A pandemia mudou nossas prioridades, mas poder contar com o outro faz toda a diferença
Jairo Bouer Publicado em 14/04/2021, às 13h03
Pense em você há um ano, antes da pandemia. Qual seria um dos principais critérios de escolha para passeios e programas? Talvez um lugar badalado, onde houvesse muita gente bonita, para ver e ser visto, principalmente se você tem menos de 40 anos e está solteiro (embora casados também curtam agitos e encontros com amigos).
Corta para abril de 2021. Mais de 50% das vagas de UTIs em todo país ocupadas por pessoas jovens e mais de 355 mil vítimas fatais da covid-19. Se você pensa com a cabeça, certamente seu lugar de escolha para dar aquela escapada de casa são os locais tranquilos, onde, de preferência, você não vá encontrar ninguém ou, pelo menos, a menor quantidade possível de gente.
Mudaram nossas escolhas em função dos cuidados com a saúde e das medidas de distanciamento social. Não que essa seja uma opção (ou uma obrigação) fácil de ser seguida. O ser humano, desde os primórdios do nosso processo de evolução, é um animal social. A gente precisa do outro, e ficar isolado, em geral, é um caminho muito duro.
Nossos parentes vivos mais próximos, chimpanzés, bonobos e gorilas, também são seres sociais, embora com formas de se relacionar distintas das nossas. Já o orangotango é um primata que escolhe a solidão, e busca parceria apenas nos momentos de encontros sexuais. A fêmea cria sozinha seus filhotes.
Mas nós, humanos, dependemos do olhar do outro, da presença do outro, do toque do outro. Ficar sozinho é um poderoso fator de estresse, inclusive para os pequenos núcleos familiares que se isolaram em busca de segurança nesse momento tão complicado da pandemia.
Não é à toa que estamos sofrendo mais do ponto de vista da saúde mental e que enfrentamos um aumento significativo dos casos de transtornos de ansiedade e de depressão. Com esse agravamento das nossas condições emocionais, questões como abuso de álcool e um maior risco de suicídio passaram a exigir atenção de profissionais da saúde no mundo todo.
Novas pesquisas divulgadas nas últimas semanas ajudam a entender um pouco melhor esses fenômenos. Dados do sistema de saúde pública do Reino Unido (NHS) revelam que 100 pessoas foram internadas a cada hora no país durante os primeiros meses da pandemia, totalizando mais de 750 mil internações por problemas relacionados ao consumo de álcool em 2020.
A faixa etária mais acometida estava acima dos 50 anos, com 75% dos casos. Entre os mais jovens, na faixa dos 20 aos 30 anos, o número de casos foi relativamente baixo. Apesar de esses dados terem sido menores que os do mesmo período do ano anterior (pré-pandemia), eles revelam que, mesmo com os pubs fechados, o abuso de álcool e os acidentes relacionados a essa condição foram bastante frequentes.
Já os casos de suicídio, que os especialistas esperavam que aumentassem em função das dificuldades econômicas, dos maiores índices de depressão e ansiedade, do abuso de álcool e de mais gente isolada, caíram para o menor patamar em 40 anos nos Estados Unidos.
A queda de 6% nas taxas de suicídio em 2020, quando comparadas ao ano anterior, foi a mais importante nas últimas quatro décadas. O suicídio passou a ser a 11ª causa de morte nos EUA em 2020 (foi a 10ª em 2019), com quase 45 mil casos, de acordo com dados preliminares do CDC (Centros de Controle de Doenças).
Segundo especialistas, é difícil explicar essa queda, mas ela parece ser um fenômeno recorrente em momentos históricos de grande número de mortes e de intensa mobilização emocional, como no caso das guerras e de desastres naturais. Talvez uma fase inicial de “heroísmo” nacional, com muitas mensagens de apoio e de suporte social, possa trazer alguma forma de suporte e conforto para quem está sofrendo.
O maior número de serviços de saúde mental, disponíveis por conta da pandemia, também pode ter facilitado o acesso às pessoas que têm ideação suicida.
A grande preocupação é que o retorno gradual a uma situação mais próxima às condições de antes da pandemia, com as elevadas taxas de depressão e ansiedade que vem sendo observadas, aliadas a uma espécie de estresse pós-traumático coletivo (com dificuldades de ajuste às novas rotinas), além da crise econômica e do desmonte dos serviços de suporte em saúde mental, possam levar a um aumento desses riscos.
Nesse sentido, fica clara a importância de ir na direção do contato humano que tanto evitamos nesse último ano, e poder contar redes de apoio bem estruturadas, em que a presença do outro faz toda a diferença, pode ser o melhor caminho para uma aterrisagem mais suave, depois que tudo isso passar.
(Texto extraído da Coluna do Jairo Bouer no UOL VivaBem)
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