Redação Publicado em 28/02/2022, às 18h00
No início, muitos interpretavam a palavra “cuckold” como corno. No entanto, trata-se de algo bem mais complexo. Basicamente, cuckolding é uma atividade sexual na qual o homem fica excitado com a parceira fazendo sexo com outra pessoa. Trata-se de um fetiche que acaba sendo único para cada casal que o pratica.
Do ponto de vista psicológico, o cuckolding geralmente enfatiza a degradação ou humilhação do parceiro que está sendo “traído”. A humilhação desempenha um papel central na dinâmica do jogo de poder da situação, e é esse aspecto que torna esse fetiche específico um pouco mais tabu do que outros.
Como muitos fetiches sexuais, existem vários graus. Você não precisa ir tão longe a ponto de ver a parceira fazer sexo com outra pessoa – você pode ter prazer em ouvi-la falar sobre fazer sexo com outra pessoa (real ou imaginária). Ouvir os detalhes das fantasias da parceira sobre sexo com outras pessoas, ou sobre seus encontros sexuais anteriores, pode ser uma boa maneira de mergulhar primeiro o pé na traição, se você não tiver certeza de quão profundo deseja ir.
Pode começar assistindo a parceira flertar com outra pessoa em um bar ou enviar mensagens picantes para alguém on-line. Observar a parceira fazendo sexo com outra pessoa é o que a maioria associa à traição, mas, na verdade, há uma escala e você pode escolher até onde quer ir. Pode simplesmente observar a distância, ou pode dizer o que o outro deve fazer com sua parceira. Ou você pode participar.
Por todos os tipos de razões. Pode ser um espaço seguro para alguns liberarem desejos sexuais profundos e levar a um relacionamento sexual mais lúdico, poderoso e emocionalmente íntimo. Algumas pessoas podem gostar de ser humilhadas sexualmente, o que pode estar relacionado a jogos de dominação/submissão. Cuckolding requer um certo nível de confiança e comunicação entre os parceiros, o que pode aprofundar e fortalecer a intimidade em um relacionamento.
A mulher, geralmente, assume o papel sexualmente dominante, como aquela que faz sexo com outros homens, enquanto o cuckold permanece sexualmente fiel. Mas as regras não são imutáveis. Os casais podem misturar as coisas como quiserem e, às vezes, os parceiros trocam os papéis. A mulher também pode apelar para o terceiro personagem, que pode receber permissão para assumir o papel do “traído” na parceria sexual – sem amarras.
Em alguns casos, o cuckolding também pode injetar vida em um relacionamento sexual obsoleto. Especialistas dizem que a monogamia pode criar um tédio sexual para muitos casais. Cuckolding é uma das muitas maneiras para os casais explorarem a sexualidade e manter o sexo divertido e inovador.
Confira um trecho do depoimento de Alex Mazoka, 39 anos, pseudônimo do ilustrador e artista plástico (é dele a ilustração que aparece em destaque nesta matéria), que escreve contos eróticos com essa temática:
“Pratico há dez anos e era algo mais desconhecido, agora tem se tornado uma febre. Eu escrevo contos e faço ilustrações sobre o tema. Cuckolding é uma fantasia que envolve aspectos BDSM, porque envolve humilhação e dominação e reúne várias outras fantasias. Existe o que não gosta de humilhação, chamado de stag, que gosta de compartilhar a garota, escolhe o parceiro, transa com eles e domina a situação. Já o cuckold clássico é o que está fora do controle da situação, que está nas mãos da mulher. Isso, para mim, é a grande pegada da fantasia. Ele mantém um relacionamento no qual é fiel e monogâmico, mas tem relacionamento livre, ou seja, a parceira pode sair com outros homens que ela escolhe e, às vezes, deixa o companheiro assistir”.
A seguir, Adriana (nome fictício), programadora de 29 anos, fala um pouco de suas experiências:
“Enfim, eu sempre gostei de explorar minha sexualidade, realizar fetiches e fantasias, tanto meus quanto de quem eu me relacionava. Sempre achei isso muito excitante e gostoso nos relacionamentos. Além disso, nunca me identifiquei com monogamia, todos os casais de amigos que casaram se divorciaram, acho um sistema desenhado para o fracasso, para a infelicidade e isolamento de duas pessoas. Então, a ideia de transar com outra pessoa, que não meu parceiro, nunca me pareceu muito fora desse mundo. Sim, o cuckolding pode ter um elemento de humilhação relevante. Um dos meus namorados adorava me ver sair ou me flagrar com outros, e que eu chegasse de madrugada em casa depois de transar e mandasse ele fazer sexo oral em mim. Também gostava que eu o chamasse de corno, que o humilhasse pelo tamanho do pênis (mesmo que não fosse pequeno), adorava saber que transei com caras mais dotados que ele e gostava, inclusive, que eu narrasse tudo o que eu fazia enquanto a gente transava ou enquanto eu o impedia de me penetrar”.
Qualquer fetiche centrado em um jogo de poder pode ser perigoso, potencialmente empurrando as pessoas para além de seus limites sexuais e psicológicos. Elas podem pensar que estão prontas para a fantasia intensa, apenas para descobrir que a realidade da situação não é para elas. A cada passo, a comunicação é crucial. Os casais devem certificar-se de que todas as partes envolvidas estejam interessadas em se abrir e que haja muita comunicação – antes e depois. Como a experiência pode trazer muitos sentimentos novos para os iniciantes, os casais que desejam entrar nela devem garantir que seu relacionamento não esteja enraizado no ciúme ou na monogamia tóxica.
A psicóloga voluntária no Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual (Amtigos), Desirèe Monteiro Cordeiro, fala um pouco da origem do termo cuckold: “Vem da ave cuco. A fêmea vai buscar outros ninhos para colocar os ovos, e o macho sabe disso. Ela os deixa com esses pássaros que cuidarão deles. No fetiche sexual, são os homens que permitem e desejam que suas mulheres – de um relacionamento monogâmico – tenham relações com outros homens, e que eles participem de alguma forma”.
Enquanto a maioria pode pensar em traição ao ouvir a palavra cuckold, Desirèe afirma que não é por aí, pois se trata de algo de comum acordo. “Em qualquer fetiche, tudo é conversado e as regras são claras, para que não haja outras interferências e não gere desconforto. Quem faz são pessoas que gostam de se sentir nesse lugar, pois é uma relação de poder. A partir do momento em que você consente que a pessoa vá para outra relação, é você que está permitindo e quer saber detalhes, ou de estar junto. Tem mais a ver com dominação do que com submissão, pois há toda uma orquestra regida por uma pessoa que libera o comportamento, claro que com os dois permitindo e a terceira pessoa aceitando, especialmente se for filmada ou fotografada”.
O coordenador do Ambulatório de Identidade de Gênero e Orientação Sexual do IPq – Instituto de Psiquiatria da USP, Alexandre Saadeh, diz que, para ele, os homens que aceitam esse tipo de atividade, e têm prazer com ela, não têm problemas de autoestima, mas, sim, buscam mulheres que sejam deles e topem ter outro, mas sabendo e tendo-os como o “oficial”. Seria uma maneira de competição masculina sexual, onde o “terceiro” entra como dispensável, mas que, com sua presença, reforça o vínculo afetivo do casal e a masculinidade do parceiro. E ele questiona outro papel: “Nesse sentido existiria um ‘uso’ da mulher. Mas se ela aceita e sabe das condições, o casal pode se beneficiar desse tipo de interação”.
Para quem gostou da ideia e está pensando em experimentar, o recomendado é estabelecer limites e ter muita comunicação. Por isso, é imprescindível certificar-se de que todos os envolvidos estejam na mesma página e conheçam seu papel no ato sexual. Se alguém não está confortável ou quiser parar, é preciso que os demais respeitem isso imediatamente. Cuckolding não é para todos, mas, para quem gosta, pode ser uma experiência muito gratificante e prazerosa.
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