Qual o melhor momento para abordar uma criança sobre o seu peso? E como fazer isso sem ferir sua autoestima ou causar constrangimentos, de modo que o jovem passe a evitar o assunto? E como estimular uma alimentação saudável e a prática de atividade física sem gerar uma preocupação excessiva, que pode, depois, se transformar em um transtorno alimentar?
Essas questões são difíceis de responder, e nem todos os pais ou cuidadores têm conhecimento suficiente para isso. Um guia lançado recentemente pela Associação Dietética Britânica e pediatras do Reino Unido traz algumas dicas úteis para abordar o tema. Também ouvimos a médica Maria Fernanda Barca, doutora em endocrinologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e membro da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso).
No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, uma em cada 10 crianças de até 5 anos está com o peso acima do ideal. Na faixa de 5 a 9 anos, cerca de 28% apresentam sobrepeso e 13,2% têm obesidade. O que é mais preocupante é que essas proporções estão crescendo.
Ajudar as crianças a alcançar um peso mais saudável pode evitar que, ao alcançar a idade adulta, elas não desenvolvam doenças como diabetes e hipertensão. Além disso, é muito mais fácil adquirir hábitos saudáveis na infância do que tentar modificá-los mais tarde. Mas é preciso começar aos poucos e com delicadeza. Veja, a seguir, algumas recomendações para abordar o assunto sem gerar ansiedade.
Uma das recomendações do guia é evitar colocar ênfase na balança, nos quilos que precisam ser perdidos ou na culpa por comer determinados alimentos. “A gente fala não em peso, mas em ser saudável”, recomenda a endocrinologista Maria Fernanda Barca. “Porque assim a criança vai se sentir mais confortável, menos agredida”, diz. As mudanças devem ser graduais e, a cada passo conquistado, é importante comemorar, para que a criança se sinta motivada.
Quando você critica sua própria aparência ou a de um parente ou amigo, a criança escuta com atenção. Isso faz com que ela saiba que é julgada dessa forma também. É importante deixar claro que existem pessoas de todos os tamanhos, e que ninguém precisa ser magérrimo para ser feliz ou amado. O importante é estar ativo e saudável.
É importante que a família inteira assuma o compromisso de ter uma dieta mais saudável e fazer exercício, porque pais e cuidadores são os principais exemplos da criança. Não adianta querer que os filhos diminuam o consumo de guloseimas, se os pais não fazem isso. E não adianta o pai ou a mãe levarem a jornada a sério e o outro dizer que é bobagem.
Babás, avós, amigos e professores também devem ser informados sobre as mudanças no estilo de vida que a família deseja implementar. As crianças entendem melhor quando recebem a mesma mensagem de todos. E, ao ajudar a criança, outras pessoas da família podem ter sua saúde melhorada também.
Confira:
Ajude seu filho a aprender que comer uma variedade de alimentos e ser ativo é normal e agradável, não coisas a serem feitas apenas para controlar nosso peso. Também é importante não premiar comportamentos positivos com guloseimas – no futuro, a pessoa vai sempre buscar alimentos desse tipo quando sentir necessidade de recompensa após um dia difícil.
Deixar as crianças saberem que podem falar sobre o peso, e que isso é apenas um fator que nos ajuda a saber se estamos saudáveis, pode ajudar a reduzir a vergonha em torno do assunto. Se elas não sentirem que é natural discutir esse tema em casa, talvez procurem informações em fontes menos qualificadas.
As crianças vão ouvir sobre questões ligadas ao peso na escola, dos amigos, na TV e na internet. Procure fazer perguntas para saber o que elas têm aprendido sobre o assunto e ajude-as a entender, quando for o caso, que nem tudo o que é dito faz sentido. Muitas vezes, é preciso até contar com ajuda profissional para saber como proceder. Um profissional de nutrição pode auxiliar a família com mudanças na dieta, sem que seja necessário privar-se do que dá prazer. E um profissional de psicologia ou de educação pode ser útil se a criança estiver enfrentando situações como bullying por causa do seu peso na escola.
Transforme as atividades físicas em oportunidades de diversão, e mostre o quanto nos sentimos bem depois de uma boa caminhada no parque, por exemplo. Também é importante que a criança tenha acesso a exercícios que despertam seu interesse – se ela não gosta de jogar bola, que tal tentar dança ou artes marciais?
Isso se tornou raro hoje em dia. E, cada vez mais, adultos e jovens aproveitam a hora das refeições para ver as novidades na TV ou no smartphone. Um estudo publicado no Jama, a revista da Associação Médica Americana, mostra que adolescentes e adultos jovens que se sentam para jantar com os pais e irmãos são mais propensos a ter uma alimentação mais saudável do que aqueles que comem sozinhos. E isso é válido independente do nível de conexão e comunicação entre os integrantes da família.
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Tatiana Pronin
Jornalista e editora do site Doutor Jairo, cobre ciência e saúde há mais de 20 anos, com forte interesse em saúde mental e ciências do comportamento. Vive em NY. Twitter: @tatianapronin