Os resultados de uma pesquisa com medicamento contra obesidade tiveram grande destaque na imprensa nacional e internacional nesta quinta-feira (11). O motivo da empolgação é fácil de entender: a substância, que se chama semaglutida, trouxe uma perda média de 15% do peso corporal nos pacientes testados. E mais: um terço dos participantes conseguiu perder mais de 20% do peso corporal, o que é algo muito expressivo.
“Eu trabalho faz tempo com obesidade e a média que costumamos observar, em estudos desse tipo, é de 5 a 10% do peso corporal, o que já é suficiente para trazer benefícios à saúde”, comenta a endocrinologista Cintia Cercato, presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso).
Assim, se uma pessoa está com 100 kg e consegue emagrecer 10 kg, ela já terá uma redução significativa no risco de sofrer um infarto ou derrame, por exemplo, ainda que ainda esteja longe de seu peso ideal. Uma diminuição desse tipo também tem impacto positivo no controle da glicose e da pressão arterial, e pode melhorar quadros de apneia do sono e refluxo. Quem já fez dieta alguma vez na vida sabe, contudo, que perder 10 kg – e, mais ainda, manter o novo peso – exige bastante esforço.
Não chega a tanto. Uma cirurgia bariátrica, um tratamento definitivo na maior parte dos casos, pode produzir uma perda de 25 a 30%. Mas, como todo procedimento cirúrgico, envolve riscos e tempo de recuperação. Por isso, o fato de 30% dos voluntários que testaram a semaglutida terem perdido 20% do seu peso corporal é algo promissor.
Além do emagrecimento, os pacientes que tinham sintomas de pré-diabetes também apresentaram melhora significativa. Todos receberam aconselhamento individual de nutricionistas a cada quatro semanas para ajudá-los a seguir uma dieta com redução de calorias e atividade física.
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Outro detalhe interessante é que a semaglutida já é um medicamento em uso no Brasil e em outros países, só que em doses menores, para controle da glicose em pacientes com diabetes tipo 2. Para essa finalidade, a indicação é de até 1 mg da solução injetável. Na pesquisa publicada no New England Journal of Medicine esta semana, a dose testada foi de 2,4 mg.
“É importante dizer que essa dose ainda está sendo estudada, e que nem ela, nem essa indicação foram aprovadas pela Anvisa”, enfatiza a endocrinologista, que teme o risco do uso “off label” (ou seja, fora da indicação), ou mesmo a automedicação. (Num país em que mais da metade da população está acima do peso e 20% é obesa, notícias sobre remédios para emagrecer sempre geram uma corrida a médicos e farmácias).
O estudo de fase 3, patrocinado pelo próprio fabricante, o laboratório Novo Nordisk, contou com 2.000 participantes de 16 países. O medicamento foi comparado com placebo ao longo de 68 semanas. As doses foram aumentadas aos poucos, ao longo de 16 semanas, e depois os 2,4 mg foram mantidos ao longo de 52 semanas. "Não dá para aumentar da noite para o dia", comenta a médica.
Também é bom destacar que o tratamento não será barato. Em farmácias de São Paulo consultadas pelo site, a caixa com o sistema de aplicação da semaglutida na dose máxima, que ainda é bem menor que a avaliada no combate à obesidade, não sai por menos de R$ 700. Se a aprovação na dose superior ocorrer, provavelmente não será um valor menor.
A aplicação uma vez por semana da semaglutida representa um avanço em relação a outra substância que estampou manchetes há alguns anos – a liraglutida, que deve ser aplicada uma vez ao dia. Ambos os produtos têm um mecanismo de ação parecidos: são análogos do hormônio GLP-1, que, além de regular a glicose, aumenta a saciedade. Isso permite que a pessoa consiga seguir a dieta sem sentir tanta fome.
A trajetória da semaglutida, pelo que parece, deve seguir a percorrida pela liragludita – primeiro, a solução foi aprovada em dose mais baixa para o diabetes. Mais tarde, após a realização de testes, uma dose mais alta foi aprovada para o tratamento da obesidade.
A injeção doi? Não. O produto é parecido com as canetas de aplicação de insulina, que hoje possuem agulhas finas e são aplicadas pelo próprio paciente sem grandes desconfortos.
Mas existem efeitos colaterais, como náuseas, vômitos, diarreia e constipação. Na maioria dos casos, os sintomas foram de leves a moderados, e transitórios, mas 7% dos participantes discontinuaram o tratamento por causa deles. Também houve algumas ocorrências, mais raras, de pedras na vesícula.
Ainda que o novo tratamento venha a ser aprovado, num futuro breve, para quem precisa perder peso, é importante destacar que a obesidade é uma doença crônica, assim como o diabetes. Em outras palavras, o tratamento é para sempre. “Se a pessoa para de tomar um remédio para controlar a glicose, ela volta a aumentar”, comenta Cercato. Com remédios para emagrecer, o processo é o mesmo.
Isso significa que nem todo mundo terá condições de custear o tratamento por longos períodos. Vale lembrar que nem a liraglutida, que já é aprovada para o combate da obesidade há algum tempo, é disponibilizada pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Nenhum medicamento com essa finalidade, por sinal, pode ser obtido no sistema público.
É sempre bom lembrar que a obesidade não é uma doença provocada pela falta de disciplina ou força de vontade. É um problema que envolve fatores genéticos e ambientais, questões sociais, econômicas e emocionais.
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Tatiana Pronin
Jornalista e editora do site Doutor Jairo, cobre ciência e saúde há mais de 20 anos, com forte interesse em saúde mental e ciências do comportamento. Vive em NY. Twitter: @tatianapronin