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Depressão: como sintomas interferem na decisão para fazer esforço?

Decisões para realizar esforço físico ou mental podem variar de acordo com o tipo de depressão - iStock
Decisões para realizar esforço físico ou mental podem variar de acordo com o tipo de depressão - iStock

Muitas pessoas com depressão têm dificuldade em realizar esforço físico ou mental, por causa de sintomas como falta de concentração, fadiga, apatia e perda do prazer em fazer as coisas (anedonia). Mas também há pessoas que, apesar da depressão, nunca deixam de cumprir suas obrigações (ainda que a um custo alto e com baixa produtividade).

Uma neurocientista que cursava seu pós-doutorado na Universidade de Washington, nos EUA, decidiu entender melhor como sintomas específicos do chamado transtorno depressivo maior se relacionam ao quanto de esforço as pessoas estão dispostas a investir em tarefas. O motivo? Ela própria conta já ter experimentado mudanças pronunciadas em sua função cognitiva (como pensamento mais lento e falta de concentração) durante períodos de depressão.

Capacidade ou disposição?

Uma redução na função cognitiva é uma queixa comum entre quem está deprimido. Uma explicação para isso é que o transtorno leva a uma diminuição da capacidade cognitiva. Mas, ao ler uma pesquisa sobre o tema, a pesquisadora questionou se o sintoma não seria melhor explicado pela diminuição da disposição para exercer controle cognitivo. Em outras palavras, não é que a pessoa fica com a capacidade de raciocinar reduzida, e sim que falta motivação e energia para isso.

Esforço x recompensa

Para testar a hipótese, ela usou uma ferramenta chamada “tarefa de busca por esforço”, um tipo de teste que ajuda a avaliar como as pessoas tomam decisões equilibrando esforço e recompensa. No computador, os participantes tinham que colher recompensas em uma área que oferecia cada vez mais retorno, ou então partir para uma nova área, o que exigia tempo e esforço. Os exercícios envolviam tarefas cognitivas, como um teste de memória com níveis diferentes de dificuldade, e também esforço físico, como pressionar teclas repetidamente, também com diferentes graus de pressão.

O estudo incluiu 97 participantes, dos quais 67 foram diagnosticados com transtorno depressivo maior (com ou sem ansiedade). Os 30 participantes restantes serviram como grupo de comparação sem diagnósticos psiquiátricos. Todos responderam perguntas sobre sintomas ansiosos, anedonia, fadiga, falta de concentração etc.

Se concentrar mais ou partir para outra? 

Com modelos computacionais, foi possível analisar as decisões de cada um, inclusive o limiar no qual eles paravam de buscar recompensas em uma área e se moviam para outra. Isso ajudou a revelar a tolerância ao esforço dos participantes e suas percepções sobre o custo de oportunidade do tempo. Os resultados foram publicados no periódico Psychological Medicine

Os pesquisadores descobriram que os participantes com sintomas mais elevados de ansiedade estavam mais dispostos a exercer esforço cognitivo. Essa descoberta desafia as suposições tradicionais de que a depressão reduz a motivação cognitiva de forma universal.

Ansiedade modifica o padrão

Os pesquisadores sugeriram que a ansiedade pode agir como um mecanismo compensatório, motivando os indivíduos a se engajarem em tarefas exigentes como uma forma de lidar com preocupações ou manter o desempenho diante de ameaças percebidas.

Outra possibilidade é que o esforço cognitivo tenha sido uma distração bem-vinda. Ou seja, as pessoas poderiam tentar se envolver em tarefas cognitivamente exigentes como uma forma de aliviar sua ansiedade.

Fadiga e baixa energia

Por outro lado, maior anedonia e apatia comportamental foram associadas a custos mais altos de esforço físico, indicando que indivíduos com esses sintomas eram mais propensos a evitar tarefas fisicamente exigentes. Isso está alinhado com a ideia de que sintomas físicos, como fadiga e baixa energia, contribuem para a motivação reduzida na depressão.

Uma observação interessante é que participantes com depressão mais grave exibiram limiares mais baixos para abandonar uma área, o que pode sugerir que percebiam o tempo como menos valioso ou eram menos propensos a buscar melhores oportunidades. Essa descoberta apoia teorias de que a depressão pode reduzir as percepções de recompensa no ambiente, levando a um comportamento menos direcionado a objetivos.

"Esperávamos que indivíduos com maior gravidade dos sintomas de depressão exibissem menor disposição para exercer esforço cognitivo, mas descobrimos o oposto", disse Bustamante. "Esse efeito ainda não havia sido relatado antes, então deve ser replicado, e precisamos de mais estudos para entender a causalidade dessa relação.”

Nenhuma diferença significativa foi encontrada entre os grupos de depressão e o de controle em termos de custos gerais de esforço. Segundo a autora, isso sugere que a relação entre decisões baseadas em esforço e depressão é impulsionada por padrões individuais de sintomas, e não pelo diagnóstico de forma geral. 

Isso destaca a importância de examinar relações específicas de sintomas no transtorno depressivo maior, em vez de depender apenas de rótulos diagnósticos. E, quem sabe no futuro, estudos desse tipo possam levar os cientistas a encontrar soluções mais eficazes para  os diferentes sintomas que a depressão pode causar.

Fonte: PsyPost

Tatiana Pronin

Tatiana Pronin

Jornalista e editora do site Doutor Jairo, cobre ciência e saúde há mais de 20 anos, com forte interesse em saúde mental e ciências do comportamento. Vive em NY. Twitter: @tatianapronin