A partir de 1986, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) passou a monitorar as queimadas no Brasil com o objetivo de identificar os focos dos incêndios e fornecer informações relativas ao desenvolvimento de políticas públicas que coíbam a prática das queimadas.
Com falhas na fiscalização e, sobretudo, punição de madeireiros ilegais, os focos têm aumentado ano após ano, destruindo o bioma principalmente da floresta amazônica e comprometendo a saúde de milhares de pessoas que ficam expostas à fumaça rica em partículas e gases tóxicos. As áreas desmatadas são posteriormente queimadas para “limpar” o terreno, abrindo espaço para a pastagem, a agricultura, ou a simples especulação fundiária, e esse é o objetivo de tanto incêndio provocado, com exceção daqueles focos que se iniciam por conta do clima seco.
Até então, o ano de 2007 era considerado o pior ano em relação ao número de queimadas na região amazônica, no entanto, só em um dia do mês de agosto de 2022 foram registrados mais de 3,3 mil focos de incêndio na Amazônia, principalmente entre os estados do Amazonas, Pará e Mato Grosso. O estado do Acre, localizado na Amazônia Ocidental, até setembro de 2022 registrou 7.104 focos ante a 5.330 durante todo o ano de 2021. Isso representa um aumento de mais de 30% e supera, inclusive, o ano de 2005, antes considerado o pior ano da história desde que o Inpe iniciou a série histórica de monitoramento.
A Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia fez um estudo em 2021 cujo objetivo era analisar os efeitos da fumaça decorrente das queimadas na saúde da população. Entre os problemas de saúde relacionados à fumaça estão:
Além dos principais achados listados acima, foi encontrada uma relação entre exposição de gestantes a níveis elevados de material particulado presente na fumaça e parto prematuro. Esses níveis elevados de fumaça no primeiro trimestre de gestação estão associados a maiores riscos de os bebês nascerem com baixo peso e isso influencia nas condições de saúde dessa criança tanto a curto como a longo prazo.
Um estudo da Fiocruz e do WWE apontou que as queimadas na Amazônia foram responsáveis pela elevação dos percentuais de internações hospitalares por problemas respiratórios no período de 2010 a 2020. Os dados mostram que mesmo com a possível subnotificação, por conta de inconsistências na base de dados do DataSUS, os valores diários de poluentes são extremamente elevados e contribuíram para aumentar em até duas vezes o risco de hospitalização por doenças respiratórias atribuíveis à concentração de partículas respiráveis e inaláveis finas (fumaça) nos estados analisados.
No Amazonas, 87% das internações hospitalares no período analisado estão relacionadas às altas concentrações de fumaça. O percentual foi de 68% no Pará e de 70% no Mato Grosso e também em Rondônia. Já as doenças respiratórias associadas às altas concentrações de partículas de poluentes emitidas pelas queimadas respondem por 70% das internações hospitalares registradas no Pará, Mato Grosso, Rondônia e Amazonas.
Apesar de não ser novidade para ninguém que poluição ambiental faz mal à saúde em um sentido amplo, é sempre bom reforçar. Campanhas e peças publicitárias reafirmam que fumar faz mal à saúde, por exemplo, mas com as concentrações de fumaça elevadas toda a população parece estar dentro de um grande incinerador, fumando excessivos maços de cigarro. Mesmo após as chamas serem apagadas, podem ser encontradas 400 microgramas por metro cúbico (µm) de partículas inaláveis finas (PM2,5). Isso seria como ser exposto a 18 cigarros acesos.
Mas, diante de tanta poluição e focos de incêndio, o que as pessoas podem fazer para se proteger dos efeitos danosos disso? A Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade faz algumas orientações na tentativa de diminuir os efeitos das queimadas na saúde. Abaixo listamos as principais orientações dos médicos:
Além disso, em caso de urgência deve-se buscar ajuda médica imediatamente para evitar possíveis complicações.
A Amazônia legal é composta por nove estados brasileiros (Acre, Amazonas, Amapá, Roraima, Rondônia, Tocantins, Mato Grosso, Pará e Maranhão) e representa enorme diversidade e riqueza não apenas para os povos da floresta, mas sim para o país como um todo. Defendê-la de predadores é – ou deveria ser – um dentre muitos objetivos de autoridades que ocupam cargos públicos, principalmente àqueles que ali estão através de voto popular.
A população, além de tomar medidas gerais de cuidado à saúde, também tem de tomar medidas quanto a escolha de representantes e projetos de proteção ambiental que impactam de maneira significativa a todos. Em 2019, com a certeza da impunidade, fazendeiros do interior do estado do Pará decidiram fazer o “Dia do Fogo” e acenderam inumeráveis focos na região.
A população no entorno sofre, porém a devida atenção só foi dada quando o céu da cidade de São Paulo ficou escuro e o dia virou noite por causa da fumaça preta que chegou até lá. Por isso, não importa se é um executivo da Faria Lima ou um menino do Rio Acre, a defesa do meio ambiente é dever de todos e isso, sobretudo em ano de eleição, ocorre através do voto consciente para dar um norte melhor na formulação de políticas públicas e efetivas de proteção ambiental e desenvolvimento sustentável.
* Anderson José é estudante de medicina na Ufac (Universidade Federal do Acre), autor do podcast Farofa Médica e da página de Instagram @oiandersao
Anderson José
Estudante de medicina na Ufac (Universidade Federal do Acre), autor do podcast Farofa Médica e da página de Instagram @oiandersao