Um novo relatório divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU) mostrou que, em 2021, 56% dos feminicídios no mundo foram cometidos por parceiros íntimos ou por outros familiares. Feminicídio é considerado todo homicídio praticado contra a mulher por razões da condição do gênero feminino e em decorrência da violência doméstica e familiar, ou por menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
Enquanto a maioria dos homens assassinados morrem fora de suas casas, as mulheres não estão seguras dentro do próprio ambiente familiar, sendo ameaçadas por maridos, ex-companheiros, pais, irmãos, tios e filhos.
Muitos pais e cuidadores acabam reforçando modelos que reproduzem diferenças na criação de meninos e meninas. Na escola não é diferente e essa dualidade segue sendo reforçada através das relações entre os grupos sociais. Compartilhar emoções, falar sobre sentimentos e cuidar do corpo são questões focadas no sexo feminino. Segundo a Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), por exemplo, as chances de um menino procurar um médico na adolescência é 18 vezes menor do que as de uma menina se consultar com o ginecologista.
Assim, garotos são ensinados a lidar com problemas sozinhos, a deixar de lado as próprias emoções e sentimentos, e a sustentar a ideia de ser alguém “infalível” e “invulnerável”. Tudo isso começa na infância e é consolidado na vida adulta, em que homens ignoram a importância de cuidar da saúde. Dados mostram que as mulheres acompanham seus parceiros, pais e filhos em 70% dos atendimentos médicos, segundo um levantamento do Centro de Referência em Saúde do Homem de São Paulo.
Confira:
Deixar de lidar com a saúde (especialmente com a mental) reforça a ideia de que o homem precisa resolver tudo sozinho, nem que seja preciso utilizar a violência. Não é à toa que as causas externas (acidentes e assassinatos) estão entre as principais causas de mortalidade dos homens, principalmente dos mais jovens.
Esse cenário também acaba impactando a vida das mulheres. Além de precisarem dar o suporte e encaminharem os parceiros aos serviços de saúde, elas podem se tornar vítimas diretas dessa dificuldade dos homens de expressarem vulnerabilidades e sentimentos.
Através da violência – seja moral, financeira, sexual, emocional e tantas outras formas – muitos encontram um caminho para lidar com inseguranças e frustrações. Ainda de acordo com o relatório da ONU, o lar passou a ser um dos lugares mais perigosos para mulheres em todo o mundo, com 45 mil mortes por feminicídio só em 2021.
Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, uma mulher foi vítima de feminicídio a cada sete horas no Brasil em 2021, totalizando 1319 casos. Já os estupros somaram mais de 56 mil casos, o que equivale a um a cada 10 minutos.
De acordo com o psiquiatra Jairo Bouer, além de impactar positivamente no bem-estar e na expectativa de vida, o cuidado com a saúde por parte dos homens também pode afetar diretamente as mulheres:
Entender que as relações amorosas podem acabar, saber transformar mágoas, tristezas e frustrações em outras emoções e comportamentos que não a violência, perceber quando não se está bem e poder pedir ajuda, sem medo ou vergonha, são instrumentos fundamentais nessa transformação do homem”, comentou.
Para ele, esse objetivo pode ser alcançado através de mudanças na educação em ambiente familiar e escolar, bem como com políticas públicas efetivas:
Um homem que aprende a cuidar melhor de si mesmo (principalmente no campo dos afetos e das emoções) e a perceber as armadilhas que a masculinidade tradicional impõe possivelmente saberá lidar melhor com sua saúde, com o mundo e, sobretudo, com a vida de milhões de mulheres”, finalizou Jairo.
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Milena Alvarez
Caiçara e jornalista de saúde há quatro anos. Tem interesse por assuntos relacionados a comportamento, saúde mental, saúde da mulher e maternidade. @milenaralvarez