Cármen Guaresemin Publicado em 28/12/2021, às 14h00
Soltar fogos na virada do ano é algo que pessoas ao redor do planeta fazem há séculos. Porém, nos últimos anos, campanhas mundiais têm reivindicado que sejam usados fogos silenciosos e que o espetáculo fique com as luzes, os brilhos e as cores. Os principais motivos para que isso mude é que o alto som dos estampidos não só causa estresse em pessoas com transtorno do espectro autista como também em animais de estimação, como cães e gatos, além de causar a morte de milhares de pássaros.
No Brasil, cidades como São Paulo e Rio de Janeiro têm leis que proíbem a queima dos fogos com som, sob pena de multa. Porém, infelizmente, muitos ignoram isso. Portanto, se você tem gatos ou cães em casa que sofrem com esta situação, confira algumas dicas de como diminuir o medo e o estresse que, em alguns casos, já levaram animais a óbito.
Normalmente, os pets não sentem medo apenas dos fogos, mas de outros sons como trovões e sirenes. Eles se estressam porque possuem uma audição quatro vezes mais potente que a dos humanos, e deixá-los totalmente expostos a esse barulho pode resultar em traumas irreparáveis.
Além de afetar a audição, como a ruptura da membrana timpânica, é possível ocorrer ataque cardíaco, principalmente entre aqueles de idade mais avançada, por serem mais propensos a cardiopatias, problemas hepáticos e insuficiência renal, e isso pode levá-los a óbito. Ou, caso o animal tenha epilepsia, o barulho pode provocar convulsões, mesmo que ele esteja utilizando a medicação adequada. Os estampidos servem como gatilho para a tremedeira, automutilação e até convulsões.
Nos cães, a principal característica é a tendência de procurar o tutor constantemente, com o intuito de se proteger e minimizar o estresse ocasionado repentinamente. Os gatos comumente somem de vista, desaparecendo por um intervalo ao procurar um abrigo seguro.
Abaixo, especialistas indicam alguns fatores relacionados aos fogos de artifício que podem desencadear medo em animais de estimação e dão dicas de como ajudar nossos melhores amigos.
É sabido que o ouvido canino percebe sons com frequência entre 15 Hz e 50.000 Hz, já os gatos são capazes de perceber sons com frequência de até incríveis 65.000 Hz, enquanto o homem fica na faixa de 20 Hz a 20.000 Hz. Por esses números dá para se ter uma ideia do quanto os estampidos dos fogos são assustadores para eles. O ideal é manter o pet dentro de casa, longe do barulho, de preferência em um cômodo onde você possa colocar uma música ou um som alto para abafar os estrondos externos.
Alguns eventos que assustam cães vêm com avisos, como por exemplo chuvas e trovoadas ou uma visita ao veterinário. Mas fogos de artifício interrompem uma noite agradável com estalos altos e aleatórios, e o pior, sem aviso prévio. Do ponto de vista de um cachorro, isso é extremamente estressante e desconfortável. Para evitar transtornos é recomendado preparar o animal, treinando, expondo-o aos sons de fogos de artifício gravados. Este treinamento, em geral, ajuda a manter a calma.
Como são barulhentos e inesperados, muitos animais os percebem como uma ameaça real, o que desencadeia resposta de fuga, diretamente relacionada aos fatores de medo. Cães e gatos se sentem ameaçados, ficam acuados e, em algumas situações, podem se tornar agressivos. Uma presença calma e reconfortante pode fazer toda a diferença para os nossos animais. Fique perto (sem superproteger) e certifique-se de que está relaxado, uma vez que ficar estressado ou ansioso não vai ajudar os pets, visto que fogos de artifício não são uma ameaça real para eles de qualquer maneira.
Atualmente, muitos animais de estimação são criados como filhos, sendo esta uma característica cada vez mais marcante nos grandes centros. Este fato se dá pela verticalização das cidades e o alto custo de vida que faz com que os cães e gatos passem a ficar mais tempo dentro de casa, o que gera, mais uma vez, um sentimento de superproteção.
Fogos de artifício acionam a resposta de luta e fuga, mas os animais não conseguem escapar da ameaça, sendo assim, medo e ansiedade continuarão – pelo menos enquanto os fogos permanecerem. A melhor solução é remover o pet antes que a queima de fogos comece. Se você tem amigos ou familiares que moram em áreas mais calmas, onde fogos de artifício são raros, ou em hotéis especializados para animais de estimação, deixe-o lá.
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Se o cão ou gato sentir que os fogos de artifício são uma ameaça à segurança e não existe uma rota de fuga, ele naturalmente se sentirá vulnerável. Uma forma de manter o animal distraído é usar brinquedos que podem ser recheados com petiscos e alimentos úmidos, distraindo a atenção dele. Quanto antes esses recursos forem inseridos na rotina, melhores serão os resultados.
Em pet shops também é possível encontrar diversas opções de produtos, como florais, homeopáticos e calmantes naturais, e feromônios sintetizados que promovem o bem-estar e induzem o animal a relacionar o ambiente a uma área de proteção e conforto. O ideal é buscar orientação do médico veterinário, que conhece o perfil e saúde do pet, para indicar as melhores alternativas e doses adequadas. E não fazer uso de dicas e medicamentos sugeridos por conhecidos ou achados na internet.
Especialistas em comportamento canino podem auxiliar os tutores utilizando técnicas de dessensibilização. O trabalho consiste em recriar os estímulos que deflagram o comportamento medroso, porém com baixa intensidade, evitando o aparecimento de estresse e medo. Gradativamente o estímulo é aumentado, buscando a não resposta do animal. No entanto, essa técnica exige alguns meses de trabalho conjunto entre o profissional e o tutor.
Se você já sabe que irá ocorrer barulho por conta de alguma celebração, como a queima de fogos do réveillon, então tire algumas horas para gastar a energia do cão. Faça um longo e gostoso passeio e brinque bastante, desta maneira ele estará menos atento aos barulhos por conta do cansaço. Aproveite para oferecer uma refeição mais caprichada à noite, como um incentivo ao sono.
Existe uma técnica muito simples chamada “Tellington Touch”. Esse método baseia-se na informação de que animais que possuem esse tipo de pavor também têm grande sensibilidade nas regiões traseiras, patas e orelhas. O método de treinamento é gentil e respeitoso, e foi desenvolvido pela especialista em animais Linda Tellington-Jones, que aplicava a técnica em cavalos.
No entanto, hoje o procedimento é utilizado no mundo todo para amenizar também fobias e traumas em outros animais, como cães, e pretende ensinar os animais a pensar em vez de reagir. Na prática, consiste em atar o cão com um pano, para que a circulação sanguínea das regiões extremas do corpo seja estimulada, amenizando as tensões localizadas no dorso do animal, diminuindo sua irritabilidade.
Passo a passo na imagem: amarre seu cachorro de forma que a faixa englobe peito e dorso (formando um oito). Finalize dando um nó na região traseira, mas certifique-se que não esteja exatamente sobre a coluna. O ato de “amarrar” o cachorro reverbera no sistema nervoso dele, que recebe a informação sensitiva, a envia ao cérebro e o deixa mais calmo – visto que essa pequena pressão ativa o sistema nervoso autônomo. Conforme o corpo sente a pressão das faixas, a psique e tronco entram em harmonia, fazendo com que o ‘pet’ sinta-se mais seguro, e possa enfrentar momentos que lhe causam medo e pavor.
A técnica funciona, mas não pode ser considerada como uma salvação, pois há a questão do nível da fobia que o cão possui, e isso varia de acordo com cada animal. Contudo, cães se sentem mais seguros em locais pequenos e apertados, e as faixas e camisetas desenvolvidas com essa finalidade, simulam essa sensação.
Pela internet é possível encontrar produtos específicos como tecidos e camisetas caninas antiestresse. Mas isso não quer dizer que o cachorro vai ficar tranquilo, apenas vai ter menos medo da situação. A técnica também serve para gatos. Importante, a criadora do método sempre frisa: pegue leve na hora de apertar a faixa.
Muitas ONGs e simpatizantes da causa animal estão fazendo uma campanha sugerindo que as pessoas não soltem fogos, mas usem o valor que seria gasto para comprar e doar ração para entidades e abrigos que cuidam de animais abandonados.
Fontes:
Cleber Santos, especialista em comportamento animal
Helena Truksa, bióloga especializada em comportamento animal da Ethos Animal
Karina Mussolino, veterinária e gerente de clínicas da Petz
Leandro Romano, coordenador do curso de Medicina Veterinária da Anhanguera
Rafael Winsneski, adestrador da Meu Cão Companheiro
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