Um comportamento alarmante tem ganhado espaço nas redes sociais no Brasil e no exterior: jovens compartilham, com orgulho, objetos furtados em lojas ou farmácias (chamados de "colheitas"), e ainda usam a hashtag #clepto ou #cleptogirl para ganhar repercussão.
A hashtag deriva do termo cleptomania, um transtorno psiquiátrico caracterizado por um impulso incontrolável de roubar. Essa apropriação indevida tem gerado preocupação entre especialistas em saúde mental, que alertam para as consequências desses atos na vida dos jovens e, ainda, para a seriedade do transtorno mental.
A cleptomania é um transtorno do controle de impulso, no qual a pessoa sente uma compulsão irresistível de furtar objetos, muitas vezes sem valor significativo ou utilidade pessoal. Segundo a psiquiatra Jéssica Martani, esse transtorno não é apenas um comportamento inadequado, mas sim uma condição médica que requer tratamento sério:
“Quando vemos jovens glorificando furtos com a hashtag #clepto, isso pode banalizar a cleptomania e promover comportamentos delinquentes".
Vale acrescentar que a cleptomania não é um transtorno tão comum quanto as mídias levam a crer: estima-se que 0,3 a 0,6% da população geral apresente a condição. “Porém os dados não são totalmente fidedignos porque a cleptomania é frequentemente subdiagnosticada devido ao estigma”, pondera Jéssica.
A psiquiatra comenta que muitas pessoas têm dificuldade de falar sobre o assunto até mesmo com um profissional de saúde mental, por vergonha ou medo de serem denunciados. Assim, é pouco provável que alguém com o transtorno ostentaria o comportamento nas redes sociais, como estabelece a “trend”.
O tratamento da cleptomania envolve terapia cognitivo-comportamental e, em alguns casos, medicamentos para ajudar a controlar os impulsos.
Ao contrário de furtos comuns, que geralmente envolvem planejamento e motivação financeira, a cleptomania é impulsionada por uma sensação de tensão intensa antes do ato e alívio logo após. Essas características não têm qualquer relação com o valor do item roubado.
Por sinal, uma pessoa com cleptomania não necessariamente vai furtar objetos de desejo, como produtos de skincare, como têm feito muitas garotas no TikTok e em outras redes. “A pessoa não tem o objetivo de se beneficiar materialmente, mas sim de aliviar a tensão interna, o que diferencia esse comportamento de um crime deliberado”, comenta a especialista.
Ao oferecerem visibilidade e validação social a quem furta, as redes sociais podem estar estimulando esses comportamentos impulsivos, o que pode ter consequências graves. Muitas lojas e farmácias têm adotado o uso de prateleiras trancadas, além de outros sistemas de segurança, o que também acaba tendo impacto nos preços dos produtos.
Para alguns jovens, compartilhar vídeos com a hashtag pode reforçar uma imagem de rebeldia e atrair atenção e curtidas. Isso, de acordo com a psiquiatra, pode esconder questões emocionais mais profundas, como baixa autoestima e sentimentos de inadequação.
É fundamental que a cleptomania não seja romantizada ou tratada como uma "moda" nas redes sociais. Se não tratada, a condição pode levar a complicações como depressão, ansiedade e problemas legais.
"É essencial que os jovens entendam a gravidade de glorificar furtos e reconheçam a cleptomania como uma doença que necessita de tratamento médico especializado," conclui a psiquiatra.
A hashtag #clepto e o comportamento de ostentar furtos nas redes sociais não devem ser vistos como uma simples "brincadeira". Especialistas em saúde mental alertam que esse fenômeno pode banalizar uma condição psiquiátrica séria e aumentar comportamentos delinquentes.
Se você ou alguém que conhece está lutando contra impulsos de furto, busque orientação de um profissional de saúde mental para tratamento adequado.
Tatiana Pronin
Jornalista e editora do site Doutor Jairo, cobre ciência e saúde há mais de 20 anos, com forte interesse em saúde mental e ciências do comportamento. Vive em NY e é membro da Association of Health Care Journalists. Twitter: @tatianapronin