Redação Publicado em 05/02/2021, às 13h35
Mesmo irregulares, os esforços de prevenção à Covid-19 trouxeram um "efeito adverso" positivo: os casos de gripe apresentarem uma queda surpreendente nos EUA, país que costuma sofrer muito com o vírus influenza no inverno. Uma reportagem publicada no The Atlantic mostra que, em diversas partes do país, os testes positivos para a gripe têm sido raros, o que pode ser encarado como uma ótima notícia, mas com ressalvas.
A reportagem mostra que o laboratório da Clínica Mayo em Minnesota, nos EUA, começou a examinar pacientes com sintomas respiratórios para o influenza e o coronavírus no início de dezembro. De lá para cá, milhares de testes deram positivo para o Sars-CoV-2. Apesar de ter feito 20 mil testes de gripe (ou dez vezes mais que o realizado no inverno anterior), nenhum resultado deu positivo.
A Clínica Mayo do Arizona também fez cerca de 7.000 testes de influenza desde novembro, e apenas um saiu positivo. Dos 40 mil testes de coronavírus, contudo, 6.000 retornaram positivos. E o Seattle Flu Study, que sempre monitora os casos de gripe na região gelada de Washington, também relata uma queda drástica nos casos: de 6.000 testes, apenas dois deram positivo nos últimos meses.
A mesma tendência aparece em outras partes do país e do mundo. Desde o início do outono, das cerca de 800 mil amostras testadas nos EUA para a gripe e notificadas ao CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças norte-americano), somente cerca de 1.500 deram positivo, ou 0,2%. Na temporada anterior, o número de positivos foram aproximadamente 100 vezes mais altos com um número similar de exames, segundo a análise dos dados.
Na temporada de gripe de 2019 a 2020, as taxas de positividade estavam em torno de 25 a 30%, deixando os mapas da doença em tons de vermelho e laranja. Agora, os mapas estão quase todos verdes, o que indica pouca ocorrência de gripe. O que é muito bem-vindo, por sinal, nesta fase em que as hospitalizações pela Covid-19 ainda estão altas nos EUA.
A nebulosidade da previsão da gripe pode até dificultar o desenvolvimento de uma vacina eficaz para a próxima temporada, de acordo com a reportagem. Duas vezes por ano, a Organização Mundial da Saúde convoca uma reunião para recomendar ingredientes de vacinas para países do Norte e do Sul, com base em dados da vigilância global da gripe, para ajudar a garantir que as cepas mais problemáticas sejam cobertas. A reunião do Hemisfério Norte ocorrerá no final deste mês.
Nada disso significa que o desastre é iminente. Os cientistas podem ser capazes de compensar o ano de difícil vigilância da gripe com ajuda de novas tecnologias para as vacinas, como as de RNA mensageiro, utilizadas pela Pfizer-BioNTech e pela Moderna contra a Covid-19. Esse tipo de imunizante tende a ser readaptado com mais facilidade, o que pode trazer um avanço no combate à gripe, num futuro próximo.
Os vírus da gripe e da Covid são transmitidos de maneira parecida; ambos atacam o sistema respiratório e até os sintomas são semelhantes: ambos causam febre, fadiga, nariz entupido, tosse e dor de garganta.
A reportagem mostra que outros vírus que causam resfriado, como o vírus sincicial respiratório, os vírus da parainfluenza e outros coronavírus (não o que provoca a Covid-19) também têm aparecido bem menos nesta época do ano. Aparentemente, o Sars-CoV-2 está “na moda”.
Estranhamente, os rinovírus, principais culpados por trás do resfriado comum, não foram eliminados na mesma proporção que a gripe - uma resistência que pode ser atribuída à sua armadura externa resistente ou a uma peculiaridade ainda não identificada pelos cientistas.
As mudanças drásticas de comportamento que a pandemia forçou o mundo a adotar certamente tiveram um papel nessa redução de gripes e resfriados comuns, inclusive em regiões do Hemisfério Sul, como a Austrália.
Nos EUA, mesmo com o uso irregular da máscara (como vemos no Brasil) e o distanciamento físico nem sempre cumprido parecem ter feito a diferença para evitar a gripe. Vale lembrar que mais gente está em casa (seja por causa do trabalho remoto ou das demissões), e as pessoas têm evitado ir ao trabalho ou à escola com sintomas gripais. Além disso, muito mais gente tomou a vacina do influenza recentemente, pelo receio de pegar as duas doenças ou também de confundir os sintomas.
É importante notar que as pessoas têm contato com diferentes cepas do vírus da gripe há séculos. Isso, somado às campanhas de vacinação e aos cuidados adicionais tomados por causa da Covid-19 podem ter sido determinantes para o suposto sumiço da gripe. Pelo menos por enquanto.
Já o novo coronavírus, como o próprio adjetivo diz, ainda encontra pouca defesa na população. Talvez por isso, mesmo o esforço de uma parcela considerável da população parece fazer pouco efeito para inibir a pandemia de forma geral. Tudo isso, esperamos, vai mudar com o passar do tempo, com as vacinas e a própria evolução da doença.
Tudo indica que o coronavírus é mais facilmente transmitido que o influenza, até mesmo por pessoas sem sintomas. Outra hipótese para explicar a sobreposição do Sars-CoV-2, neste momento, é que o sistema imunológico das pessoas permaneceria “em guarda” após eliminar uma infecção, o que poderia proteger uma pessoa temporariamente de outras doenças, como a gripe.
Os pesquisadores ouvidos pela The Atlantic avisam que o vírus da gripe está longe de estar extinto – eles estão escondidos e ninguém sabe, ao certo, quando ou como voltarão à ativa. Talvez isso aconteça no dia em que as pessoas baixarem a guarda contra a Covid-19, o que vai acontecer quando as vacinas fizerem efeito.
O problema é que esse suposto equilíbrio atual pode não durar para sempre. Pesquisadores explicam que vírus novos, ao se instalarem numa população, tendem a “interagir” uns com os outros com o passar do tempo. Assim, as infecções simultâneas ainda podem estar por vir, e podem ser perigosas.
É possível que o avanço tecnológico obtido com a Covid-19 venha a ser útil para o combate à gripe. De qualquer forma, tudo leva a crer que medidas como o uso de máscara e o isolamento social diante de qualquer sintoma de doença, bem como a preocupação em se higienizar as mãos várias vezes ao dia, devem ser hábitos que todos nós deveríamos adotar para o resto da vida.
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