Cármen Guaresemin Publicado em 18/08/2021, às 10h00
Quando você ouvir mulheres que tiveram filhos há pouco tempo reclamarem que as noites sem dormir, cuidando de seus recém-nascidos, estão tirando anos de suas vidas, não pense que é exagero. Elas podem estar certas, como sugere uma pesquisa recente da Universidade da Califórnia, publicada na revista Sleep Health.
Pesquisadores descobriram que um ano após o parto, mães que dormiam menos de sete horas por noite, na marca dos seis meses, eram de três a sete anos biologicamente mais velhas do que aquelas que dormiam sete horas ou mais. Eles analisaram o DNA das mulheres, em amostras de sangue, para determinar a idade biológica, que pode diferir da idade cronológica.
“O papel do sono na saúde metabólica das pessoas vem sendo objeto de estudo há anos. Quando há uma grave perturbação da ordem temporal, bioquímica, fisiológica e dos ritmos comportamentais, isso mexe também com a expressão de alguns genes que regulam nossas vias metabólicas e nossos hormônios. Muitos pacientes que enfrentam mudanças nesse ciclo não conseguem seguir um plano alimentar e têm maior carga de estresse e impulsos alimentares”, diz a médica nutróloga Marcella Garcez, professora e diretora da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran).
O recomendado é dormir entre sete a oito horas por noite. Fugir desses valores é colocar a saúde em risco, pois já há evidências de que a falta de sono pode prejudicar o coração e o cérebro e diminuir a longevidade. Desse modo, não é de se estranhar que as mães que dormiam menos de sete horas também tinham telômeros mais curtos nas células brancas do sangue.
Telômeros são pequenos pedaços de DNA nas extremidades dos cromossomos e que agem como capas protetoras, como as pontas de plástico nas pontas dos cadarços. Sua principal função é proteger o material genético transportado pelos cromossomos. No entanto, conforme as células se multiplicam para promover a regeneração dos tecidos do organismo, o comprimento dos telômeros é reduzido.
Com o passar do tempo, os telômeros ficam tão curtos que não são mais capazes de proteger o material genético, o que faz com as células parem de se reproduzir e atinjam um estado de senescência, isto é, de envelhecimento, que é sentido em todo o organismo. Há influência genética para o encurtamento mais rápido dos telômeros, mas isso também ocorre em situações de grande estresse e de privação de sono, conforme demonstrado no estudo. “Atualmente, sabemos que telômeros encurtados têm sido associados a um risco maior de câncer, doenças cardiovasculares, envelhecimento precoce e outras doenças, além de morte", explica o geneticista Marcelo Sady.
O estudo usou os mais recentes métodos científicos de análise de mudanças no DNA para avaliar o envelhecimento biológico, também conhecido como envelhecimento epigenético. “O DNA fornece o código para a produção de proteínas, que realizam muitas funções nas células do nosso corpo, e a epigenética se concentra na forma como os fatores ambientais, comportamentais e sociais podem modificar as funções e a herança celular”, explica Sady.
Quanto maior a idade biológica ou epigenética de um indivíduo, maior o risco de doença e morte precoce. O preocupante é que estes primeiros meses de privação de sono pós-parto podem ter um efeito duradouro na saúde física. Já foi mostrado, por um grande número de pesquisas, que dormir menos de sete horas por noite é prejudicial à saúde e aumenta o risco de doenças relacionadas à idade.
“A dieta é um dos principais influenciadores de alterações epigenéticas. Nutrientes e componentes orgânicos ou inorgânicos presentes em alguns alimentos podem ser essenciais para a expressão gênica. Quando o assunto é qualidade de sono, a alimentação pode ter um papel fundamental, pois os hábitos alimentares podem afetar diretamente a qualidade do sono. Portanto, neste período de pós-parto, no qual existem evidências de expressões genéticas que podem acelerar o processo de envelhecimento, a alimentação deve ser uma prioridade”, afirma Marcella.
Deste modo, é importante que se adote uma alimentação balanceada, rica principalmente em fibras, frutas, vegetais, legumes e proteínas magras. Sem se esquecer também de beber bastante água. Por outro lado, evite o consumo excessivo de sal, açúcar e gorduras saturadas, que podem aumentar a incidência de condições como câncer, hipertensão, diabetes, obesidade e doenças cardiovasculares.
Quanto maior a quantidade de alimentos ingeridos e quanto menos saudáveis forem eles, maior a probabilidade de impactos negativos à saúde do organismo, incluindo a qualidade do sono. “O consumo de alimentos ricos em açúcares, proteínas de origem animal processadas e gorduras de baixa qualidade, que são altamente energéticos, tem grande possibilidade de estimular a expressão de genes que desencadeiam reações orgânicas que podem piorar a qualidade do sono e consequentemente acelerar o processo de envelhecimento”, adverte Marcella.
Deve-se evitar o consumo de grandes quantidades de comida imediatamente antes do horário de dormir. A médica lembra que certos alimentos devem ser evitados no período noturno, porque o processo digestivo é mais lento ou porque têm ação estimulante como os gordurosos, carboidratos refinados e açúcares, carnes vermelhas e processadas, café, energéticos, refrigerantes, chás preto e verde, e bebidas alcoólicas em excesso, pois, apesar de pequenas quantidades terem efeito relaxante no início, o consumo de álcool em excesso impacta muito negativamente as horas de sono subsequentes. Vale acrescentar que mulheres que amamentam devem evitar álcool.
A dica que Marcella dá é consumir alimentos leves, e fontes de triptofano, aminoácido precursor de neurotransmissores como a serotonina e a melatonina, que atuam regulando o humor e o sono. Entre os que podem ajudar a ter boas noites de sono estão a banana, o maracujá, o kiwi, o suco de uva, o leite, as nozes, os peixes, as leguminosas e os chás claros como camomila e erva doce.
Segundo o estudo, enquanto o sono noturno das participantes variou de cinco a nove horas, mais da metade dormia menos de sete horas entre seis meses e um ano após o parto, relatam os pesquisadores. Os resultados ainda mostraram que, a cada hora de sono adicional, a idade biológica da mãe diminuía. “A saúde do sono é tão vital para a saúde geral quanto a dieta e os exercícios", afirma Marcella.
O estudo levanta alguns caminhos para aconselhar as mães após o nascimento dos filhos: aproveitar as oportunidades para dormir um pouco mais, como cochilar durante o dia quando o bebê está dormindo; aceitar ofertas de ajuda da família e amigos; e, quando possível, pedir ao parceiro para ajudar com o bebê durante a noite ou de manhã cedo.
A médica nutróloga ressalta, no entanto, que embora o envelhecimento biológico acelerado associado à perda de sono possa aumentar os riscos à saúde das mulheres, ele não causa automaticamente danos a seus corpos: “Ainda não se sabe se esses efeitos são irreversíveis, uma vez que a adoção de bons hábitos pode ajudar a frear riscos à saúde”.
O estudo incluiu mulheres com idades entre 23 e 45 anos, seis meses após o parto. “Apesar da amostra não ser grande, o estudo é importante para determinar um caminho, porém, mais pesquisas são necessárias para entender melhor o impacto em longo prazo da perda de sono nas novas mães, quais outros fatores podem contribuir para a perda de sono e se os efeitos do envelhecimento biológico são permanentes ou reversíveis”, finaliza Marcella.
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