Muitas adolescentes têm buscado por procedimentos estéticos que alteram o aspecto da região
Milena Alvarez Publicado em 18/05/2021, às 16h08
O Brasil é um dos países em que mais são feitas cirurgias estéticas no mundo. Segundo um levantamento feito pela Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS), o país registra 21 mil cirurgias por ano, ocupando o primeiro lugar no ranking mundial.
Nesse quadro, a preocupação das mulheres brasileiras com a região íntima também cresce. É cada vez mais comum a procura por procedimentos como a ninfloplastia (ou labioplastia), desenvolvidos para reduzir os pequenos lábios vaginais.
Mas será que essa preocupação excessiva com a aparência da vulva é necessária? Até que ponto uma cirurgia íntima pode ajudar na questão da autoestima? A ginecologista Claudia Barbosa Salomão, especializada em adolescentes, esclarece as dúvidas sobre o assunto.
Nos últimos anos, profissionais têm notado uma maior preocupação com relação à aparência da vulva entre meninas e jovens. Os pedidos para a realização desse tipo de procedimento estético são cada vez mais frequentes nos consultórios ginecológicos de todo o país.
De acordo com a especialista, o uso da internet é uma das razões que explica esse fenômeno: “Essa superexposição de nudes e das imagens proporcionada pela internet pode levar essa jovem a fazer comparações, mas isso não é nada bom, porque, na realidade, a diversidade é uma coisa natural do ser humano”.
A adolescência é um período de formação, amadurecimento e revisão da autoestima. Ao fazer tais comparações e ter um acesso ilimitado às imagens, as meninas acabam elegendo uma vulva que elas acham mais “bonitas” e associam o tamanho dos pequenos lábios à beleza dessa região.
A especialista explica ainda que esse descontentamento com a aparência da vulva acontece cada vez mais cedo: “Hoje estamos falando em meninas que nem se iniciaram sexualmente, com seus 14, 15 e 16 anos, por exemplo. Inclusive, uma grande preocupação é a adolescente ter isso como um rito de passagem para começar a vida sexual, o que não seria bom”.
A ninfoplastia – ou labioplastia – é um dos proceimentos mais procurados. Ainda que as questões estéticas sejam as maiores causas da procura, existem outras situações em que a cirurgia é necessária e feita por indicação médica, como é o caso da hipertrofia dos pequenos lábios.
A função dos pequenos lábios é proteger e cobrir o vestíbulo, uma região central losangular da vulva responsável por guardar os orifícios vaginal e uretral. Em casos de hipertrofia, um pequeno lábio passa por cima do outro com facilidade em várias extensões, podendo causar complicações, como dificultar a higienização da área, já que as secreções acabam ficando retidas ali.
Além disso, mulheres que apresentem a hipertrofia dos pequenos lábios também precisam lidar com a questão traumática na área: roupas muito justas e a própria prática esportiva, como andar de bicicleta, podem criar um trauma na mucosa.
Assim, o procedimento de labioplastia pode ser indicado por outras razões, como por questões psicológicas, já que uma mudança na região por meio da cirurgia pode contribuir para a autoestima da mulher.
Entretanto, Claudia explica que é preciso cautela: "Quando há um exagero em uma população da mesma faixa etária, a gente vê que não são casos individualizados, são modismos motivados, muitas vezes, por uma mudança do comportamento visual e das referências. Por isso, como profissional de saúde, é preciso ter o compromisso de olhar com olhos muito atentos para não virar algo compulsivo da adolescente querer mexer na sua genitália”.
A adolescência é um período conturbado na vida de qualquer pessoa, principalmente das meninas. É uma fase de amadurecimento, descobertas e aflições. Com todo esse cenário, os gostos, os desejos e as preocupações podem mudar frequentemente.
“O reconhecimento do próprio corpo e a absorção de todas as mudanças que ele é submetido na adolescência leva tempo. Então a gente precisa enxergar se essa preocupação com a aparência da vulva está sedimentada na cabeça da paciente como um problema que possa realmente trazer qualquer desconforto do ponto de vista de autoestima e da realização sexual”.
Vale lembrar que a vulva muda muito na adolescência. Aquele pequeno lábio que a menina apresenta na infância – pequeno, delicado e de pouca extensão – de repente dá lugar a algo maior, que acaba crescendo um pouco antes do grande lábio.
Nesse contexto, a especialista enfatiza a necessidade de ter cautela até decidir realizar a cirurgia em uma adolescente. Afinal, é um procedimento definitivo e a percepção sobre a vulva pode mudar muito. Segundo ela, é fundamental uma avaliação prévia minuciosa do comportamento da paciente e da razão pela qual ela quer fazer a cirurgia.
“A gente precisa ter muita calma. Não é gastar tempo, é ganhar tempo com essa paciente, para que ela amadureça as ideias. Será que a cirurgia vai resolver as questões que a incomodam ou será que posso atuar em outra área que vai, de repente, minimizar esse desejo? Isso tudo precisa ser avaliado com extremo cuidado”, explica Claudia.
A vulva muda com o tempo e com as fases da vida. A vulva de uma adolescente é diferente da de uma mulher jovem e esta, por sua vez, é bastante distinta da de uma mulher na fase do climatério ou na terceira idade. Além disso, a maneira como a pessoa vê a sua vulva também muda ao longo dos anos.
Um escultor britânico chocou o mundo em 2011 ao apresentar seu trabalho “The Great Wall of Vagina” – O Grande Muro da Vagina – que traz 400 vulvas diferentes. A obra demorou cinco anos para ficar pronta e foi feita através de moldes plásticos de vulvas de mulheres entre 18 e 76 anos com as mais variadas vivências: jovens, mais velhas, gêmeas, mulheres que pariram e outras que não eram mães.
O trabalho impactou o mundo e foi muito repercutido pela mídia, inclusive ressurgiu recentemente e tem circulado pelas redes sociais. O autor, em uma de suas entrevistas, contou que o seu principal objetivo era desmistificar o tema em um cenário de ascensão da procura pelas cirurgias íntimas. Segundo ele, a ideia era que as mulheres, ao observarem a diversidade de vulvas, se enxergassem em alguma delas e percebessem que existem outras pessoas com vulvas iguais ou parecidas.
Claudia acredita que a obra foi um ato de coragem “Tratar de genitalidade ainda é um tabu. Se formos pensar nas esculturas gregas e romanas, por exemplo, a genitália dos homens era totalmente exposta como símbolo de virilidade. Já a da mulher era sempre coberta. Então, com respeito, vamos vencendo esses preconceitos e crescendo como sociedade”.
A especialista conta ainda que explicar sobre a diversidade é uma das práticas que ela adota ao receber uma adolescente que quer realizar o procedimento de redução dos pequenos lábios “Eu converso muito com as meninas e explico sobre a diversidade do corpo humano. Hoje em dia temos imagens para podermos apresentar todos os tipos que existem e precisamos mostrar que a diversidade anatômica das pessoas é uma coisa real e normal”.
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