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"Deve ser carma!" Você alguma vez chegou a essa conclusão?

Segundo estudo, as pessoas tendem a se lembrar mais de recompensas que tiveram por boas ações - iStock
Segundo estudo, as pessoas tendem a se lembrar mais de recompensas que tiveram por boas ações - iStock

Redação Publicado em 06/05/2025, às 10h00

Você alguma vez encontrou um dinheiro esquecido no casaco logo depois de fazer uma doação para caridade? Ou celebrou a falta de sorte de uma pessoa que teve o pneu furado depois de te fechar no trânsito?

Essas conexões não acontecem à toa, segundo uma pesquisa. Elas refletem o modo como as pessoas interpretam o carma – a “lei” espiritual de causa e efeito bastante difundida no Oriente. E isso vale até para quem não é religioso!

O estudo, realizado por psicólogos da Universidade de York e divulgada pela Associação Americana de Psicologia, descobriu uma característica marcante na maioria das pessoas, mas principalmente no mundo ocidental:

- temos facilidade de lembrar de “eventos cármicos” positivos que ocorreram na nossa vida;

- mas tendemos a focar nos “eventos cármicos” negativos quando se trata dos outros.

Comigo ou com os outros? 

O trabalho contou com mais de 2 mil participantes dos EUA, Singapura e Índia. Os resultados foram claros:

- ao responderem sobre exemplos de carma em suas próprias vidas, 60% se lembraram de experiências positivas;

- porém, ao descreverem exemplos de carma de outras pessoas, 92% se concentraram em eventos negativos.

“Muitas pessoas ao redor do mundo interpretam os eventos de suas vidas como consequências cármicas de comportamentos passados”, escreveram os pesquisadores no artigo publicado na Psychology of Religion and Spirituality.

Não importa a crença ou religião

Essa tendência de ver o próprio carma de forma positiva, enquanto o dos outros de maneira negativa, persistiu entre diferentes religiões e sistemas de crenças.

Ao descrever experiências pessoais com o carma, os participantes com frequência mencionavam ter experimentado alguma sorte inesperada após terem feito boas ações.

Já ao falar do carma dos outros, normalmente relatavam como a desonestidade ou o mau comportamento de alguém acabou levando a consequências negativas.

Diferenças culturais

Embora o viés de autoproteção nas crenças sobre o carma pareça universal, sua intensidade varia conforme a cultura, segundo os pesquisadores. O estudo mostrou que:

- norte-americanos demonstraram a tendência mais forte de ver seu próprio carma de forma positiva — 71% descreveram eventos cármicos pessoais como recompensas.

- já participantes de Singapura e da Índia — países onde o carma tem raízes religiosas mais profundas — mostraram uma divisão menos acentuada.

Isso está em linha com pesquisas anteriores da psicologia, que mostram que culturas ocidentais tendem a apresentar um viés maior de autoengrandecimento em comparação com sociedades do Leste Asiático, que frequentemente enfatizam a autocrítica e a responsabilidade coletiva.

Os pesquisadores identificaram esse padrão mesmo quando pediram aos participantes que avaliassem diretamente os eventos cármicos em uma escala de positivo a negativo. Os norte-americanos classificaram suas próprias experiências com o carma como significativamente mais positivas (4,89 numa escala de 7 pontos) do que as experiências alheias (3,54).

Jústica "cósmica"

Os autores explicam que a mente humana aplica a justiça "cósmica" de forma seletiva. Quando coisas boas acontecem conosco, somos rápidos em atribuí-las às nossas boas ações passadas. Quando coisas ruins acontecem aos outros, prontamente as vemos como punições merecidas.

Esse viés (ou inclinação) mental cumpre funções psicológicas importantes, esclarecem os pesquisadores. Ao vermos nosso próprio carma de forma positiva, mantemos uma autoimagem favorável.

Já ao enxergarmos os infortúnios alheios como punições cármicas, satisfazemos nosso desejo de justiça no mundo.

Não é consciente

Curiosamente, quando perguntados diretamente sobre os princípios gerais do carma, os participantes não demonstraram viés — intelectualmente, a maioria acredita que o carma funciona da mesma forma para todos.

O viés só apareceu, mesmo, em lembranças espontâneas, o que sugere que ele opera abaixo do nível consciente.

Assim, embora o carma, em teoria, seja imparcial — recompensando o bem e punindo o mal independentemente de quem esteja envolvido —, nosso modo de pensar sobre ele não é.

Sejam hindus, budistas, cristãos ou não religiosos, aplicamos explicações cármicas de forma seletiva, para que a gente se sinta melhor com a gente mesmo, e mantenha a crença de que quem faz o mal vai pagar por isso em algum momento.