A indústria da beleza evoluiu muito nas últimas décadas. Há pouco tempo, os conceitos da cirurgia plástica eram baseados em retirar o que estava sobrando: pele demais na face, bolsas sob os olhos. Com o tempo, percebemos que apenas retirar não conferia resultados naturais. O rosto continuava cansado, olhar fundo, testa muito maior, “cara de plástica”.
Com estudos de anatomia mais aprofundados e melhores exames de imagem, passamos a entender mais sobre o envelhecimento da face e começamos a tratar diversos planos do rosto. Conforme envelhecemos, a estrutura óssea da face muda, perdemos espessura em algumas áreas e temos menos sustentação dos tecidos ligados a essas estruturas, compartimentos de gordura diminuem, músculos e ligamentos têm sua função modificada, a pele perde colágeno e espessura. Então essas alterações devem ser tratadas em conjunto.
Surgiram então os preenchedores. Hoje temos uma imensidão de tipos, com consistência, durabilidade e, obviamente, preço diferente. E é um procedimento simples e rápido de ser feito: no próprio consultório aplica-se uma, duas ou várias seringas no rosto do paciente, que sai estufado e sem nenhuma ruga. O treinamento sobre a aplicação é feito em um final de semana, como uma receita de bolo bem simples. Quanto mais pacientes na fila, mais barato fica o produto. Em 15 minutos, o paciente sai do consultório deixando uma boa soma de dinheiro e pronto, que venha o próximo.
E assim criou-se uma legião de pessoas com idade indefinida, sem identidade, muito diferentes do que eram, sem expressão, com rosto não muito humano, mas sem qualquer ruga. Nesse cenário surgem modas como harmonização facial, "demonização facial", pillow face (cara de travesseiro), mídias sociais repletas de fotos de antes e depois e memes, muitos memes.
Mas não é bem assim. Os preenchedores, os bioestimuladores de colágeno, a toxina botulínica e as tecnologias são armas de um arsenal enorme que devem ser utilizadas para conferir um envelhecimento belo, tornando as pessoas mais felizes consigo mesmas. Bons profissionais são capazes de utilizar todos esses recursos para tratar estruturas de forma independente e harmônica. E como o paciente não muda de rosto, apenas melhora e rejuvenesce, não vira notícia, não vira meme e ninguém nem mesmo percebe que algum procedimento foi feito.
Isso não se aprende em um final de semana ou se obtém em 15 minutos. É necessário conversar com o paciente e ouvir o que ele realmente deseja, entender a anatomia desse desejo e traduzi-lo em técnicas e procedimentos adequados.
Mas quando o arsenal é pequeno, por exemplo, apenas com preenchimento e toxina botulínica, não só o resultado é comprometido, como também pode ser prejudicial.
Um rosto envelhecido pode ser comparado a um balão vazio: você enche o balão de ar para que fique todo esticado e brilhante. Mas ao esvaziar fica mais enrugado do que antes, sendo necessária então uma quantidade ainda maior de ar para manter o balão “desenrugado”. Este conceito está sendo chamado de “filler fatigue”.
“Filler fatigue”, ou fadiga de preenchedor, é o uso frequente, repetido e de forma inadequada dessas substâncias que, ao longo do tempo, distende mais e mais os tecidos, assim criando a necessidade de cada vez mais preenchedor e, logo, piorando os sinais de envelhecimento.
Mas, afinal, preencher é bom ou não? É ótimo! Conseguimos restaurar estruturas profundas como a parte óssea, repor compartimentos de gordura perdidos, melhorar a proporção das estruturas da face e até melhorar a qualidade da pele. O problema está no diagnóstico e indicação de quando, como e se há necessidade de preencher.
O paciente procura um consultório a partir do que ele vê no espelho. Por exemplo, o famoso bigode chinês, que é o sulco nasogeniano. A causa desse sulco mais profundo pode ser a diminuição do compartimento de gordura da maçã do rosto pela idade ou emagrecimento. Simplesmente preencher esse sulco pode dar a impressão de um rosto mais pesado, mas repor essa gordura de forma adequada estende os ligamentos e reposiciona todas as estruturas, produzindo realmente um efeito “lifting”. Ou então, se os compartimentos de gordura estiverem adequados, a causa pode ser flacidez dos ligamentos. Nesse caso, seria errado preencher qualquer coisa. O tratamento mais adequado pode ser através do uso de tecnologia, como o ultrassom microfocado, ou mesmo cirurgia de face.
Quantas vezes atendi pacientes querendo operar as bolsas sob os olhos e melhorar as olheiras e tratei com preenchedor na região das maçãs do rosto, sem necessidade de cirurgia. Ou ainda pacientes que vieram para colocar preenchedor nas olheiras e indiquei a cirurgia das pálpebras, retirando as bolsas. Com frequência recebo pacientes lindas que há anos fazem preenchimentos e tratamentos estéticos com colegas dermatologistas, que, enxergando que não é mais possível tratar a flacidez, conscientemente indicam uma cirurgia de face. De forma inversa, muitos pacientes me procuram para realizar cirurgia de face e indico tratamentos estéticos, retardando em alguns anos os procedimentos mais invasivos. Ou ainda, durante a cirurgia de face, utilizo preenchedores de ácido hialurônico ou gordura como complemento.
O conceito de “filler fatigue” entrará em breve nas discussões de mídia, mas temos que entender que é uma condição que resulta de casos mal tratados e mal indicados. O envelhecimento, como sempre falo, é multifatorial! Temos ferramentas cada vez melhores e mais eficazes para manter a aparência saudável, incluindo bioestimuladores de colágeno, preenchedores, tecnologias incríveis, toxina botulínica, filtro solar e dermocosméticos, que devem ser utilizadas com muito critério e conhecimento. Duvide de fotos no Instagram (existem tantos filtros), tratamentos mágicos e novidades milagrosas: o barato pode sair caro!
E lembre-se: dieta adequada, não fumar, fazer exercícios físicos com regularidade, cultivar amigos, dormir bem e, obviamente, cuidar da pele são medidas de estilo de vida que por si mudam o envelhecimento. O melhor investimento que você pode fazer é de dentro para fora!
Dra. Beatriz Lassance
Cirurgiã plástica formada na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e residência em cirurgia plástica na Faculdade de Medicina do ABC. Trabalhou no Onze Lieve Vrouwe Gusthuis, em Amsterdam, e é membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, da ISAPS (International Society of Aesthetic Plastic Surgery) e da American Society of Plastic Surgery. Além disso, é membro do American College of LifeStyle Medicine e do Colégio Brasileiro de Medicina do Estilo de Vida. Instagram: @drabeatrizlassance
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