Ciência não pode oferecer esse tipo de escolha por motivos éticos, embora existam exceções
Fernando Prado Publicado em 05/08/2022, às 10h00
A escolha de algumas características das futuras crianças é sempre uma questão bastante procurada pelos casais. E, muitas vezes, essa escolha baseia-se em características físicas, como a cor do cabelo, cor dos olhos, cor da pele e até mesmo o sexo da futura criança.
É importante esclarecer que essa escolha pode ser considerada um processo de eugenia, que é aquela situação lamentável que vivemos na época da 2ª guerra mundial com o nazismo: a busca do ser humano perfeito, o ser humano ideal, o super-homem ou a supermulher, que não tenha nenhuma doença, seja mais forte, mais inteligente e com uma característica física mais desejável.
Claramente, a ciência não pode oferecer esse tipo de escolha por motivos éticos, embora existam exceções em algumas situações, por exemplo, na escolha do sexo: existem algumas doenças que são ligadas ao sexo, como a hemofilia, o daltonismo e a distrofia muscular. Nessas situações, é possível escolher um embrião de um determinado sexo pra que a doença não seja transmitida para as próximas gerações da família, o que, a longo prazo, poderia simplesmente excluir essa doença da população mundial.
O grande ponto é que algumas culturas privilegiam um sexo em detrimento do outro. Vemos países em que crianças são abandonadas recém-nascidas por terem nascido do sexo feminino, pois são culturas que desejam meninos como herdeiros. É bastante triste e a ciência não pode dar amparo para este tipo de comportamento.
Em 2018, a ciência conseguiu desenvolver uma técnica de edição dos genes, chamada de CRISPR-Cas9, que permite trocar a posição dos genes nos cromossomos, fazendo uma verdadeira edição no código genético. Com isso, é possível mudar aquele ser humano a partir da edição desse código, o que traz possibilidades infinitas, por exemplo, aumento da inteligência e imunidade a certas doenças, como o HIV. Esses dois exemplos citados foram um caso que aconteceu na China, em 2019, com o nascimento de gêmeas editadas geneticamente pelo cientista He Jiankui. Essa situação abriu um grande debate no campo da ciência e da medicina sobre a não utilização dessas técnicas e foi consenso entre todos os cientistas e sociedades do mundo que deveriam ser proibidas.
Praticamente todos os países do mundo proíbem essa técnica de escolha de genes e edição genética. Inclusive, no Brasil, existe a lei de Biossegurança, que proíbe a realização de engenharia genética com embriões humanos. É um crime previsto em lei e o cientista pesquisador ou médico que realizá-la está sujeito a pena de prisão.
Com relação a cor dos olhos, essa escolha não é tão simples de ser feita, pois a cor dos olhos é, na verdade, uma mistura de tons. Mais de um gene determina a cor dos olhos. Então não é algo tão simples de ser feito em laboratório e ainda não existe essa tecnologia. Mas, assim como citado anteriormente, ainda que fosse possível, é bastante questionável eticamente e, com certeza, nossos órgãos reguladores não permitiriam que fosse realizada. Não queremos que aconteça "uma melhoria genética” naquele indivíduo.
Em suma, é muito tênue o limite entre o que é possível pela ciência e o que é eticamente tolerável. Essas questões devem sempre ser levadas em conta quando for pensado um tratamento de reprodução humana, em que essas tecnologias podem ser usadas para salvar vidas, evitar alguma síndrome cromossômica ou evitar a transmissão de alguma doença grave, mas jamais para fazer uma melhoria genética para criação de um superindivíduo.
*Fernando Prado é médico ginecologista, obstetra e especialista em Reprodução Humana. É diretor clínico da Neo Vita e coordenador médico da Embriológica. Doutor pela Universidade Federal de São Paulo e pelo Imperial College London, de Londres - Reino Unido. Possui graduação em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo, Membro da Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva (ASRM) e da Sociedade Europeia de Reprodução Humana (ESHRE). Instagram: @neovita.br
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