Crack: o que leva o jovem brasileiro a começar a usar

Estudo publicado na última semana mostra fatores de risco e de proteção relacionados ao consumo da droga

Léo Fávaro Publicado em 30/04/2021, às 13h03

Conflitos familiares e fácil acesso a drogas são fatores que podem levar o jovem à dependência de crack - iStock

A dependência do crack é uma das mais devastadoras faces dos transtornos por uso de substância, tanto por seus efeitos nocivos à saúde quanto por seu impacto social. A idade em que se inicia o consumo de drogas é um importante parâmetro a ser observado, uma vez que há significativas evidências de que quanto mais cedo o uso começa, maiores são os riscos de o indivíduo desenvolver dependência e outros transtornos psiquiátricos. Nesse contexto, um questionamento se torna muito pertinente: o que leva uma pessoa a usar a versão cristalizada da cocaína ainda na adolescência?

Publicado na última semana na revista científica BMC Public Health, um artigo mostrou os fatores associados ao consumo precoce (ainda que o termo seja inadequado, já que em nenhum momento esse consumo é recomendado) do crack entre os brasileiros. Dentre os fatores de risco, destacam-se a exposição a conflitos familiares, o fácil acesso a drogas ilícitas, a pressão dos amigos e a presença de comportamentos desviantes (eu explico melhor quais são eles mais abaixo).

Jovens de comunidades terapêuticas

O estudo foi feito entre 2012 e 2013, com 577 pacientes de 20 comunidades terapêuticas localizadas nos três estados do sul do Brasil, em Minas Gerais, em São Paulo, no Rio de Janeiro e no Distrito Federal. O levantamento se deu por meio de entrevistas estruturadas aplicadas por profissionais da saúde, nas quais os participantes da pesquisa respondiam questões sobre relacionamento familiar, monitoramento deles por seus pais na infância e na adolescência, percepção sobre o acesso a drogas e a seu consumo e comportamentos disruptivos.

Dos 577 participantes da pesquisa, cerca de 90% eram homens e 74% tinham idades até 34 anos. Os participantes tinham em média 11,8 anos de estudo e a idade média em que usaram crack pela primeira vez foi aos 21,5 anos.

O que facilita o consumo de crack?

O estudo evidenciou que o envolvimento com atividades ilegais, como portar arma de fogo antes dos 15 anos de idade, pode antecipar em 1,3 anos o início do consumo de crack. A facilidade de acesso a drogas, por sua vez, também é um um fator que pode direcionar os jovens mais rapidamente para a dependência química: enquanto ter acesso a maconha pode antecipar o início do consumo de crack em 2 anos, ter acesso ao próprio crack pode antecipar em seis anos a data inicial do consumo das pedras.

Pais que bebem, amigos que usam

Além disso, observou-se que pais ou responsáveis que consomem álcool a ponto de ficar bêbados diariamente ou semanalmente também aumentam o risco de uso do consumo da cocaína cristalizada antecipadamente pelos adolescentes. No mesmo sentido, ter amigos que, em sua maioria ou totalidade, usam crack também se mostra um fator de risco importante.

Quando são avaliadas as relações familiares, a pesquisa ressalta que quando o pai tem problemas com o uso de álcool, ou quando a pessoa tem conflitos constantes com os pais, ela tende a iniciar o consumo de crack antes daqueles que não vivem essas circunstâncias. Ainda nesse contexto, outras situações também mostraram ser gatilhos para a antecipação do consumo da droga, como ter testemunhado agressão física entre os pais, ter sofrido maus tratos durante a infância ou a adolescência ou ainda ter fugido de casa nesse período.

Comportamentos desviantes ou disruptivos

Outros fatores de risco apontados na pesquisa que podem estimular o consumo precoce de crack são os chamados comportamentos desviantes ou disruptivos. Dentre eles, o estudo cita ameaçar alguém com arma de fogo, contar muitas mentiras, roubar lojas ou os próprios pais e, ainda, passar algum tempo em centro de detenção. Os riscos relacionados a esses comportamentos também foram observados em estudos feitos em outros países.

Papel dos pais nos fatores de proteção

Apesar dos muitos fatores de risco listados pela pesquisa, há também aqueles que se mostram protetores. Neste sentido, o monitoramento pelos pais dos lugares nos quais os filhos passam seu tempo livre entre 12 e 14 anos pode atrasar o início do consumo de crack em aproximadamente 1,2 anos. Esse achado é reforçado por outras pesquisas, cujos resultados também evidenciam o monitoramento por parte dos pais como fator protetor.

Outros estudos evidenciam como o bom relacionamento familiar, com poucos conflitos, e um ambiente no qual haja apoio entre os membros são fatores protetores importantes, capazes de reduzir o risco de um adolescente usar drogas. Assim, o estímulo a um ambiente familiar acolhedor e o acompanhamento dos pais às atividades desenvolvidas pelos filhos devem ser promovidos, uma vez que se mostram importantes na prevenção do uso de drogas. Além disso, é fundamental que os pais conversem com os filhos sobre os riscos associados ao consumo de drogas, evitando-se que eles acendam o curto pavio dessa bomba.

A dependência química do crack

O Levantamento Nacional Sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira (III LNUD), publicado em 2017, revelou que cerca de 1,4 milhão de pessoas já haviam usado crack ou similares na vida, sendo 451 mil nos 12 meses anteriores à pesquisa. Esse número revela que 0,9% da população brasileira já havia experimentado a droga. No mesmo estudou, verificou-se que 814 mil jovens de 12 a 17 anos já haviam experimentado alguma droga ilícita em algum momento da vida.

Diferente de outras drogas, como o álcool ou a maconha, o crack tem uma dinâmica diferente no organismo, provocando uma hipersensibilização do cérebro de forma mais intensa. Essa sensação imediata de euforia e bem-estar também leva ao vício de forma mais rápida e forte.

Quando sob efeito da droga, a pessoa pode apresentar fuga de ideias, cefaleia, zumbido, alucinações auditivas e táteis e ideação paranoide (como se alguém estivesse querendo prejudicá-la ou explorá-la), com ou sem agressividade. Durante a abstinência, o dependente químico pode apresentar depressão, ideação suicida, irritabilidade, perda da capacidade de sentir prazer, instabilidade emocional e perturbações na atenção e na concentração. A longo prazo, a pessoa com dependência química de crack pode apresentar  isolamento social, disfunção sexual e comportamento caótico e agressivo.

O tratamento da dependência química de crack é possível e deve ser feito com acompanhamento de psiquiatra e de equipe multidisciplinar.

*Leo Fávaro é acadêmico de Medicina da Universidade Federal do Espírito Santo

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