Falhas de ereção após Covid-19? Médico explica o que fazer

Estudo recente apontou a presença do vírus no tecido peniano de dois homens com dificuldades

Tatiana Pronin Publicado em 14/05/2021, às 18h43

O vírus pode afetar o órgão sexual masculino de diferentes maneiras, causando problemas de ereção - iStock

Um estudo publicado na semana passada trouxe novas evidências de que homens podem ter problemas de ereção meses após se recuperar da Covid-19. Pesquisadores da Universidade de Miami, nos EUA, ainda encontraram resquícios do Sars-Cov-2 no tecido peniano de dois pacientes com mais de 65 anos que haviam se recuperado seis meses antes e ainda enfrentavam disfunção sexual.

A descoberta, inédita, foi relatada no periódico World Journal of Men`s Health. Outra pesquisa, divulgada em março por uma equipe da Universidade de Roma, já havia sugerido que 28% dos homens que tiveram a doença apresentaram problemas no desempenho sexual em seguida. Outros trabalhos, inclusive realizados no Brasil, também indicam que a doença pode interferir na produção de testosterona, o hormônio masculino ligado à fertilidade e à libido.

Para explicar melhor essas descobertas recentes e saber o que pode ser feito em casos como esses, procuramos o urologista Carlos Bautzer, do núcleo de Medicina Sexual do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, e médico-assistente da disciplina de urologia da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC).

Como o Sars-Cov-2 pode gerar problemas de ereção?

Diversas alterações decorrentes da infecção pelo Sars-Cov-2 podem levar a alterações na capacidade de ter e manter a ereção. Na Covid-19, os vírus utilizam receptores que atacam o endotélio, que é o revestimento interno dos vasos sanguíneos do corpo inteiro. Isso explica a alta incidência de diversos fenômenos vasculares relacionados com a doença, como trombose, isquemia e inflamação.

No mecanismo de ereção, é necessário que o sangue chegue a estruturas penianas chamadas corpos cavernosos, que, através de estímulos nervosos, provocam um aumento do calibre dos vasos cavernosos e, com isso, ocorre um represamento deste sangue dentro dessas estruturas. Para que ocorra a dilatação destes vasos, existe a liberação de uma substância chamada óxido nítrico, produzida no endotélio destes vasos. A substância promove a dilatação destes vasos e o aumento do fluxo sanguíneo para dentro dos corpos cavernosos.

O trabalho recém-publicado por um grupo de Miami conseguiu demonstrar que, em dois pacientes que desenvolveram disfunção erétil após a infecção por Covid, havia uma quantidade menor de produção de óxido nítrico pelo endotélio nos corpos cavernosos, quando comparados com outros dois pacientes que tinham disfunção erétil por outro motivo. Nesses quatro pacientes, não havia resposta adequada a medicações, sendo que as próteses penianas foram utilizadas para que eles pudessem ter relações sexuais. Esta pode ser uma das explicações para que ocorra disfunção erétil após a infecção.

Além da função do endotélio dos vasos dos corpos cavernosos, existem outras explicações e hipóteses para a piora da função erétil após a infecção pelo Sars-Cov-2. Entre elas podemos citar:

- piora da função cardíaca: o comprometimento cardíaco e da capacidade de bombeamento do coração, associado a fenômenos trombóticos (obstrução de vasos sanguíneos), pode levar a uma redução da quantidade de sangue que chega aos corpos cavernosos e, com isso, dificultar a capacidade de obter ereção;

- piora do desempenho pulmonar: a dificuldade de fazer exercícios pela dispneia (falta de ar), em decorrência de comprometimento do tecido pulmonar, diminui a capacidade física para a relação sexual, visto que essa é considerada uma atividade de esforço físico moderado;

- piora da função hormonal (produção de testosterona): já foi demonstrada a presença de Sars-Cov-2 em tecido testicular e redução das células produtoras de testosterona nos testículos (células de Leydig), levando à redução dos níveis de hormônio nos pacientes acometidos por Covid-19. A falta de testosterona leva à perda da musculatura, redução de libido e da capacidade de obter ereções com facilidade;

- estresse psicológico: a infecção grave por Covid-19 leva a alterações psicológicas importantes, como ansiedade e depressão, associada à queda importante na autoestima e figura corporal, de modo a afetar negativamente a atividade sexual e prejudicar a função erétil.

Isso só é observado em homens que tiveram as formas mais graves de Covid?

Ainda não existem estudos que definam quais pacientes poderão ser acometidos por essas alterações, mas podemos considerar que a função sexual vai ser afetada de maior forma quanto mais órgãos forem acometidos, ou seja, os pacientes mais graves são os mais afetados. Todos os estudos estão mais concentrados nos pacientes mais graves e com maiores sequelas.

Quanto tempo leva a recuperação? E quais os tratamentos possíveis?

A simples presença de partículas virais no tecido cavernoso do pênis ou dos testículos não confirma que a função desses órgãos será afetada negativamente. Seria apenas um indício de que o vírus chegou a esses locais, como "pegadas" da passagem dele. Já a redução da produção do óxido nítrico no endotélio dos corpos cavernosos indica que a função, nesse caso, poderia ser afetada.

Em relação ao tempo de recuperação, ainda não existe uma estimativa, uma vez que não temos ainda tempo suficiente de acompanhamento para essa definição. Se usarmos o tempo de recuperação para as demais funções do corpo, como a função pulmonar, motora e neurológica, podemos prever que serão meses para que ocorra uma recuperação, sendo que, em alguns casos, sequelas poderão ser permanentes.

O tratamento com medicações orais, como os inibidores da fosfodiesterase tipo 5 (como a sildenafila, tadalafila, vardenafila, udenafila), pode ajudar a manter o fluxo sanguíneo nos corpos cavernosos e evitar a fibrose do tecido cavernoso. Provavelmente, o uso contínuo de pequenas doses diárias deve ser mais benéfico, como se fosse uma "fisioterapia" para os corpos cavernosos. Se essas medicações forem insuficientes, podem ser injetadas medicações vasodilatadoras (como prostaglandinas, papaverina ou fentolamina) diretamente nos corpos cavernosos para promover a dilatação dos vasos e levar a ereção. Além disso, se for diagnosticado hipogonadismo (falta de testosterona) pode ser realizada reposição do mesmo, com cuidado para não ultrapassar os níveis de normalidade. Isso deve ser observado e seguido de perto porque o excesso de testosterona pode levar a aumento do hematócrito (quantidade de células dentro do sangue), que pode aumentar os eventos tromboembólicos, que já ocorrem na Covid-19.

Se as medicações orais ou injetáveis nos corpos cavernosos não forem suficientes, uma prótese peniana maleável ou inflável poderá ser utilizada para que o paciente possa ter atividade sexual. Neste caso, são inseridos cilindros de silicone dentro dos corpos cavernosos, o que simula a ereção e permite rigidez axial suficiente para a penetração e o ato sexual.

É importante ressaltar que os pacientes que perceberem sinais de piora de função sexual após infecção por Sars-Cov-2 devem procurar precocemente um especialista. Certamente, a recuperação pulmonar e motora do paciente têm prioridade, uma vez que são funções mais importantes para o paciente recuperar sua autonomia e capacidade laboral.

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