante a pandemia de Covid-19. E mulheres adultas na faixa dos 30 e 40 anos têm aumentado progressivamente suas taxas de beber pesado, sem evidências de que essas tendências estejam diminuindo.
A neurobióloga tem focado seus estudos nos produtos químicos e nas regiões cerebrais que estão por trás da dependência do álcool. Ela conta que neuropeptídeos – moléculas de sinalização únicas no córtex pré-frontal (uma das principais regiões cerebrais no processo de tomada de decisão e recompensa) – são alterados pela exposição repetida ao consumo excessivo de álcool em modelos animais.
“Meu laboratório se concentra em entender como coisas como o álcool alteram esses sistemas cerebrais antes do diagnóstico de dependência, para que possamos informar melhor os esforços tanto para a prevenção quanto para o tratamento”, relata.
Embora o consumo problemático de álcool seja um problema tão antigo quanto o uso da substância, foi somente em 2011 que a American Society of Addiction Medicine reconheceu a dependência de substâncias como um distúrbio cerebral – o mesmo ano da morte de Winehouse. O “transtorno por uso de álcool” é, atualmente, o termo usado pelos especialistas, em detrimento de termos ultrapassados como “alcoólatra” ou “alcoolismo”.
Pesquisadores e clínicos fizeram grandes progressos na compreensão de como e por que as drogas como o álcool alteram o cérebro. As pessoas consomem bebida alcoólica por causa dos sentimentos recompensadores e positivos que ela gera, como quando celebramos com os amigos. Mas o que começa como um consumo gerenciável pode rapidamente se degenerar em ciclos de consumo excessivo seguidos de abstinência da droga.
Embora todas as formas de consumo de álcool tragam riscos à saúde, o beber pesado parece ser particularmente perigoso devido à forma como os ciclos repetidos entre um estado de embriaguez e um estado de abstinência afetam o cérebro. Para algumas pessoas, por exemplo, o uso de álcool pode levar à "angústia pós-bebedeira" (ou “hanxiety”), um tipo de ansiedade que acompanha a ressaca.
Episódios repetidos de embriaguez, juntamente com a abstinência, podem se tornar um ciclo vicioso, levando a recaídas e reutilização do álcool. Em outras palavras, o uso da bebida deixa de ser recompensador para ser apenas uma forma de aliviar uma sensação ruim.
Com o uso repetido de álcool ao longo do tempo, as áreas do cérebro envolvidas podem se afastar daquelas tradicionalmente associadas ao uso de drogas e recompensa e prazer para regiões cerebrais mais comumente envolvidas no estresse e na ansiedade.
Todas essas etapas de consumo, desde o prazer do álcool até a abstinência e o desejo, alteram continuamente o cérebro e suas vias de comunicação. Dezenas de neurotransmissores e receptores são afetados, tornando complicada a compreensão de seu mecanismo de ação.
O que o laboratório onde Nikki atua descobriu em modelos animais submetidos a altas doses de álcool é que certos subtipos de neurônios perdem a capacidade de se comunicar adequadamente entre si. Em alguns casos, o consumo excessivo pode remodelar o cérebro de forma permanente. “Mesmo após um período prolongado de abstinência, as conversas entre os neurônios não voltam ao normal”, comenta.
Pesquisadores como nós ainda não entendem completamente por que algumas pessoas podem ser mais suscetíveis a essa mudança, mas provavelmente isso tem a ver com fatores genéticos e biológicos, bem como os padrões e circunstâncias sob os quais o álcool é consumido”, acrescenta.
Embora os cientistas estejam entendendo cada vez mais a mistura de fatores biológicos envolvidos na dependência, as mulheres são uma população negligenciada nas pesquisas.
Elas podem ser mais propensas do que os homens a ter alguns dos efeitos mais catastróficos para a saúde causados pelo uso de álcool, como problemas no fígado, doenças cardiovasculares e câncer.
Quando as mulheres consomem até mesmo níveis moderados de álcool, seu risco para vários tipos de câncer aumenta, incluindo câncer digestivo, de mama e pancreático, entre outros problemas de saúde.
Portanto, o aumento das taxas de transtorno do uso de álcool em mulheres exige uma maior atenção às mulheres nos estudos e na busca por tratamentos. No entanto, elas têm sido sub-representadas nas pesquisas.
Foi somente em 1993 que as pesquisas clínicas financiadas pelos Institutos Nacionais de Saúde, nos EUA, passaram a ser obrigadas a incluir mulheres como sujeitos de pesquisa, por exemplo. Isso deixa médicos e pesquisadores com uma compreensão incompleta sobre a dependência de álcool.
Também há evidências crescentes de que substâncias viciantes podem interagir com hormônios sexuais cíclicos, como estrogênio e progesterona. Pesquisas mostram que quando os níveis de estrogênio estão altos, como antes da ovulação, o álcool pode parecer mais recompensador, o que poderia levar a níveis mais altos de bebedeira.
Nikki afirma que pesquisadores e legisladores estão reconhecendo a necessidade de se fazer mais pesquisas sobre a saúde das mulheres, um passo vital para que no futuro se possa desenvolver melhores opções de prevenção e tratamento.
Enquanto mulheres como Amy Winehouse podem ter sido forçadas a lutar tanto privada quanto publicamente com transtornos relacionados ao uso de substâncias e álcool, o foco crescente da pesquisa sobre dependência de álcool e outras substâncias como um distúrbio cerebral abrirá novos caminhos de tratamento para todos que sofrem com as suas consequências”.
Fonte: The Conversation
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Tatiana Pronin
Jornalista e editora do site Doutor Jairo, cobre ciência e saúde há mais de 20 anos, com forte interesse em saúde mental e ciências do comportamento. Vive em NY. Twitter: @tatianapronin