Ele tirou a camisinha no meio do sexo e não me avisou, e agora?

Essa ação, intitulada como “stealthing”, além de ser prejudicial à saúde, ainda é criminosa e pode ser denunciada

Giulia Poltronieri Publicado em 12/08/2021, às 10h00

Advogada e ginecologista explicam o que fazer nessa situação - iStock

Durante uma relação sexual, o consentimento de todas as pessoas que participam do ato é essencial, correto? Porém, o que muita gente esquece é que esse consentimento pode ser alterado mesmo durante a ação, ou seja, se no meio do sexo uma das pessoas não se sentir mais à vontade, ela pode pedir para parar e a pessoa que está com ela deve respeitar.

Da mesma forma, tudo o que acontece durante o ato deve ser consentido… e é justamente aí que mora o problema. Nas redes sociais, muitas mulheres têm relatado que homens tiram a camisinha durante o sexo sem a autorização delas. Essa atitude, que ganhou o nome de “stealthing”, é criminosa e pode trazer diversos riscos.

Mas por que o “stealthing” é considerado um crime?

De acordo com a advogada Marília Golfieri Angella, no “stealthing”, a conduta que será averiguada é a falta de consentimento da outra pessoa, ainda que a relação tenha se iniciado de forma consentida, independentemente de gênero. 

“Esse ato isolado pode se enquadrar como violação sexual mediante fraude, conforme o Artigo 215 do Código Penal. É o que a doutrina classifica como ‘estelionato sexual’, pois há emprego de meio que impede ou dificulta a manifestação livre da vontade da vítima. Ou seja, ninguém pode ser forçado ao ato sexual sem proteção e segurança e sem que haja transparência, confiança e respeito na relação estabelecida”, explica ela. 

Marília também destaca o fato de que a falta de consentimento ocorre não só em relacionamentos casuais, mas também pode acontecer em relações fixas e duradouras. “Para além dessa prática, é preciso que a vítima esteja atenta a outros atos abusivos, como o uso de violência ou grave ameaça para a prática de atos sexuais não desejados, o que pode também ser enquadrado como estupro. A situação deve ser avaliada como um todo”, alerta a advogada.

Quais são os riscos para a saúde?

O preservativo é usado para proteger as pessoas de infecções sexualmente transmissíveis e de uma gravidez indesejada. Logo, a ginecologista Milena Brandão explica que, ao retirá-lo durante a relação sexual sem o consentimento da outra pessoa, além do trauma emocional da agressão, expõe a vítima a infecções, tais como vírus, fungos e bactérias, que causam agravos na pele da genitália, como herpes, vaginites, e também a doenças nas partes mais altas da anatomia feminina. 

“Dessa forma, a mulher pode desenvolver cervicite, endometrite, salpingite e até peritonite. Tudo isso constitui uma síndrome médica denominada ‘doença inflamatória pélvica’, que pode levar a quadros de infertilidade, abscesso intra-abdominal, sepse e risco de morte. Não podemos esquecer de outras condições, como HPV, sífilis, HIV e hepatite”, explica a médica.

Confira:

Milena ainda chama atenção para um grande problema: essas doenças nem sempre manifestam sintomas imediatos, podendo levar até meses para que apareça algum desconforto. Por isso, quando alguém passa pela situação de “stealthing”, não é recomendado esperar o aparecimento de sintomas para procurar tratamento direcionado. Para isso, inclusive, existem protocolos bem estabelecidos para as vítimas de violência sexual. 

O que fazer em caso de “stealthing”?

Na questão da saúde, a ginecologista recomenda que a vítima busque assistência pelo SUS, em unidades de atendimento à mulher ou nos postos de saúde da família. “Uma vez na rede de atendimento, iniciam-se uma série de protocolos bem estabelecidos para ela. O atendimento é integral e humanizado e, a partir do primeiro contato com esse sistema, são feitos registros das informações do ocorrido e a coleta de vestígios de Violência Sexual através de encaminhamento para exames de corpo delito e coleta de material biológico para exames de DNA”, explica Milena.

 “Ela também terá acesso a protocolos de condutas médicas para contracepção de emergência, prescrição de medicamentos utilizados para prevenir doenças que podem ser adquiridas pelo contato sexual, realização de exames sorológicos e teste rápido de gravidez. São prescritos medicamentos para profilaxia de sífilis, gonorreia, clamídia, tricomonas, hepatite B e HIV. Também serão usadas pílulas de hormônios, que vão diminuir a chance de que haja gravidez se a vítima for mulher em idade fértil”, conta a médica.

Já no âmbito jurídico, Marília explica que a denúncia pode ser feita diretamente na Delegacia mais próxima do local dos fatos – que pode ser ou não a residência da vítima – e, em alguns Estados, já é permitida a lavratura de boletim de ocorrência por meios eletrônicos, sendo que não é preciso estar em companhia de um advogado. 

“A fase da produção das provas do crime vai ocorrer de acordo com cada caso, como o uso de prints de mensagens, fotos, vídeos, gravações, testemunhas que acolheram a vítima após o ocorrido, oitiva do averiguado e, em especial, a palavra da vítima, que em crimes sexuais tem um peso importante, pois são crimes constantemente praticados em ambientes de intimidade, quando a colheita de provas mais concretas possa ser dificultosa”, conclui a advogada.

Assista também:

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