Esporotricose: casos da doença aumentam por todo o país

Apelidada de “doença do jardineiro” ou “doença da roseira” é considerada negligenciada

Cármen Guaresemin Publicado em 30/08/2023, às 14h00

Gatos não devem ser considerados os vilões, pois também são vítimas dos fungos - iStock

A esporotricose é uma infecção fúngica que pode ocorrer tanto em humanos quanto em animais. O fungo Sporothrix pode ser encontrado em certas plantas e no solo circundante, por isso os apelidos de “doença do jardineiro” ou “doença da roseira” – porque era registrada apenas em zonas rurais e em pessoas que lidavam diretamente com plantas ou terra. Porém, passou a assumir outro perfil, especialmente em áreas metropolitanas, sendo hoje transmitida na maioria das vezes por gatos.

Os felinos apresentam alto potencial de transmissão pois têm como hábitos sociais viver em colônias, além de terem o costume de subir em árvores, se esconder em jardins, se esfregar uns nos outros, além das mordeduras e arranhaduras, o que colabora para a disseminação da doença não só entre eles, mas também entre humanos. Apesar disso, gatos não devem ser considerados os vilões, pois também são vítimas dos fungos.

Este tipo de fungo é prevalente em todas as partes do mundo, mas pode ser mais comum na América Central e do Sul. A doença é transmitida de animais para animais e de animais para pessoas, mas não de pessoa para pessoa. Apesar de em alguns casos provocar sintomas graves, vale lembrar que a esporotricose tem tratamento e cura tanto para humanos quanto para animais. O diagnóstico dos animais deve ser feito em clínicas veterinárias. Por isso, o animal com suspeita de esporotricose não deve ser abandonado, maltratado ou sacrificado. Com tratamento adequado e informações corretas sobre os cuidados necessários, é possível promover a cura.

Proporção endêmica

No Brasil, desde o final da década de 1990, no estado do Rio de Janeiro, a ocorrência da doença em animais, especialmente em gatos, e sua transmissão para humanos assumiram proporções endêmicas, sendo que nos últimos dez anos, houve aumento de 162% na taxa de contaminação: 579 (2013) para 1.518 (2022), segundo o Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação). Os números também crescem em outros estados, como Amazonas, São Paulo e Minas Gerais.

Segundo a Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, a esporotricose é “considerada uma doença negligenciada e um problema de saúde pública, a Esporotricose de Transmissão Felina (ETF) decorre da ausência de um programa ou de ações de controle a nível nacional, da falta de capacidade de fazer diagnósticos na maioria dos municípios atingidos, da falta de medicação gratuita facilmente disponível para o tratamento, tanto em humanos quanto em animais, e do desconhecimento da população sobre as medidas de controle. Além disso, os casos podem estar subnotificados, ou não sendo diagnosticados corretamente, pois ainda há desconhecimento de médicos e veterinários sobre ela”.

Quais são os sintomas?

Geralmente começam leves nas primeiras semanas de exposição. Surge uma pequena protuberância que pode ser vermelha, rosa ou roxa, no local da exposição, geralmente no braço ou na mão, e pode ou não ser dolorosa ao toque. Pode levar de uma a 12 semanas antes que apresente quaisquer sintomas. À medida que a infecção progride, o inchaço pode se transformar em úlcera. Pode haver uma erupção cutânea grave ao redor da área afetada, bem como novas saliências na superfície da pele. Às vezes, a erupção pode afetar os olhos e até causar conjuntivite granulomatosa.

Esporotricose cutânea

Ter um corte ou ferida aberta na pele pode colocar você em risco de esporotricose cutânea, ou seja, o fungo entra na pele. Algumas pessoas são infectadas após serem cortadas por uma planta que contém o fungo – é por isso que os espinhos das rosas são notáveis culpados, porém, atualmente, a maioria dos casos é por arranhadura ou mordida de gatos.

Esporotricose pulmonar

Raramente o fungo entra nos pulmões depois de respirar os esporos do ar. Este subtipo é denominado esporotricose pulmonar. Pode causar dificuldades respiratórias, dor no peito, tosse, febre, fadiga e perda de peso involuntária. 

Como é diagnosticada 

Para um diagnóstico correto, é preciso consultar um médico dermatologista ou infectologista para fazer exames. Eles colherão uma amostra de pele (biópsia) e a enviarão ao laboratório. Se o seu médico suspeitar de esporotricose pulmonar, poderá solicitar um exame de sangue. Às vezes, os exames de sangue também podem ajudar a diagnosticar formas graves de esporotricose cutânea. Obter o tratamento certo depende dos resultados desses testes.

A esporotricose humana e animal não é uma doença de notificação compulsória, exceto em alguns municípios. Em São Paulo, desde 2011, as unidades de saúde são orientadas a notificar todos os casos suspeitos. Segundo a prefeitura da cidade, “a notificação é importante para a vigilância epidemiológica, porque é por meio dessas informações que as equipes das Unidades de Vigilância em Saúde (UVIS) desencadeiam ações, como busca ativa de novos casos em humanos e animais para o controle da doença”.

Tratamentos

Tanto o animal quanto o humano são tratados com antifúngicos - iStock

Infecções fúngicas como a esporotricose dependem de tratamentos médicos para eliminar o fungo do corpo. No entanto, algumas medidas caseiras podem ajudar a diminuir a propagação da infecção. Você pode garantir que a ferida seja mantida limpa e coberta. Isso pode ajudar a prevenir o agravamento de erupções cutâneas. E também deve evitar arranhar a área.

É muito importante que o animal seja acompanhado por um veterinário durante todo o tratamento. Quanto antes for diagnosticado e tratado, menor é o risco de transmissão para outros animais e pessoas. Em alguns casos, a doença pode voltar mesmo após o animal ter sido considerado curado, principalmente se o tratamento não for feito da forma correta. Aqueles já tratados e curados podem pegar a doença de novo. Por isso, é importante evitar que tenham acesso à rua.

Limpe o ambiente onde o animal doente se encontra todos os dias para ajudar a reduzir a quantidade de fungos e uma nova contaminação. Além disso, use sempre luvas durante os cuidados do animal doente, além de proteger os olhos.

As infecções de pele causadas por esse tipo de fungo são tratadas, tanto em humanos quanto em animais, com antifúngicos, como itraconazol oral e iodeto de potássio supersaturado. Estes são tomados durante vários meses até que a infecção desapareça completamente. A esporotricose grave pode necessitar de tratamentos intravenosos. Pode ser necessário tomar itraconazol por até um ano após a conclusão das terapias. Isso ajuda a garantir que o fungo esteja completamente fora do corpo. Se a infecção tiver origem nos pulmões, pode ser necessário fazer uma cirurgia. O processo envolve cortar o tecido pulmonar infectado.

Pode causar complicações?

A maioria dos casos de esporotricose não é mortal. No entanto, se você não tratar a infecção, poderá ter inchaços e feridas por muitos anos. Alguns casos podem se tornar permanentes. Se não for tratado, esse tipo de infecção pode evoluir para esporotricose disseminada. Com esta condição, a infecção fúngica se espalha para outras partes do corpo, como ossos ou sistema nervoso central. Você pode experimentar dor nas articulações, fortes dores de cabeça, confusão e convulsões. Um sistema imune enfraquecido pode colocar em risco de contrair este tipo de esporotricose, especialmente se a pessoa tiver o vírus HIV. Se estiver grávida, os medicamentos antifúngicos podem prejudicar o bebê.

Perspectivas para a esporotricose

No geral, a maioria dos casos não apresenta risco de vida. Ainda assim, dados os sintomas e possíveis complicações, não vale a pena correr riscos ao trabalhar ao ar livre ou manipular animais desconhecidos ou deixar seu gato "dar saidinhas". Você pode ajudar a diminuir o risco sempre usando luvas ao mexer com plantas e árvores. Mangas compridas e calças também podem oferecer proteção. Se você tiver uma ferida, certifique-se de que ela esteja devidamente coberta antes de manusear matéria vegetal. É importante manter seu animal de estimação em casa, para que ele não tenha contato com animais doentes.

Já existe ou está sendo desenvolvida alguma vacina contra a esporotricose? Segundo a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) não existe vacina contra a esporotricose, mas alguns estudos vêm sendo desenvolvidos neste sentido.

Como saber se o animal está curado? Ele vai melhorando aos poucos depois de começar a tomar o remédio. O tratamento deve continuar até pelo menos dois meses após as feridas desaparecerem e os pelos voltarem a crescer. Somente depois desse prazo, ele é considerado curado.

O gato deve ser sacrificado? A indicação de eutanásia (sacrifício) somente é aceita para os casos de animais sem possibilidade de tratamento (casos muito graves, sem chance de cura). Por isso, é fundamental procurar a ajuda do veterinário o quanto antes para iniciar o tratamento adequado. Em caso de morte ou eutanásia do animal doente, o corpo deve ser cremado (incinerado) e não enterrado, para evitar a contaminação do ambiente.

Fontes: Healthline / Fundação Oswaldo Cruz

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