Jairo Bouer Publicado em 17/02/2020, às 02h36 - Atualizado às 18h44
Na última semana uma série de acontecimentos reforçou a importância de se incluir o tema da educação digital, ou ainda melhor, da cidadania digital, tanto no currículo das escolas como no diálogo dentro de casa.
De um lado, viralizou uma “brincadeira” potencialmente perigosa, em que dois jovens passam uma rasteira em um terceiro desavisado, que acaba caindo ao chão, correndo o risco de machucar cabeça e coluna vertebral. Do outro lado, o Reino Unido anunciou que vai apertar o cerco sobre as plataformas digitais, responsabilizando-as por conteúdos nocivos. E aqui no Brasil um menor foi condenado por postar “nudes” de uma ex-namorada, e seus pais terão que pagar uma indenização.
Não é novidade que o jovem passa hoje cada vez mais tempo conectado nas redes sociais. Lá, ele acaba sendo exposto a desafios, brincadeiras, jogos e toda sorte de conteúdos que podem ser construtivos, educativos e agregadores, mas também podem ter um potencial que vai no sentido contrário: destrutivo, agressivo, preconceituoso e antissocial.
E esse intenso trânsito digital é 100% de mão dupla, ou seja, o jovem não é apenas receptor dessas informações e conteúdos, ele é também ativo nas postagens, convites e propostas. As motivações tanto para a recepção como para a produção de posts, imagens e vídeos são diversas (fazer parte do grupo, ser curtido, ser aceito, ser admirado, melhorar a autoestima, ganhar notoriedade e fama e por aí vai).
Não se pode perder de foco que essa é uma fase da vida em que tudo muda com velocidade assustadora (talvez ainda mais acelerada na era digital). Assim, existe uma espécie de “vulnerabilidade” para diversos níveis de risco. Tanto do ponto de vista emocional como do ponto de vista neurológico (se é que é possível fazer essa distinção), o jovem é mais impulsivo, pesa menos o impacto que suas ações presentes terão no seu futuro, desliga com maior facilidade os controles racionais, entre outros mecanismos que fazem com que ele possa se expor ou expor seus pares a situações complicadas, arriscadas, perigosas, difíceis.
Se essa realidade está tão real e presente em nosso cotidiano, como garantir nos dias de hoje a liberdade e a construção da autonomia do jovem? Talvez a melhor alternativa seja, em casa, os pais exercerem o papel de pais, olhando, observando, ensinando, controlando o uso (dos menores) e mediando a relação com as tecnologias (dos maiores) para que eles entendam seus limites, suas responsabilidades e seu papel de cidadãos. Em paralelo, as escolas têm que se ocupar também desse trabalho, já que sua condição de facilitadora das relações sociais (para além dos aprendizados formais) ganha hoje uma extensão quase sem limites e sem fronteiras no mundo digital.
Em um cenário ideal, em que família e escola dialogassem com essa realidade, o jovem entenderia essa cidadania digital como parte de seu papel no mundo. Um aprendizado que seria central para uma melhor relação com os outros, e para uma melhor percepção das armadilhas trazidas por “fake news”, “jogos de risco” e atitudes antissociais.
Esse trabalho pedagógico e preventivo talvez conseguisse diminuir a necessidade de regulações externas, como as pressões crescentes sobre as plataformas digitais (para que elas reconheçam riscos e bloqueiem ações nocivas o mais rápido possível), o que em teoria pode ser bastante útil, mas que, do ponto de vista prático, torna-se uma muitas vezes de difícil aplicação, dado o volume brutal de informações postadas nas redes e a velocidade de propagação de algumas delas.
É claro que nenhum pai ou mãe deseja ver o filho exposto ou expondo os outros a situações vexatórias, discriminatórias, perigosas ou agressivas. As telas não deveriam provocar refrações nos conceitos de ética e cidadania. O comportamento deveria ser um só, dentro ou fora das redes sociais. Se isso faz sentido para você, está mais do que na hora de começar a agir, de preferência antes da próxima brincadeira “bombar” no celular do seu filho ou do seu aluno!